No retorno dos blockbusters ao cinema, o menos importante foi o filme

A última vez em que estive dentro de um cinema foi em fevereiro de 2020, pouco antes do início da crise global do covid-19.

Pensando friamente, a ideia de apreciar um filme-pipoca na tela grande (com pipoca, é claro) parecia remeter a experiências mais remotas, quase como se tivessem ocorrido em outra vida.

Mesmo vacinado com a primeira dose, vacilei antes de aceitar a proposta de Splash de relatar minha primeira ida ao cinema na pandemia - um hábito o qual eu realizava semanalmente. Antes de topar, pensei se um dia me sentiria à vontade novamente em um show de rock com milhares de pessoas. Pensei:

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O cinema parece mais seguro do que isso. Então por que não?

Muito do ritual previsto seria idêntico ao de outras eras: dirigir até um shopping da região (no caso, o Frei Caneca, próximo à Av. Paulista), estacionar no subsolo, pegar o ingresso na bilheteria (comprado pela internet), comprar itens "de sobrevivência" (pipoca e água, às vezes um café) e procurar o assento na escuridão (com os trailers começados).

Ontem não foi muito diferente.

Me preparei para assistir à primeira sessão da estreia de Viúva Negra, às 14h. Comprei online o ingresso dias antes, quando a sala parecia vazia, exceto por meia dúzia de lugares nas laterais. Escolhi o N10, na antepenúltima fileira, apostando que o público iria preferir ficar mais próximo à tela - afinal, é um filme da Marvel estrelado por Scarlett Johansson, se é que isso ainda significa alguma coisa.

Trocando o ingresso 15 minutos antes do início, a atendente me informou que só dez assentos foram vendidos. "Mas amanhã vai ser melhor, vai liberar 60%", explicou, quando pergunto a lotação permitida no dia - 40%, ou 86 poltronas das 214 disponíveis na Sala 1.

Respirei aliviado por aqueles meros cinco por cento de ocupação. "Como se fizesse diferença", pensei, negativo, para logo me estimular, positivo: "Não creio que estou em um cinema!"

A incredulidade deu espaço à naturalidade com que me posicionei na fila da bomboniere e pedi o de sempre, "uma pipoca salgada média e um chá com limão". À minha frente, notei um animado pai de família ao lado de quatro crianças, comprando um saco de pipoca para cada uma. Na saída, foi ele quem melhor me descreveu a emoção de estar vendo um filme no cinema novamente:

Quando começou a ação, a gente esqueceu de tudo...e é uma sensação muito boa! Nilton da Silva, 44

Criando hábitos no escuro

Por minha missão de observador, reduzi a expectativa sobre a qualidade do filme, mesmo com as condições técnicas favoráveis. Hábito típico de outra era, apreciar uma obra em tela enorme e som digital se tornou uma lembrança vaga na medida em que nos acostumamos a ver qualquer coisa na TV (ou em telas cada vez menores).

A distração do celular também é mania que a pandemia banalizou, então me questionei se conseguiria não checar o meu durante as duas horas e pouco de Viúva Negra (spoiler: não consegui).

No escuro, surpresa: as poltronas do final estavam preenchidas, ainda que com espaçamento. Dois terços dos ocupantes (contei 15 além de mim) estavam no fundão, contrariando minha expectativa de que as pessoas se espalhariam na parte da frente. Ignorei meu ingresso N10 e me sentei perto da tela, na terceira fileira.

O espectador mais próximo estava duas filas para trás. A proposta era que eu visualizasse o comportamento do público, mas o instinto de sobrevivência falou mais alto. Desculpe, Splash.

Tá mais do que certo, Pablo.

Qual é o protocolo para comer pipoca em uma sessão de cinema daqui em diante? O vídeo explicativo antes do filme não esclareceu, então me perdi nas possibilidades e inventei o meu jeito. A cada dois minutos, baixava a máscara para beber o café e comer, enquanto equilibrava o celular no colo (com a tela virada para baixo, quase sempre) e limpava as mãos com o lenço umedecido que ganhei de brinde na bilheteria, cortesia de um dos patrocinadores da sala.

