Roberto Sadovski

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Opinião

Sofrível, novo 'Jurassic World' prova que era de dinossauros precisa acabar

"Jurassic World - Recomeço" parte do princípio de que as pessoas se cansaram de dinossauros. O que era assombro científico e deslumbre emocional décadas antes, quando o milagre da clonagem trouxe os animais de volta ao planeta, resume-se agora a um punhado de criaturas velhas e doentes espalhadas pelo mundo, causando pena e atrapalhando o trânsito.

Se os números impedem afirmar que este desinteresse se reflete no mundo real - os três filmes mais recentes da série renderam mais de US$ 1 bilhão nas bilheterias por cabeça -, a nova aventura se esforça tremendamente para que o único clamor popular seja pela extinção renovada dos dinossauros. Não que cada exemplar de "Jurassic World" fosse um primor de inventividade, mas este "Recomeço" arranha com fúria o alçapão no fundo do poço.

Não existe aqui nenhuma fagulha do encantamento do filme original. Também encontram-se ausentes qualquer senso de aventura ou sugestão de suspense. O elenco, liderado por Scarlett Johansson, não tem ferramentas para soprar vida em seus personagens. Entre o absurdo, o improvável e o ridículo, o que sobra é um produto sem alma, um desastre criativo que promete tomar seu lugar ao lado de "Batman & Robin" e "Star Wars: A Ascensão Skywalker" entre as maiores decepções pop do cinema moderno.

Scarlett Johansson encara um dino mutante de 'Jurassic World - Recomeço'
Scarlett Johansson encara um dino mutante de 'Jurassic World - Recomeço' Imagem: Universal

A trama de "Jurassic World - Recomeço", embora sem nenhuma conexão com seus antecessores, é impulsionada pela mesma ganância corporativa. Martin Krebs (Rupert Friend), representante de um conglomerado farmacêutico, trabalha com o paleontólogo Henry Loomis (Jonathan Bailey) no desenvolvimento de uma droga capaz de revolucionar a medicina cardíaca. A chave para seu desenvolvimento, contudo, está no DNA das três maiores espécies de dinossauros.

É aí que mora o problema. Cinco anos depois dos eventos de "Jurassic World - Domínio", os dinossauros foram vitimados pelas condições climáticas do planeta, radicalmente diferentes do que pede sua biologia. Desde então, as criaturas foram isoladas em paraísos tropicais longe da civilização. Um destes locais, abrigo das feras apontadas por Loomis, é uma ilha no meio do Atlântico que abrigou um laboratório de pesquisa da InGen - agora abandonada e de acesso proibido, ela foi tomada pelas criaturas, dinos desextintos e aberrações mutantes deixadas há décadas à própria sorte.

Entra em cena a mercenária Zora Bennett (Scarlett Johansson), especializada justamente em entrar e sair de zonas de conflito. Atraída pelos milhões ofertados por Krebs, ela reúne sua equipe - liderada por Mahershala Ali - e topa a missão. O cenário se complica ainda mais quando uma família navegando no entorno da ilha - pai, duas filhas e o namorado chapado da mais velha - é atacada por seus habitantes marinhos e termina presa no lugar. Os dinos, bem sabemos, adoram companhia para o jantar.

Da primeira cena de ação, com o ataque de um Mosassauro ao barco que transporta Scarlett e cia., ao clímax no antigo centro de pesquisas da ilha, habitado agora pelo monstruoso Distortus Rex, "Jurassic World - Recomeço" trava uma batalha inglória com a sombra do filme original. As tentativas de reproduzir cada momento emblemático de "Jurassic Park" são, para colocar de forma delicada, constrangedoras.

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Scarleyy Johansson e Jonathan Bailey em cena que parece imitar outro filme de Steven Spielberg...
Scarleyy Johansson e Jonathan Bailey em cena que parece imitar outro filme de Steven Spielberg... Imagem: Universal

O problema é que todo diretor que assume um exemplar da série tenta ser Steven Spielberg. Colin Trevorrow se vendeu como visionário em "Jurassic World", de 2015, mas não passou de um imitador eficiente - já "Domínio", que recuperou o elenco original em 2022, só flertou com a irrelevância. Em 2018, J.A. Bayona tentou virar a chave para o terror com "Reino Ameaçado" e ficou pelo meio do caminho. Ao menos Joe Johnston entendeu seu papel como operário do cinema e não comprometeu em "Jurassic Park III" de 2001.

Quem assume a função aqui é Gareth Edwards, Hábil em conduzir produções carregadas de efeitos visuais, o responsável por "Godzilla", "Rogue One" e o recente "Resistência" teve aqui como grande inimigo o tempo. O roteiro de David Koepp - que escreveu "Jurassic Park" e tem currículo equilibrado entre acertos fantásticos e erros abissais - precisava de mais cuidado, o que se tornou impossível quando a produção foi finalizada a toque de caixa, com um ano de trabalho a menos do que a média para filmes desse porte.

O resultado é um texto desleixado, de erros primários tanto na caracterização de personagens - nenhum deles tem carisma ou simpatia - como em fluidez narrativa. A colcha de retalhos se completa com cenas escritas para o filme de 1993 que nunca foram usadas - o ataque do T-Rex a um bote com a família infeliz -, um templo esculpido em pedra que é esquecido na mesma velocidade em que é descoberto e uma ameaça final, o famigerado D-Rex, um cruzamento doalien de H.R. Giger com King Kong que muda de tamanho conforme a conveniência da cena.

Distortus Rex, aberração mutante com lata de dinossauro, abrilhanta 'Jurassic World - Recomeço'
Distortus Rex, aberração mutante com lata de dinossauro, abrilhanta 'Jurassic World - Recomeço' Imagem: Universal

Para um filme do porte de "Jurassic World - Recomeço", parte de uma série que já rendeu mais de US$ 5 bilhões, chega a ser ofensiva a total ausência de encanto, de tensão e de emoção. A falta de respeito com a inteligência da plateia, deixada totalmente à deriva sem ter como se conectar à trama, só não é pecado maior do que a vontade irritante e descabida de imitar cada vírgula de "Jurassic Park" - o que nem o próprio Spielberg conseguiu em "O Mundo Perdido".

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Nada disso, entretanto, deve frear a longevidade da série, especialmente porque a criançada adora um dinossauro - sejam reproduções das feras hoje fossilizadas, sejam os monstros mutantes que permeiam os filmes da nova geração. As lojas de brinquedos vivem apinhadas de feras pré-históricas de todas as formas e tamanhos, o que me faz questionar a necessidade de um "Jurassic World - Recomeço" para ancorar os produtos.

Criativamente, convenhamos, a era dos dinossauros começa e termina em 1993, quando a magia era palpável e o deslumbre, real. Havia em "Jurassic Park" a qualidade efêmera dos grandes fenômenos que vez por outra transformam o cinema em lugar onde os sonhos mais febris podem se concretizar. Agora? Bom, agora eu me pego torcendo para que os dinossauros sejam, mais uma vez, declarados extintos. Vem, meteoro!

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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