Não tem como negar que a ideia de um presídio que reúne alguns dos mais famosos criminosos do Brasil parece ser ideal para um programa de TV. Richtofen, Cravinhos, Nardoni, Matsunaga e outros nomes célebres pela infâmia no noticiário policial, todos convivendo sob o mesmo teto. Mas o conceito é bem melhor que a execução, pelo menos no caso da série Tremembé, que estreou na semana passada no Prime Video. Inspirada na obra de Ulisses Campbell, popular escritor de true crime, a produção comete um crime gravíssimo: não chega a ter uma história. Os 5 episódios são constituídos por sequências meio aleatórias de fofocas e picuinhas a respeito da vida dos criminosos no xilindró. Desfia uma miríade de causos cheios de pormenores cujo grau de interesse público varia bastante. E nem sempre as trajetórias dos presos famosos se interligam de maneira coerente, quase nunca, na verdade, deixando a narrativa ainda mais frouxa. Tive a oportunidade de ler o livro de Campbell sobre Suzane Richtofen, Suzane: Assassina e Manipuladora. Uma das características mais interessantes da obra é a tinta carregada do autor, como no trecho que destaco abaixo. "A próxima partida de xadrez foi o grande dia. As duas detentas surgiram luminosas no pátio da cadeia. Com a ajuda de Luciana, Suzane abandonou o loiro-champanhe do cabelo e o tingiu de marrom-escuro. Aplicou nas unhas pintadas de branco desenhos de flores coloridas. Nos lábios, passou um batom vermelho-coral. Sandrão não ficou atrás. Fixou o cabelo com gel e caprichou na colônia masculina. Cara a cara, a dupla começou o jogo de tabuleiro em silêncio. Depois de quase uma hora movimentando bispos, cavalos, torres e peões, Suzane ensaiava coragem para se declarar. Sandrão se antecipou: Não sei como será a sua reação ao que vou te dizer… Eu estou apaixonada por você! Com uma peça de xadrez na mão, Suzane olhou para a adversária e ficou calada. Arrumou o cabelo para trás, passou um elástico para prendê-lo e lançou mão da sua energia sedutora: O que você disse? Não ouvi direito - fingiu a ex-loira. Irritada, Sandrão se levantou sem a menor paciência para jogos de amor. Com receio de perder a oportunidade, Suzane pediu um momento e Sandrão sentou-se novamente à mesa: É loucura! Mas eu também estou apaixonada por você. Nunca senti isso antes, até porque sou heterossexual! - sustentou Suzane. Diante da reciprocidade, Sandrão foi tomada pela emoção e chorou. Como se diz no universo lésbico, Suzane era simplesmente a mina bife (mulher gostosa) mais bonita de Tremembé. Na tentativa de dar o primeiro beijo na amada, a líder da cadeia curvou-se por cima do tabuleiro. Uma carcereira flagrou a demonstração de afeto e ensaiou repreender o casal. Sandrão recuou antes de tocar na amada e fez uma cara feia para a funcionária, que engoliu a autoridade no mesmo instante. Suzane entrou em ação. Aproximou o seu rosto branquinho e delicado da carranca de Sandrão e deu nela um beijo na boca longo, suave e molhado. Após a troca de carinho, continuaram a partida de xadrez. O casal selou o namoro no mesmo dia, logo após a ex-loira derrubar o reinado de Sandrão com um xeque-mate dado pela rainha." Lamento muito que a adaptação audiovisual tenha perdido boa parte desse apelo folhetinesco do trabalho do autor. Na verdade, muitas vezes a série pareceu se esforçar para conter esse ímpeto. Enquanto os livros de Campbell parecem rádio AM, Tremembé, a série, tenta ser MTV -com direito a linguagem e trilha sonora pós-modernas, tipo Cansei de Ser Sexy tocando enquanto Richtofen chega ao presídio, e uma apresentação de personagens que lembra os episódios de estreia de A Fazenda. Apesar de tudo, os atores estão todos ótimos. Marina Ruy Barbosa mostra mais uma vez que está entre as grandes atrizes do país. Apesar do roteiro não oferecer muitas nuances, a personagem por si só é desafiadora. E faço questão de destacar também o Gugu de Paulinho Vilhena, em um registro surpreendente, relembrando aquela fatídica entrevista com Suzane e Sandrão. Mas além da ausência de uma narrativa mais robusta que justificasse o interesse pelos personagens controversos, não há qualquer vislumbre de reflexão mais profunda. A série até mostra os crimes que servem como "história de origem" de cada bandido, como que para lembrar a audiência do que levou cada um até Tremembé. O resto é fuxico. No final das contas, a série fica parecendo apenas uma plataforma para o telespectador se sentir superior aos protagonistas do espetáculo. Fico pensando se essa régua não é um pouco baixa demais. Voltamos a qualquer momento com novas informações. |