'Tubarão': 50 anos do maior filme de terror (e 1º blockbuster) da história

Ler resumo da notícia
Eu me lembro exatamente quando assisti a "Tubarão" pela primeira vez. Foi em setembro de 1984, uma segunda-feira, quase uma década após o filme de Steven Spielberg ter se transformado em fenômeno nos cinemas. Eu tinha pouco mais de 10 anos e, como morava em cidade praiana, deu ruim.
A praia se tornou por bons meses território proibido. De forma totalmente irracional, piscinas também. Mas era de frente para o mar, fitando o horizonte a perder de vista, que imediatamente o tema de John Williams voltava a reverberar em meu crânio. Levou um tempo para fazer as pazes com o oceano.
Para o resto do mundo, "Tubarão" já causava esse efeito desde 1975, quando Spielberg, então com 28 anos, adaptou o livro de Peter Benchley sobre uma cidade de veraneio na costa leste americana atacada por um imenso tubarão branco. Para frear o bicho, partem para o mar o policial Martin Brody (Roy Scheider) ao lado do caçador profissional Quint (Robert Shaw) e do biólogo marinho Matt Hooper (Richard Dreyfuss).
As filmagens foram um desastre. "Tubarão" foi o primeiro filme rodado no oceano, na costa de Martha's Vineyard, e a produção esbarrou em todo tipo de adversidade. A equipe terminava cada diária esgotada por ter de lidar com as condições climáticas e as intempéries de filmar no mar. O roteiro era finalizado na noite anterior da produção de cada cena. E o tubarão mecânico, apelidado "Bruce" (nome do advogado do diretor), nunca funcionou a contento.

Spielberg, por sua vez, tentava se manter firme. Sua inexperiência ao rodar seu então terceiro filme o impedia de enxergar o real escopo da empreitada. Mais ainda: ele sabia que, apesar de todos os caminhos levarem ao desastre, ele sentia que estava construindo algo especial, que aos poucos passava de matinê descompromissada e esquecível a um verdadeiro suspense hitchcockiano.
Mesmo assim, o diretor decidiu se ausentar do último dia de filmagens. A equipe, totalmente exaurida após 159 dias de filmagem (a previsão original eram 55), se encarregou da cena em que o tubarão explode. O orçamento também foi esticado para além do dobro da soma original. Spielberg, embora seguro de seu filme, achava que nunca mais trabalharia em Hollywood após "Tubarão".
O estúdio, por sua vez, apostou na aventura com uma campanha de marketing agressiva, usando o lançamento do livro de Benchley como pontapé inicial do esforço de marketing, expandido para ações com parceiros promocionais e uma avalanche de comerciais na TV em todo o país. De aposta arriscada, "Tubarão" se tornou o programa imperdível da temporada do verão americano em 1975.
O que ninguém esperava, contudo, era a resposta entusiasmada do público. Inicialmente lançado em 464 cinemas, o filme de Spielberg viu a demanda dobrar esse número em pouco menos de dois meses. No resto do mundo, as plateias acompanhavam o movimento. "Tubarão" logo passou de sucesso nos cinemas para fenômeno pop irrefutável.
Números fazem, por óbvio, a alegria dos contadores dos estúdios. Mas "Tubarão" logo passou a ser visto como uma obra que ia além de mero entretenimento ligeiro. A direção brilhante de Spielberg, que usou toda a bagagem do apaixonado por cinema que ele sempre fora, elevou os diálogos, os personagens e toda a narrativa. Decisões que pareciam aleatórias se provaram, com o filme pronto, essenciais para construir suspense. Diálogos expositivos no roteiro se tornaram monólogos emblemáticos para a história do cinema.

"Tubarão" passou a ser estudado como uma das peças fundamentais para entender a mecânica do blockbuster moderno - de sua construção como cinema à sua evolução como produto de marketing. O modo de vender e de consumir filmes foi alterado para sempre. E o trabalho de Spielberg tornou-se a régua pela qual toda a sua obra passou a ser medida.
O que as últimas cinco décadas mostraram foi que, para Steven Spielberg, "Tubarão" não foi o fim da linha, e sim o ponto de partida de uma das carreiras mais espetaculares que o cinema já testemunhou. "Contatos Imediatos do Terceiro Grau" e "Os Caçadores da Arca Perdida". "Jurassic Park" e "A Lista de Schindler". "O Resgate do Soldado Ryan" e "Amor, Sublime Amor".
A influência de "Tubarão", contudo, é sentida em cada passo, não só de Spielberg, mas dos cineastas que seguiram seu sucesso. George Lucas com "Guerra nas Estrelas". James Cameron com "Titanic". Christopher Nolan com "Oppenheimer". O legado da aventura que um dia parecia uma coleção de erros é inegável.
O maior deles seja, talvez, o medo paralisante causado por "Tubarão". O suspense galopante da sugestão da criatura no mar a seus ataques, brutais e sangrento, alimentando o pavor da plateia a níveis imensuráveis. Uma obra-prima absoluta. "Tubarão" completa 50 anos, e ainda hoje eu não me sinto totalmente confortável ao encarar o mar.

Deixe seu comentário
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.