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Famosos iludem público e recorrem a mentiras para faturar com publicidade

Casamento ou briga de mentira: vale iludir o público na hora de promover um lançamento? - Arte UOL
Casamento ou briga de mentira: vale iludir o público na hora de promover um lançamento?
Imagem: Arte UOL

Daniel Palomares e Renata Nogueira

De Splash, em São Paulo

21/06/2021 04h00

Pabllo Vittar vai se casar. Fiuk mandou nudes para amigos. Marina Ruy Barbosa está loira. Simone e Simaria não serão mais uma dupla. Todas essas notícias chamaram a atenção do público, nos últimos meses. E ganharam espaço na imprensa.

Todas são mentiras. Afirmações falsas distribuídas em redes sociais e, às vezes, por meio de assessorias de imprensa disfarçadas de campanha de marketing. As agências também têm investido nessa estratégia para o lançamento de produtos. A Renault fez todo o mundo achar que um filme de "A Caverna do Dragão" estava prestes a ser lançado. A Comfort levou os fãs do Roupa Nova à loucura inventando que o nome do grupo mudaria.

Todas essas notícias —distribuídas como se fossem reais— ocuparam parte do noticiário e colocaram em xeque um valor importante: a credibilidade da imprensa.

"As redes sociais viraram porta-voz dos artistas, e muitos veículos grandes acabam caindo nesse tipo de estratégia", lamenta Danilo Saraiva, editor-chefe da "Quem". "Fazer isso não é inofensivo."

Parecia verdade, mas não era: outros casos de jogadas de marketing

Danilo não está sozinho. Se o jornalismo trava uma verdadeira batalha para ser reconhecido e respeitado em um momento no qual tanta gente é enganada por notícias falsas, cair numa "pegadinha" de artistas, influenciadores e marcas é um verdadeiro pesadelo.

"A mentira não pode ser relativizada. Quando a imprensa checa uma informação com fonte oficial e recebe confirmação de uma notícia falsa, a seriedade e a credibilidade desse meio de comunicação ficam comprometidas em nome do marketing. Isso é inadmissível. Especialmente em um momento como o atual, em que lutamos dia a dia contra fake news", afirma Alexandre Gimenez, gerente geral de Notícias e Entretenimento do UOL.

Daniela Tófoli, diretora editorial dos títulos "Quem", "Marie Claire", "Galileu", "TechTudo", "Crescer", "Casa e Jardim" e "Monet", na Editora Globo, tem uma linha de pensamento parecida.

"Em outro momento, poderia ser encarado só como uma brincadeira, mas acaba sendo de muito mau gosto. Os veículos de imprensa não podem compactuar com isso. É uma estratégia errada e no pior momento possível. Acho que não vale o buzz a qualquer preço."

Virar "o assunto do momento" é garantia de engajamento, uma forma orgânica de chamar a atenção. E, muitas vezes, o caminho que artistas escolhem para isso é iludir o público. Postam e compartilham conteúdos falsos, usam linguagens vagas com o intuito de gerar confusão e contam com a repercussão do que plantam em redes sociais.

A "notícia" desperta curiosidade genuína, mas pode gerar decepção na mesma dose quando a verdade finalmente é revelada.

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Live-action de 'Caverna do Dragão' era somente uma propaganda da Renault
Imagem: Arte UOL

"A gente não quer enganar as pessoas"

Em 2019, A DPZ&T, uma das maiores agências de publicidade do país, investiu em uma campanha ousada, mirando na memória afetiva do público que cresceu nos anos 1980 e 1990 assistindo à "Caverna do Dragão" - desenho animado de sucesso antes dos anos 2000. Antes de lançar os comerciais com os personagens da série usando carros da Renault em suas aventuras, algumas imagens foram vazadas e geraram a expectativa de um possível filme.

"Isso gerou especulação em torno da campanha", lembra Eduardo Simon, CEO e sócio da DPZ&T. Ele afirma que a agência tem "cuidado com a grande imprensa". "A gente não quer enganar as pessoas. No case da 'Caverna do Dragão', quase todos os jornalistas, no processo de divulgação, diziam que tinha uma marca por trás. Por quê? Porque tomamos um cuidado enorme de não dar a entender que era iniciativa de um estúdio."

