Roberto Sadovski

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Opinião

'Extermínio: A Evolução': Danny Boyle amplia o medo de um futuro possível

Em uma casa no interior da Inglaterra, pouco depois da virada do milênio, um grupo de crianças assiste a um episódio de "Teletubbies" na TV. Os pequenos, hipnotizados pelo quarteto de criaturas bizarras, ignoram o quanto podem a gritaria que escala do outro lado da porta trancada. A tensão aumenta quando a mãe de um deles entra, claramente em pânico, e avisa que vai ficar tudo bem. Mas sabemos que não vai.

O flashback, logo na primeira cena do novo "Extermínio: A Evolução", remete aos primeiros dias em que uma pandemia de raiva, que transformou pessoas comuns em zumbis irracionais e violentos, transformou as ilhas britânicas em território devastado, isolado do resto do mundo, com sobreviventes largados à própria sorte. A incerteza da fantasia não era diferente da insegurança da realidade pós 11 de setembro, que parecia antever o fracasso da civilização.

Essa ansiedade foi convertida em filme por Danny Boyle com "Extermínio". As imagens de uma Londres esvaziada, desbravada por um jovem que acabara de acordar de um coma (Cillian Murphy), davam lugar a um pesadelo em que hordas de infectados buscavam destroçar os vivos. A falência das instituições, somada ao horror primitivo de uma população desumanizada, fez do filme lançado em 2002 uma peça importante na cultura pop moderna - como cinema de terror e como espelho do estado das coisas.

Jamie (Aaron Taylor-Johnson) leva Spike (Alfie Williams) em sua primeira caçada
Jamie (Aaron Taylor-Johnson) leva Spike (Alfie Williams) em sua primeira caçada Imagem: Sony

"Extermínio: A Evolução" marca o retorno não só de Boyle, mas também do roteirista Alex Garland, a essa distopia que lida com futuros possíveis, ao mesmo tempo em que faz uma leitura do mundo de hoje. Afinal, décadas depois do filme original - entrecortado por uma continuação em 2007 que não teve input da dupla -, as notícias não são exatamente promissoras. Depois de uma pandemia global, lidamos agora com a radicalização das relações políticas, ingredientes que ajudam a expandir as ideias e o terror de "Extermínio".

Depois do prólogo com crianças, massacre e Teletubbies, "A Evolução" salta 28 anos, e a situação não avançou. O Reino Unido segue em quarentena, o mundo exterior é um mistério e os sobreviventes se organizam como podem. Um semblante de civilização é observado em uma ilhota separada do continente por um fiapo de terra, um caminho estreito encoberto na maré alta. Nessa comunidade, a normalidade é mantida por um conjunto de regras rígidas e por vigilância constante.

Incursões para o território em quarentena incluem um rito de passagem, em que jovens precisam matar um dos infectados e entender o perigo que os cerca. É assim que Jamie (Aaron Taylor-Johnson) leva seu filho de 12 anos, Spike (o excepcional Alfie Williams), para explorar o que sobrou da civilização. Nessa primeira metade da trama, Boyle apresenta a nova configuração dos infectados, que décadas depois se comportam ou como feras que caçam em matilha, ou como criaturas reduzidas a chafurdar na lama em busca de sustento - ambas "espécies" ainda dominadas pelo vírus e extremamente letais.

Ralph Fiennes em 'Extermínio - A Evolução'
Ralph Fiennes em 'Extermínio - A Evolução' Imagem: Sony
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Boyle e Garland não têm, claro, o menor interesse em fazer um "filme de zumbis", um espetáculo de sobrevivência em que a esperança de uma cura impele a trama. Com o protagonismo nos ombros de Spike, o filme explora uma geração que desconhece uma rotina diferente da vigilância pela sobrevivência. Quando o garoto se recusa a acompanhar o embrutecimento da realidade que o cerca, "Extermínio - A Evolução" mostra cores mais interessantes e surpreendentes.

Para Spike, o terror do continente é superado não só pela curiosidade, mas também pela necessidade. Ele acredita que um médico supostamente entrincheirado em território inexplorado (Ralph Fiennes) traga alguma esperança de cura para Isla, sua mãe enferma (Jodie Comer) que sofre de perda de memória e alterna apatia com episódios de lucidez. Essa segunda incursão, empreendida de forma clandestina por mãe e filho, revela a ternura que Boyle e Garland injeta em seus personagens, uma melancolia entre momentos de extremo perigo que não pode ser confundida com resignação: é pura determinação.

O mundo assolado por zumbis infectados em 'Extermínio - A Evolução'
O mundo assolado por zumbis infectados em 'Extermínio - A Evolução' Imagem: Sony

Para transformar essas ideias em filme, Danny Boyle e o fotógrafo Anthony Dod Mantle (oscarizado por "Quem Quer Ser Um Milionário?") se muniram com iPhones 15 Pro Max, anabolizados com cases, lentes e suportes profissionais. "Extermínio: A Evolução" ganhou assim uma assinatura visual única, com os campos plácidos e a vastidão sufocante do norte da Inglaterra capturados com novo dinamismo. É um trabalho tão revolucionário quanto o uso de câmeras digitais pela dupla em "Extermínio".

Boyle, contudo, nunca deixa a bagagem técnica tomar a frente da história que ele quer contar. Embora seja embalado como filme de terror, "Extermínio: A Evolução" vai além ao explorar as entrelinhas, os fragmentos de empatia em um cenário de desesperança, redescobrindo a humanidade em um mundo que há muito lhe virou as costas. Neste momento de incerteza, em que o noticiário replica tanto ódio e ignorância, talvez seja o filme certo na hora certa. Os zumbis infectados, dispostos a desfilar crânios recém-decapitados, são um bônus!

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** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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