Nem Margot Robbie e Colin Farrell salvam 'A Grande Viagem da Sua Vida'
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O diretor Kogonada conseguiu um feito inimaginável: em "A Grande Viagem da Sua Vida": ele juntou dois dos espécimes mais perfeitos da raça humana, Margot Robbie e Colin Farrell, em um filme absolutamente desprovido de tesão. Não existe química, não existe conexão ou paixão. Sobra, além do desconforto explícito, o prazer sem nenhuma sutileza de descontar um cheque gordo. Bom para eles. Azar o nosso.
A jornada do título é, no caso, um acerto de contas com o passado do roteirista Seth Reiss, que escreveu o ótimo "O Menu" e tem uma coleção de comédias espertas no currículo. Claramente marcado por acontecimentos em sua adolescência - mais especificamente um fora homérico que provavelmente o reduziu a um pudim de lágrimas -, ele tinha duas opções: terapia ou transformar a história em um filme. Adivinhem.
Mas não um filmeco qualquer, não senhor. Com "A Grande Viagem da Sua Vida" ele esboçou um épico edificante, cheio de mensagens sobre a vida, o universo e a chance de pessoas comuns expiarem seus pecados. São lições que fazem seus protagonistas reviverem momentos importantes de seu passado para, juntos, tentar traçar algum caminho para o futuro. Tudo sob o guarda-chuva infinito do "realismo fantástico" (eu tenho senioridade para usar o termo, me deixa).

Colin Farrell é David, solteiro, que ainda dá satisfação aos pais sobre suas idas e vindas e pega a estrada para o casamento de um amigo (supomos, já que os coadjuvantes aqui são irrelevantes). Na festa, conhece Sarah (Margot Robbie), outra alma deslocada. O flerte é inevitável, não dá em nada, mas a história parecia se encerrar ali. No dia seguinte, contudo, o carro dela não dá partida e o GPS do dele sugere (!) uma carona. Até aí, ok.
O que acontece em seguida é a tal jornada pelo tempo e espaço. O GPS, muito engraçadinho e cheio de personalidade, os direciona a lugares aleatórios em que eles encontram diversas portas. Ao cruzar, ambos são levados a pontos de relevância no passado de cada um e ganham, assim, outra perspectiva sobre sua própria vida. No processo, conhecem melhor um ao outro e, vá lá, se apaixonam. Na teoria tudo funciona.
O fluxo narrativo aqui é uma festa de alucinógenos. Ele visita um farol em que a vista "o faz pensar na existência", volta a seu colégio de adolescência (olha o roteirista revendo o próprio passado) e tem um encontro decisivo com seu pai. Já ela vai ao hospital em que sua mãe morreu, ao museu que as duas visitavam juntas (escondidas à noite, vai entender) e, finalmente, se vê como adolescente em uma conversa franca com sua mãe. As histórias de David e Sarah se cruzam em um restaurante em que, cada um encarando seu próprio passado, mostram sua incapacidade em criar qualquer conexão amorosa.

O texto de Reisse é sofrível, uma mistura indigesta de autoajuda e conversas profundas entre Margot e Farrell que nunca dão liga. Mais preocupado em desenhar um visual bacana do que em criar qualquer coesão entre seus personagens, Kogonada deixa seus protagonistas à deriva, incertos do rumo que a trama está levando. Quando David finalmente manda um "eu te amo" para Sarah, a vontade é gritar um "agora pronto!" bem alto no cinema, tamanha a falta de convicção e sinceridade.
Vez ou outra, Hollywood manda um produto assim em nossa direção, como "Corrente do Bem" ou "A Vida Secreta de Walter Mitty". Filmes que supostamente trazem grandes lições de vida, dolorosamente traduzidas como os clichês mais baratos e constrangedores. Pode escrever e me cobrar depois: vai fazer um sucesso enorme ao ser fragmentado no LinkedIn como parte da palestra de algum coach picareta.
O que me deixa mal mesmo é ver dois atores superlativos como Margot Robbie e Colin Farrell, belíssimos como nunca, perdidos nesse abacaxi. Mais esperta foi Phoebe Waller-Bridge, que surge como atendente da locadora de veículos que aluga o mesmo modelo de Saturn 1994 para os dois e tem como único traço de personalidade "alguém que diz muito palavrão". Ha-ha. É a risada amarela que sobra em "A Grande Viagem da Sua Vida", um filme que não é sobre a jornada e muito menos sobre o destino. Como diria Jerry Seinfeld, é uma história sobre nada.






























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