Roberto Sadovski

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Opinião

'Uma Batalha Após a Outra': DiCaprio abraça a revolução no filme do ano

O diretor Paul Thomas Anderson conta uma história que ajuda a colocar seus filmes em perspectiva. Um professor na universidade de cinema começou a aula dizendo que, se alguém estivesse ali para escrever "O Exterminador do Futuro 2", era melhor desistir. A abordagem pretensiosa e arrogante não caiu bem para o então aspirante a cineasta. "E se 'T2' fosse justamente o que eu quisesse fazer? E se fosse a ambição de quem estava sentado a meu lado?" Dois dias depois, ele largou o curso.

O filme de James Cameron pode não se encaixar no exemplo de cinema em que uma fatia elitista de "fãs" de Anderson posicionam sua obra. Essa turma não poderia estar mais errada. Não há nada hermético ou inacessível em filmes como "Boogie Nights" ou "Sangue Negro". Pelo contrário: o diretor cria histórias tematicamente ricas, embaladas em precisão narrativa e um olhar totalmente em sintonia com o cinema mais pop imaginável. Pode não ter (ainda) o alcance de um "Hasta la vista, baby", mas a trilha é a mesma.

Neste sentido, "Uma Batalha Após a Outra" é o trabalho mais pop, acessível e complexo da carreira de Paul Thomas Anderson. Adaptação livre de "Vineland", escrito por Thomas Pynchon em 1990, o filme aborda com senso de humor ácido e um certo lirismo temas como imigração, racismo, supremacia branca, xenofobia e a queda do sistema por ações revolucionárias - emoldurando o que é, em seu cerne, a história de um pai em busca de sua filha desaparecida.

Leonardo DiCaprio em 'Uma Batalha Após a Outra'
Leonardo DiCaprio em 'Uma Batalha Após a Outra' Imagem: Warner

É o papel que cabe a Leonardo DiCaprio. Como Ghetto Pat, ele foi parte de uma célula revolucionária, a French 75, que promovia ações violentas para a libertação de imigrantes e a destruição de símbolos de poder capitalistas. Neste caos, ele se apaixona por uma colega, a irascível Perfidia Beverly Hills (Teyana Taylor). Eles têm uma filha e testemunham o esfarelamento do grupo quando um militar linha dura, Steven Lockjaw (Sean Penn), aperta o cerco, captura Perfidia e força os ativistas remanescentes ao exílio.

Corta para dezesseis anos depois. Pat, agora sob a identidade Bob Ferguson, vive desligado do sistema (não tem telefone celular ou cartões de crédito), chapado e em estado de constante paranoia. Em um mundo hiperconectado, ele busca manter a segurança da filha agora adolescente, Willa (a espetacular estreante Chase Infiniti), em vigilância constante, temeroso que seu passado de ativista - somado a uma cartela infinita de crimes - ressurja para acertas as contas.

Ser paranoico, claro, não significa que ninguém esteja atrás de você. É o que Bob descobre da pior forma quando Lockjaw, que tem seus próprios pecados para apagar, aciona o aparato público a seu favor para encontrar pai e filha. As células dormentes do French 75 são reativadas, Bob e Willa são separados e a crise se transforma em ação militar pesada em Batkan Cross, cidade-santuário que abriga imigrantes e ativistas (Benicio Del Toro entre eles), culminando em um confronto tanto ideológico quanto dolorosamente real.

Teyana Taylor e Sean Penn em 'Uma Batalha Após a Outra'
Teyana Taylor e Sean Penn em 'Uma Batalha Após a Outra' Imagem: Warner
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Enquanto a denominação "visionário" continua sendo atrelada sem nenhum critério a cineastas menores, Paul Thomas Anderson se mostra aqui seu verdadeiro merecedor. "Uma Batalha Após a Outra" reflete de forma brutal o atual estado das coisas. Ao transformar em ação concreta o medo de forças ocultas operando em causa própria sob a égide da máquina estatal, ele cria um filme que materializa a paranoia, exibe a face real dos donos do poder e escancara o preço de lutar por um ideal.

Longe dele, contudo, exibir temas incendiários didaticamente como se pregasse em um palanque. "Uma Batalha Após a Outra" é cinema vibrante e desconfortável, uma obra absurdamente sagaz e divertida, talvez o filme que melhor reflita o espírito do tempo. PTA, cineasta de imensa proficiência técnica, mostra como o cinema pode ser usado como trampolim de ideias e comentário político e social sem nunca perder seu foco como obra narrativa e experiência cinematográfica completa.

A escolha de DiCaprio como protagonista ajuda a equilibrar a seriedade da história com sua veia satírica. Bob Ferguson é uma figura descentrada, que entra em parafuso quando sua paranoia se mostra real. Sua atitude afobada ressalta um elemento de risco, sublinhando com maestria os conflitos da paternidade em um mundo acelerado tomado por ideias que fogem de seu controle. Amarrar a trama de "Uma Batalha Após a Outra" com um dilema tão familiar normaliza, portanto, seus aspectos mais absurdos.

Paul Thomas Anderson dirige Leonardo DiCaprio e Benicio Del Toro em 'Uma Batalha Após a Outra'
Paul Thomas Anderson dirige Leonardo DiCaprio e Benicio Del Toro em 'Uma Batalha Após a Outra' Imagem: Warner

Não há, honestamente, outro termo para definir a revolução exibida pela lente de Paul Thomas Anderson. São ativistas com nomes como Junglepussy e Mae West roubando bancos pela causa. Skatistas revolucionários em fuga por telhados iluminados pela fumaça de explosões. Van Halen é o infiltrado nas fileiras da massa atiçando o conflito com militares, portanto armamento pesado. A ação orquestrada por PTA nos força a olhar sem piscar para o absurdo do mundo real.

Talvez seja Lockjaw quem melhor traduza este sentimento. Materializado por um Sean Penn sublime como força irrefreável, uma esfinge de sentimentos ausentes, o militar é um dos personagens mais complexos do cinema moderno. Não existe nele uma divisão entre dever e ambições: tudo se apresenta embaralhado numa maçaroca de autoaversão, ideologia torta e anseio por pertencimento. Isso o torna imprevisível e repulsivo, uma representação exagerada de espectros políticos reais, posicionada no outro extremo da simpatia atabalhoada interpretada por DiCaprio.

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Ao colocar nosso engajamento numa balança regulada por empatia, "Uma Batalha Após a Outra" torna-se obra propositalmente polêmica, erguida com camadas de citações pop inesgotáveis e entrelinhas infinitamente interessantes. É viciante em seu senso de humor mordaz e empolgante em sua estrutura de ação - traz a perseguição de carros mais original e tensa em pelo menos duas décadas de cinema. Para Paul Thomas Anderson, a revolução não será televisionada, mas projetada com som e imagem tinindo nos melhores cinemas. Até o momento em que traço estas linhas, é o melhor filme do ano. Restam-me, por fim, as palavras (agora) imortais de Bob Ferguson: obrigado, sensei!

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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