Quando foi revelada a ação da Renault, no entanto, nem todo o mundo gostou. Em uma das reportagens publicadas na época, os comentários negativos superaram os positivos. "Em um primeiro momento, muita gente reclamou. Achou sacanagem da Renault. Só que isso vai se transformando em curiosidade e, quando esse sentimento muda, lançamos a campanha", detalha.

Simon tem convicção de que nunca foi desonesto com os consumidores. "A gente não mente. Em nenhum momento dissemos que havia um filme da 'Caverna do Dragão'. A gente vazou as cenas e assumiram que aquilo era um filme."

O case de "Caverna do Dragão" conquistou grandes prêmios internacionais de publicidade, como o Grand Effie no Effie Awards 2019, o Grand Play e outros dois troféus no YouTube Works. Ainda venceu como melhor comercial do Brasil no mesmo ano pelo SBT.

Eduardo Simon, que também é integrante do Conar, lembra que o mercado de propaganda se autofiscaliza.

"Pode ter certeza de que, se essas campanhas fizessem o uso de fake news, o próprio mercado teria suspendido. São peças elogiadas e premiadas, usaram uma estratégia vencedora. Foi um jeito diferente de abordar a audiência e envolvê-la."

É fake news? É ilegal?

Especialistas ouvidos por Splash argumentam que a tática adotada por campanhas de marketing que, de alguma forma, levam o público a informações falsas não deve, no entanto, ser chamada de fake news.

"As fake news são uma fábrica que tem a intenção de espalhar mentiras, provocar sentimentos de ódio, revolta, descrença e raiva", explica Julianne Caju, mestra em Educação pela UFMT (Universidade Federal de Mato Grosso).

Estudos recentes com foco na desinformação têm evitado adotar o termo —que é mais ligado à falsificação de relatos jornalísticos. Fake news, em teoria, seriam fraudes de forma e conteúdo. E têm, quase sempre, origem desconhecida, pois sua intenção é causar dano: político, econômico, de imagem, de direitos.

"As fake news vêm com uma má intenção. Elas querem enganar alguém e extrair uma vantagem disso. Querem destruir. Toda fake news é dolosa", afirma Eugênio Bucci, professor titular da ECA -USP.

No caso de campanhas de marketing, embora muitas divulguem informações não reais —ou induzam o público a acreditar nelas—, a intenção não é prejudicar nada nem ninguém. Não há um alvo a ser derrubado. A motivação é fazer barulho em cima de determinado tema, de forma a gerar publicidade orgânica. E sempre é possível identificar a fonte daquela campanha —mesmo que só num segundo momento.

"Toda mentira que tenta se passar por verdade usando uma redação jornalística para isso causa prejuízo, é uma prática ruim", reforça Bucci. "Mas as campanhas de marketing eu trataria mais como uma intervenção cultural. O caso das celebridades é uma travessura que pode ser até de mau gosto, mas não é fake news."

Mas se enganar os outros para promover algo não é fake news, então qual é o problema?

"A gente vive hoje uma outra pandemia, além da pandemia de covid-19, que é a pandemia de informação. Ao criar um falso acontecimento, você acaba contribuindo para gerar mais desinformação", explica Emílio Moreno, gestor de comunidades no Redes Cordiais, organização que trabalha para construir redes mais confiáveis.

Moreno lembra que esse tipo de estratégia teve início na política. "Agora, as celebridades e os influenciadores estão usando isso para caçar likes, gerar buzz ou repercutir um lançamento. Só que o público já começa a olhar com desconfiança."

Ana Paula Passarelli, da agência de marketing de influência Brunch, concorda que o momento é delicado para trabalhar campanhas desse tipo. "O ponto mais sensível é que estamos conduzindo narrativas em torno de inverdades, num momento em que mensagens falsas são compartilhadas com facilidade. É uma questão de responsabilidade."

A estratégia de lançar uma isca para medir a reação do público tem nome na publicidade: teaser. E não é ilegal, como explica Flavia Penido, advogada especializada em direito digital. "Teaser, segundo o Conar, não precisa ser sinalizado [como publicidade]", afirma, referindo-se ao Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária.