Até que me lembrei de focar no filme, que começa em flashback e desembesta em uma apoteótica briga em uma cozinha na Hungria. Tinha até esquecido de que a Florence Pugh está no elenco. A química com Scarlett funciona e os diálogos são divertidos. Mas me distraí ao notar que eu não era o único que comia de máscara abaixada (como fazer diferente?). Quando voltei a atenção à tela, as irmãs brigonas tinham feito as pazes e sobrevoavam outro país.

Na telona sempre é melhor

Viúva Negra funciona bem se visto na telinha, pelo Disney+? Provavelmente a percepção será piorada, porque a intensidade da ação merece ser vista em tamanho gigante e alto volume - e esse é o atributo do filme de Cate Shortland que fez valer a experiência de rever um blockbuster da maneira "apropriada". Por longos instantes, esqueci do caos na Terra e me importei só com o caos na tela - ou no céu, dando um spoiler de uma bela sequência de pancadaria na metade final.

Estar no cinema pareceu natural, enfim.

O público concordou comigo. "A melhor coisa do mundo. A melhor sensação que a gente pode ter...a liberdade ", descreve Nilton da Silva, 44 anos, sobre sua primeira sessão em muitos meses. Ele é o pai que mencionei no início, que junto aos dois filhos e duas sobrinhas, formava o maior grupo daquela sessão. "Mesmo assim, a gente fica com medo", ressalta, para em seguida amenizar: "Mas a sala estava vazia. Só tinha gente um pouco pra baixo e pra cima".

Nilton diz que só deixou o estado de alerta quando Viúva Negra engrenou em suas muitas cenas movidas a explosões e adrenalina. "Daí a gente esqueceu de tudo...Foi muito bom, eu estava precisando disso", completa, parecendo sorrir por debaixo da máscara. Só então me dei conta de que fiz a entrevista também sem mostrar meu rosto inteiro, o que no mínimo é algo esquisito.

Dá pra ver qualquer coisa na telinha. Mas no cinema é mais legal, né?
Carlos Eduardo Albertini, 49

Aquela não foi a primeira "sessão pandêmica" de Carlos Eduardo Albertini, 49 anos —"estou vacinado", fez questão de avisar—, mas certamente foi a mais movimentada.

"Quando os cinemas voltaram, eu assisti a várias sessões de tarde em que eu estava sozinho na sala", ele lembra, destacando que Viúva Negra foi a sala mais "cheia" que encarou desde a reabertura.

Quinze pessoas é muito para a situação que a gente está vivendo.

Um consumidor consciente (diferente de mim), Carlos sentou-se na poltrona que havia comprado previamente, no canto esquerdo da tela, "bem afastado de todo mundo", explica. "Na hora de comprar, vi que se concentraram no meio e peguei a G17." Querendo decifrar minha própria opinião, pergunto se a qualidade do filme compensou os riscos da ida ao cinema. "Pablo, dá pra ver qualquer coisa em uma telinha. Mas no cinema é mais legal, né?", ele responde sabiamente, despedindo-se com um soquinho.

...Sempre tem uma cena pós-créditos

Para encerrar, não poderia faltar outro clichê (pelo menos para mim) da experiência de frequentar cinemas de shopping: ao ir embora, percebi que perdi o tíquete do estacionamento. Refiz os passos até a sala de cinema, já completamente limpa, sem rastros dos dejetos que deixamos para trás. Perguntei sem esperanças à balconista da pipoca se haviam encontrado algo. Dois funcionários que estavam por perto prontificaram-se a ajudar.

Em poucos minutos, meu cupom foi localizado no fundo de um saco preto, em meio a embalagens de pipoca vazias, papelotes de sal e garrafas de plástico. O lixo gerado pela plateia minúscula não era abundante, o que tornou a busca mais plausível. Graças à gentileza e prestatividade dos dois auxiliares de limpeza, não precisei pagar multa pela perda do tíquete. A Fabiana e Daniel, deixo aqui meu muito obrigado.

Olha só o que a Scarlett falou sobre o retorno aos cinemas...