Roberto Sadovski

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Opinião

'O Telefone Preto 2' continua a ótima safra para 2025 de filmes de terror

Nenhum gênero é mais confiável do que o terror. Quando uma nova ideia é abraçado, não tarda para que ela seja revisitada e ampliada. Como resultado, não existe estilo cinematográfico mais afeito à construção de universos próprios, perpetuando os conceitos mais bacanas e tornando seus personagens ícones pop.

Dirigido por Scott Derrickson em 2022, "O Telefone Preto" acertou em cheio com sua trama criminal que flertava com o sobrenatural. Ethan Hawke era o Sequestrador (ou "Grabber" no original), assassino que raptava adolescentes e os mantinha vivos num porão em um jogo doentio que culminava com sua morte. O visual emblemático do vilão, feito sob medida para perpetuar sua imagem em ítens colecionáveis, ajudou a cravar o sucesso do longa.

Apostar em símbolos visuais emblemáticos é aditivo para popularizar um novo filme, mas o crédito de Derrickson, ao lado do roteirista C. Robert Cargill, é se concentrar em seus personagens e no modo como eles reagem uns aos outros. Este foco justifica o interesse na jornada de Finn (Mason Thames), capturado pelo Sequestrador e que, com a ajuda do fantasma de suas vítimas pretéritas, consegue matar seu algoz e finalmente escapar.

Seria o fim, caso os cradores de "O Telefone Preto" não enxergassem a possibilidade de expansão (e os dólares que ela pode trazer). O novo filme não possui, por óbvio, o impacto ou a inventividade de seu antecessor, o que é compensado com a ampliação de seu escopo. Sei de cena o porão claustrofóbico, e em seu lugar entra uma colônia de férias fechada durante o inverno rigoroso, com suas cabanas vazias às marges de um imenso lago congelado. O cenário pode ser amplo, mas a sensação de sufocamento permanece.

Mason Thames e Ethan Hawke em 'O Telefone Preto 2'
Mason Thames e Ethan Hawke em 'O Telefone Preto 2' Imagem: Universal

Finn, agora aos 17 anos, pode ter saído do porão quatro anos antes, mas sua mente nunca deixou seu confinamento. Violento na escola, ele se tornou um jovem solitário, e nem a proximidade com sua irmã, Gwen (a excepcional Madeleine McGraw), é capaz de romper este ciclo. A jovem tem, por sinal, seus próprios problemas: os sonhos premonitórios que ela experimentava quando criança se tornam ainda mais reais. Uma visão de sua mãe em uma colônia de férias leva Gwen e Finn ao mesmo lugar, que guarda segredos do passado do próprio Sequestrador.

"O Telefone Preto 2" não cai nas armadilhas comuns em continuações, que geralmente repetem o que funcionou anteriormente. Mesmo mantendo o foco em seu núcleo de personagens, Derrickson e Cargill se afastam da própria receita e reembalam sua ideia do primeiro, construindo uma trama que se assume de fato como terror sobrenatural - materializado na volta do personagem de Ethan Hawke, agora como um espírito demoníaco de vingança.

Uma vez isolados na colônia congelada, ao lado de uma equipe raquítica do lugar (encabeçada pelo sólido Demián Bichir), Finn e Gwen precisam exaurir o poder sobrenatural do Sequestrador, encontrando os corpos de três garotos que ele matou quando trabalhou na colônia - na mesma época, veja só, em que a mão dos irmãos frequentou o lugar. A ideia não é explicar quem é ou de onde veio o assassino, e sim dimensionar a extensão de seus atos.

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Madeleine McGraw e Ethan Hawke em 'O Telefone Preto 2'
Madeleine McGraw e Ethan Hawke em 'O Telefone Preto 2' Imagem: Universal

Um dos grandes méritos de "O Telefone Preto 2" é tirar o monopólio de "maníaco dos sonhos" de Freddy Krueger. Fora do plano físico, o Sequestrador agora ataca quando Gwen dorme, seus pesadelos premonitórios se tornando reais, com o assassino interferindo no mundo físico. Além de "A Hora do Pesadelo", existe a óbvia referência à série "Sexta-Feira 13" com uma pitada de "O Iluminado" na mistura. Como o autor do conto que deu origem a "O Telefone Preto" é Joe Hill, filho de Stephen King, está tudo em casa.

Mesmo com o impacto das cenas mais intensas costuradas com precisão e elegância por Scott Derrickson - o homem sabe criar atmosfera e tensão -, "O Telefone Preto 2" busca o medo ao lidar com trauma e isolamento. São temas salpicados ao longo do filme e, mesmo concentrados em Finn, respingam em outros personagens - Jeremy Davies, que interpreta seu pai, tem papel expandido aqui.

Faz falta, contudo, foco nos óbvios contornos sexuais dos crimes perpetrados pelo Sequestrador - ao atacar somente garotos, eles são sublinhados mas nunca mencionados ou explicitados. É uma opção justa que mantém o passado do personagem ainda nas sombras, mantendo seu impacto, mas nunca é demais ter excesso de Ethan Hawke em cena. É uma história que fica para depois.

Até porque, com as festas do Halloween dobrando a esquina, e o interesse perene no medo como experiência coletiva, é certo que "O Telefone Preto 2" não fecha as portas para nenhum de seus personagens - especialmente para o Sequestrador. Se capilarizar uma boa ideia é parte da essência do gênero, não podemos descartar um futuro retorno do (agora) assassino sobrenatural. Se aprendemos algo em mais de um século de cinema de terror é que o Mal pode ser desacelerado, bloqueado e enfraquecido, mas nunca destruido.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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