"Pode ser visto como algo de mau gosto, mas, legalmente, não vejo nada de errado", conclui Flavia.

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Pabllo Vittar simulou noivado para divulgar novo single "Ama Sofre Chora"
Imagem: Arte UOL

'Quem me conhece sabe que eu sou piranha'

O lançamento da música "Ama Sofre Chora" foi pensado por Pabllo, pelo empresário artístico Yan Hayashi e pelo time da gravadora Sony. Como o clipe da música mostra a artistas vestida de noiva, surgiu a ideia de divulgar um casamento falso.

"Eu e minha equipe já estávamos pensando, quando fui cantar no 'BBB', que seria o momento propício para anunciar o meu noivado em rede nacional", contou a cantora, em entrevista coletiva à imprensa no lançamento da música.

A drag queen mais seguida do mundo no Instagram (são quase 12 milhões de pessoas) conta que, no início, os fãs ficaram divididos com a novidade. "A cada foto postada, eles ficavam: 'Será que ela vai se casar? Será que é música?'. Mas quem me conhece mesmo sabe que eu sou piranha, que eu não ia me casar nada."

No entanto, pensar apenas no próprio público na hora de planejar um lançamento assim pode ser perigoso, alertam especialistas em marketing. E um dos riscos é o tão temido cancelamento nas redes.

"Pode acabar gerando uma crise de imagem para o artista, pois cria uma desconfiança na audiência", avalia Moreno.

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Marina Ruy Barbosa mostrou as madeixas loiras no Instagram, mas era uma peruca para um comercial
Imagem: Arte UOL

'Foi o público que deduziu!'

Marina Ruy Barbosa, uma das figuras mais queridas e disputadas do mundo da publicidade, também participou de uma campanha que usava esse tipo de estratégia, em 2019. A atriz, conhecida por cultivar com apego seus fios ruivos, chocou o Brasil ao surgir loira platinada. Dias depois, os fãs descobriram que era, na verdade, uma peruca. E a mudança no visual fazia parte de uma campanha da Renault.

Além da montadora francesa, Marina tinha um time de peso por trás da estratégia, que começou com um post no Instagram dela —o perfil tem hoje quase 38 milhões de seguidores. A campanha também levou a assinatura da DPZ&T, mesma responsável pela promoção de "Caverna do Dragão".

"Precisamos achar um jeito de as pessoas fazerem parte da campanha", explica Eduardo Simon, CEO e sócio da agência. Segundo o executivo, Marina não só topou "ficar loira", como participou ativamente da idealização do projeto.

Mas Simon defende que Marina não mentiu ao mostrar seu cabelo loiro. Ela compartilhou o novo visual e o público, curioso, deduziu que ela teria pintado.

"Acho muito ruim enganar o consumidor. Isso, sim, tem prazo de validade. Agora, quando você brinca com a curiosidade, é válido. A ideia é que as pessoas se divirtam com as propagandas dos nossos clientes."

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Roupa Nova mudando de nome? Só uma ação da Comfort
Imagem: Arte UOL

Com que Roupa?

E quando uma banda com 40 anos de carreira resolve mudar de nome do dia para a noite? Foi o que aconteceu com o Roupa Nova em janeiro do ano passado. O anúncio chocou os fãs, que, 24 horas depois, descobriram que tudo não passava de uma ação com a Comfort.

Uma agência grande estava por trás da campanha, que fez o nome "novo" da banda, Roupa Sempre Nova, ir parar nos trending topics do Twitter.

"O Roupa Nova foi muito aberto, tivemos uma conversa tranquila. Eles entenderam que fazia tanto sentido para a marca quanto para eles", relembra Fernanda Fontes, diretora de criação da agência F.biz, que criou a publicidade.

Parte da imprensa chegou a cair na pegadinha, mas a publicitária, que também é jornalista, destaca a importância de um conceito básico nesse sentido: a apuração.

"As ações são alinhadas. Temos esse cuidado para as assessorias saberem o que está acontecendo. Não é só entrar numa onda, é preciso checar."

Nesse caso, a desconfiança inicial de que alguma marca estivesse envolvida na mudança de nome foi comprovada. "Estava todo o mundo avisado e foi resolvido rápido. Logo anunciamos. Entrou no trending topics, você tem que aproveitar o máximo possível para revelar antes que morra."

