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Thiago Stivaletti

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Os cinemas de rua correm o risco de morrer?

Bilheteria do Espaço Itaú de Cinema, na rua Augusta; do outro lado da rua, Anexo deve fechar em fevereiro - Renata Nogueira/UOL
Bilheteria do Espaço Itaú de Cinema, na rua Augusta; do outro lado da rua, Anexo deve fechar em fevereiro Imagem: Renata Nogueira/UOL

Colunista do UOL

05/08/2022 06h00

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Essa é uma questão que me angustia há pelo menos três anos. Os cinemas de rua são diferentes não só por serem de rua; eles trazem uma programação diferente dos cinemas de shopping, com mais opções de filmes interessantes, de países diversos, não presos à agenda de Hollywood. Mas esses cinemas sofreram três baques violentos nos últimos tempos.

O primeiro foi a pandemia, que encolheu o hábito de ver filme fora de casa. O segundo foi o crescimento do streaming (impulsionado pela própria pandemia), que reforçou o hábito de ver filmes, séries, novelas, shows, enfim... tudo em casa e na hora que quiser.

Exemplos dessa crise das salas não faltam: os cinemas do Center 3, na esquina da Augusta com a Paulista, acabam de fechar as portas depois de quase 20 anos; até fevereiro do ano que vem, as duas salas do anexo do Espaço Itaú Augusta também vão dar lugar à especulação imobiliária. A Prefeitura do Rio tentou salvar o Cine Roxy de Copacabana, impedindo a mudança de ramo do lugar - mas o grupo que geria o cinema deixou claro que o negócio não dá mais lucro ali.

O streaming entrou tão forte na nossa vida que tudo no cinema agora parece diferente. É sério que eu tenho que pegar uma fila de dez minutos pra comprar ingresso? Estou com vontade de fazer xixi; tem como dar uma pausinha no filme só pra mim? O quê? Se eu não cheguei a tempo de ver o filme às 18h, vou ter que esperar a sessão das 20h ou 20h30? Só pode ser piada.

Faltou falar do terceiro baque: a crise econômica, a inflação, o aumento do preço de tudo. A cada dia que passa, o cinema se torna um programa mais caro. Em São Paulo, os ingressos no fim de semana ficam em torno de R$ 40 a inteira. Esse é o valor da assinatura padrão da Netflix, que vale pro mês inteiro, não importa quantas pessoas estejam vendo.

Isso sem falar em streamings ainda mais baratos com programação a rodo para todos os gostos - os R$ 14,90 do Prime Video e os R$ 9,90 da Apple TV+, por exemplo. Qualquer pessoa sem dinheiro sobrando já fez essa conta, e a desvantagem do cinema é evidente. O que só aumenta a revolta quando, após o "investimento", você ainda por cima não gosta do filme que saiu de casa para ver - e nem pôde dar pausa e partir pra outra coisa.

E por que os cinemas de rua vivem uma crise maior que as salas de shopping? Porque estas últimas são pautadas pelos grandes lançamentos de Hollywood, cujos estúdios organizam um calendário que prevê um único grande lançamento por semana. Filmes como "Minions 2", "Thor - Amor e Trovão" e "Trem-Bala" com Brad Pitt concentram uma divulgação pesada, todas as atenções e muitas salas - e a pessoa que chega ao shopping encontra no mínimo duas salas, com várias opções de horário, com sessões legendadas ou dubladas (outra opção do streaming).

Já os lançamentos dos cinemas de rua são mais pulverizados - drama europeu, filme independente americano, comédia brasileira, drama brasileiro, documentário, além dos vários festivais de cinema com mais dezenas de títulos. E até nesse terreno o streaming já oferece boas opções: o Mubi despeja 30 filmes novos em sua plataforma todo mês, enquanto o Belas à la Carte e a Reserva Imovision têm um belo cardápio, dos filmes do Festival de Cannes a grandes clássicos. Como disse uma amiga assessora de imprensa de algumas salas em São Paulo: "para encher os cinemas agora, precisa de evento. O filme só não basta."

Não sei se sou muito socialista, mas não consigo entender por que os donos desses cinemas não podem baixar o preço dos ingressos. Não é melhor uma sala cheia com ingressos a R$ 10 do que uma sala vazia com ingresso a R$ 40?

Lembro de alguns períodos de promoção, como a Quarta Cinematográfica do Espaço Itaú anos atrás, cujas filas dobravam a esquina. O grosso do público era de estudantes e aposentados, muitas vezes com mais tempo do que dinheiro disponível. Ou seja: existe uma vontade de ir ao cinema, bem como de fazer qualquer programa fora de casa. Mas a conta precisa fechar pro cinéfilo.

Em meio a esse cenário temeroso, algumas boas notícias aparecem. O Cineclube Cortina acaba de abrir as portas na região da Praça da República, em São Paulo, com 80 assentos no estilo cadeira de praia, num espaço onde antes funcionava um estacionamento. Além do cinema, o espaço também tem shows, festas e um espaço gastronômico. Mais uma vez, o filme só não basta.

É torcer para que essa má fase dos cinemas de rua seja só um momento, e não uma tendência duradoura. O streaming pode ser muito cômodo e cheio de opções, mas nada substitui a tela grande, e o debate coletivo em torno de um bom filme.