Dwayne Johnson prova que atua pra valer no fascinante 'Coração de Lutador'
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Logo na primeira cena de seu novo filme, "Coração de Lutador", Dwayne Johnson entra no ringue como Mark Kerr, então em sua primeiro combate profissional, disputando o terceiro World Vale-Tudo Championship. Sem dificuldade, mesmo enfrentando oponentes tarimbados, ele demole seus adversários e deixa São Paulo com o título e um apelido: "smashing machine", ou "máquina de esmagar".
Mais do que a intensidade da luta ou a recriação de época precisa - a cena acontece em janeiro de 1997 num hotel de luxo e extremamente cafona da capital paulista -, este preâmbulo revela o grande trunfo do filme: ao final da luta, é impossível enxergar Dwayne Johnson. Seja pela maquiagem impressionante, seja por sua linguagem corporal, seja pela interpretação surpreendente (mesmo), o astro anteriormente conhecido como The Rock desaparece por completo no papel de Mark Kerr.
A transformação revela o compromisso de Johnson em fazer jus à biografia de Kerr. Um dos arquitetos do que se tornaria a marca UFC, o lutador ajudou a popularizar campeonatos de MMA - ou mixed martial arts - antes de o esporte se tornar uma máquina de fazer dinheiro, fazendo de seus praticantes celebridades milionárias. Existe economia na interpretação e preocupação genuína em não cair em armadilhas comuns a outras biografias esportivas. A verdade atrás dos holofotes, na cartilha de "Coração de Lutador", é despida de qualquer glamour.
Não que a vida de Mark Kerr não seja uma coleção de triunfos e tragédias. Mas a opção do diretor Benny Safdie, aqui em seu primeiro trabalho atrás das câmeras sem a parceria com o irmão Josh (eles fizeram, entre outros, "Bom Comportamento" e "Joias Brutas"), é evitar o lugar comum. "Coração de Lutador" mostra o vício de Kerr em opioides (o que quase resultou em uma overdose fatal). Ilustra seu relacionamento conturbado com a ex-modelo (e coelhinha da Playboy) Dawn Staples (em outro trabalho fantástico de Emily Blunt). Sugere um combate épico com seu melhor amigo pelo título do Pride FC no Japão.

Nada disso, contudo, ganha tintas dramáticas - no máximo, Safdie injeta uma pitada de melodrama novelesco à jornada de Kerr. O esforço narrativo é mostrar o lutador como um sujeito comum com um trabalho incomum. "Coração de Lutador" internaliza o foco, concentrando a narrativa na figura silenciosa e pouco intempestiva de Kerr, um gigante gentil que ajudava a mudar o panorama do esporte como entretenimento sem nunca perceber a grandeza de sua trajetória.
Se o filme por vezes sofre com essa inércia dramática, antítese do estilo nervoso exibido por Safdie em "Joias Brutas", quem se sobressai é Dwayne Johnson. Aqui o astro não conta com nenhum elemento externo para auxiliar seu trabalho em frente às câmeras. Cada momento repousa em sua capacidade em transformar Kerr em personagem e extrair verdade de sua interpretação, sem deixar que próteses e maquiagem levem os louros.
O resultado é fascinante. Seria desonesto cravar que "Coração de Lutador" é a melhor interpretação de Johnson, já que sua carreira até aqui não exigiu que ele flexionasse músculos dramáticos. O potencial, contudo, esteve sempre ali, como em "Be Cool", em que interpreta um capanga e aspirante a ator gay, ou o cristão recém-convertido (e trincado em pó) do perverso "Sem Dor, Sem Ganho". Se havia uma promessa, ela agora é cumprida com louvor.

Existe uma certa vulnerabilidade em sua performance que se impõe de maneira surpreendente. Não porque Dwayne Johnson chora, mas por ele pavimentar o caminho para cada decisão dramática com parcimônia. Seu Mark Kerr transborda empatia por seu trabalho contido e delicado, um esforço que dificilmente não será recompensado na temporada de premiações à frente. Se "Coração de Lutador" é uma biografia apenas correta, é seu protagonista quem a transforma em programa irresistível.
A maior dificuldade, portanto, é entender o que o astro pretende fazer com este novo capital. Ao longo de sua carreira, Johnson protagonizou seu quinhão de recomeços. Ele aos poucos abandonou o apelido The Rock a partir de "Southland Tales", se estabeleceu como astro do primeiríssimo escalão depois de "Velozes & Furiosos 5" e arriscou um golpe para assumir o controle da DC no cinema com "Adão Negro".
Nenhum movimento, contudo, é mais arriscado ou radical do que "Coração de Lutador". É um projeto pessoal para Johnson, que reconhece Kerr como responsável por popularizar o esporte que lhe deu sua própria carreira nos ringues e jamais teve o reconhecimento devido. Celebrar um de seus ídolos fez o astro explorar facetas da profissão que escolheu como sua que ele mesmo desconhecia. Pode ser um caminho sem volta, Mas eu duvido: seu próximo filme é a versão live action de "Moana" para a Disney. Hollywood se move em círculos.






























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