A questão, aqui, é que a campanha foi além de apenas insinuar algo —como aconteceu no caso da "Caverna do Dragão"— e deixar que as pessoas confabulassem a respeito do que estava acontecendo. A propaganda de Comfort incluía a divulgação de uma notícia não verdadeira —caso semelhante ao do casamento da cantora Pabllo.

Ana Paula Passareli analisa: "Quando você transforma a mentira em publicidade é complicado".

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Anitta e MC Rebecca simularam briga nas redes sociais, mas era só promoção para nova música
Imagem: Arte UOL

É disso que o povo gosta?

Prestes a lançar uma parceria com MC Rebecca, Anitta se meteu em mais uma polêmica na internet. As duas trocaram indiretas no Twitter e deixaram de se seguir no Instagram. Os fãs, claro, notaram a picuinha e ficaram perplexos. Mas era tudo estratégia de divulgação da música "Tô Preocupada (Calma Amiga)".

A ideia de gerar o buzz na internet partiu das artistas. Só faltou avisar parte da equipe. "Foi um assunto entre elas. Eu mesmo quase caí na brincadeira", admite Paulo Pimenta, assessor de imprensa de Anitta. Procurada pela reportagem, a equipe de MC Rebecca não se manifestou.

Pimenta acredita que a estratégia tenha sido bem-sucedida, mas alerta: "Não posso falar pela Anitta, mas meu conselho, como parceiro de comunicação, seria não repetir. Não porque não tenha funcionado, mas porque entendemos que fazer algo repetido não traria o efeito desejado".

Mariana Madjarof comanda há dez anos a agência Access Midia e tem em seu cast nomes como Manu Gavassi e Rafa Kalimann. Para a relações públicas, é essencial que o artista trabalhe sempre com a verdade.

"As pessoas querem a espontaneidade, e a Juliette [do 'BBB 21'] está aí para provar isso. O público está carente da verdade."

Para o assessor de Anitta —o mesmo de Juliette—, a expectativa das pessoas sobre os artistas também influencia o jogo. "O público gosta do buzz e de saber sobre a vida pessoal dos artistas. O que posso garantir é que nem tudo é marketing. O público fantasia. É o famoso 'é disso que o povo gosta'", aposta Paulo Pimenta.

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Luiza Ambiel caiu em pegadinha de Maurício Meirelles e fingiu namorar com pai de Anitta
Imagem: Arte UOL

Questão de credibilidade

No início deste ano, uma notícia explodiu nos portais brasileiros. Luiza Ambiel, que havia passado como um furacão por "A Fazenda", estaria namorando Mauro Machado, o pai de Anitta.

Na hora em que Luiza compartilhou um clique ao lado de Painitto no Instagram, falando do namoro, vários jornalistas entraram em contato com sua assessoria de imprensa, que confirmou a informação. Só que tudo não passava de uma pegadinha do apresentador Maurício Meirelles, que trolla famosos na internet.

"Ele fez um estardalhaço, fiquei nos trending topics do Twitter, até verificaram minha conta. Ganhei seguidores no Instagram", relembra Luiza. Ela revela que alguns jornalistas ficaram realmente incomodados com a brincadeira, confirmada como se fosse real. "Teve jornalista que me xingou."

Maurício sabe do sucesso de suas pegadinhas e só vê vantagens nesse tipo de estratégia. "No final, é bom para todo o mundo. Artista ganha divulgação, jornalista ganha o clique, o público ganha entretenimento", conclui.

Para Luiz Gustavo Pacete, editor da Fast Company Brasil, que trabalha com mídia de negócios, o resultado não é tão positivo assim. "Acho que está desconectado do momento em que vivemos. Desde o início da pandemia, começou uma discussão sobre ressignificar a influência. Será que as marcas vão apostar em alguém que simulou situações?", questiona.

"Os influenciadores surgiram e explodiram por serem autênticos. Antes, a gente só conhecia a propaganda cheia de plástica e roteiro. Conforme vemos casos assim, as pessoas vão perdendo a credibilidade", encerra Pacete.