'Batman Eternamente' celebra 30 anos sem revelar todas as suas versões
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"Batman Eternamente", reinvenção precoce do Homem-Morcego no cinema, completa 30 anos de seu lançamento como um enigma digno do Charada. O filme, dirigido por Joel Schumacher, foi concebido como a antítese das aventuras comandadas anteriormente por Tim Burton - em especial "Batman - O Retorno". Em vez de tintas góticas emoldurando vilões grotescos, o novo filme trazia mais leveza, cores e senso de humor. Mas essa não era exatamente a visão inicial de seu diretor.
Antes de mais nada, vamos trazer um pouco de contexto. "Batman" se tornou um dos maiores fenômenos do cinema em todos os tempos quando redefiniu, em 1989, o modo de vender um filme e de lidar com uma propriedade intelectual. Com mais liberdade após seu sucesso avassalador, o diretor Tim Burton fez da segunda aventura do herói interpretado por Michael Keaton, lançada em 1992, uma ópera sombria habitada por personagens bizarros - em especial o Pinguim, papel de Danny DeVito.
"Batman - O Retorno" fez sucesso, claro, mas nem de longe arranhou os números de seu antecessor. Pior ainda: alguns parceiros promocionais da Warner, como a fabricante de brinquedos Kenner e o McDonald's, acharam as imagens conjuradas por Burton estranhas e intensas demais para o que seria uma aventura infantojuvenil. Quando o Pinguim vomita uma gosma negra no clímax do filme, a turma querendo vender fast food entrou em pânico.
Com o alerta ligado, a Warner tratou de despachar Burton e trouxe Schumacher a bordo. Keaton foi substituído por Val Kilmer, e Chris O'Donnell assumiu o papel de Robin - ausente dos filmes anteriores, mas aqui a esperança de conexão com a plateia adolescente. Como vilões, Tommy Lee Jones fez um pastiche do Coringa de Jack Nicholson em seu Duas Caras, e o astro emergente Jim Carrey devorou todas as cenas como o estridente Charada.

Mesmo com este tabuleiro, Joel Schumacher ainda enxergava o Batman como um personagem torturado - o que não poderia ser diferente dada sua origem trágica. O roteiro previa uma reconciliação com o passado e a revelação de que sua dor jamais seria apagada, e sim abraçada. Essa trama seria contada com um Bruce Wayne amnésico se livrando da culpa pela morte de seus pais e, por fim, entendendo que ele e o Batman estariam ligados para sempre - daí o "Eternamente" do título.
O estúdio, por sua vez, bateu o pé. "Batman Eternamente" era um filme elaborado para vender brinquedos, refrigerantes e outras traquitanas, sem espaço para cantos sombrios em personagens sofridos. Dessa forma, o arco do Robin foi expandido em cenas de ação, ignorando o trauma vivido pelo jovem após testemunhar a morte de seus próprios pais. O humor na relação dos vilões foi estendido, com ênfase nas macaquices de Jim Carrey. E nosso herói terminaria sem neuroses com a mocinha - papel de Nicole Kidman.
"Batman Eternamente" finalmente chegou aos cinemas em 16 de junho de 1995 (aqui a estreia foi em 7 de julho) e tornou-se um sucesso, arrecadando US$ 337 milhões, vendendo toneladas de produtos e oxigenando o Homem-Morcego como a propriedade intelectual mais valiosa do estúdio. Dois anos depois, Schumacher assumiria que estava dirigindo um comercial de brinquedos com "Batman & Robin" e o herói dos gibis entraria em hibernação até o lançamento de "Batman Begins" em 2005. O filme com Val Kilmer seria, portanto, um fragmento isolado na longa história do personagem no cinema.

Ao longo dos anos, contudo, a existência de uma versão alinhada com a visão original de Joel Schumacher passou a ser alardeada em grupos de fãs pela internet. As evidências eram robustas - embora bastante óbvias: fotografias de cenas inexistentes no filme espalhadas por publicações da época, cenas usadas no trailer e em vídeos musicais do U2 e Seal que não apareciam na versão dos cinemas. É natural um filme ser picotado e remontado antes de seu lançamento - vide o recente "Esquadrão Suicida" -, especialmente depois de exibições teste durante o processo. Mas a conversa acerca de "Batman Eternamente" simplesmente não arrefecia.
Após a morte de Joel Schumacher em 2020, a ideia de existir uma "versão do diretor" do filme ganhou impulso, especialmente depois que o jornalista Marc Bernardin - colaborador em dúzias de veículos especializados - revelou que essa cópia seria supostamente mais sombria e menos farsesca, com ênfase no trauma de Bruce Wayne e sua relação com a psiquiatra interpretada por Nicole Kidman.
O próprio estúdio confirmou a existência dessa versão, com quase uma hora de metragem a mais e chamada internamente de "Preview Cut; One". Foi a cópia que o cineasta Kevin Smith exibiu para um grupo de amigos em julho de 2023, e que o produtor e roteirista Akiva Goldsman garantiu que poderia ser restaurada e lançada em alguma plataforma. A Warner, por sua vez, vetou qualquer exibição pública de um "Director's Cut" de "Batman Eternamente" e nega planos para que isso se concretize.

A engrenagem de Hollywood é marcada pela incoerência. Em 2006, pouco antes do lançamento de "Superman - O Retorno", o estúdio investiu na restauração da versão de Richard Donner para "Superman II", filme de 1980 que à época foi finalizado por outro cineasta, Richard Lester. Recentemente, "Liga da Justiça" foi remontado como um colosso de 4 horas segundo as especificações do cineasta Zack Snyder como forma de anabolizar as assinaturas do serviço de streaming Max.
"Batman Eternamente", por outro lado, viu a efeméride de seus 30 anos de lançamento chegar sem nenhuma fanfarra. Reapresentar o filme segundo a visão original de seu diretor não seria somente uma bela homenagem a Joel Schumacher, mas também uma forma de celebrar o legado de Val Kilmer - e uma maneira de reconhecer as diferentes maneiras que um filme é planejado, executado e exibido. Mas o que seria uma ação de marketing simpática e bacana terminou com as fãs descobrindo que, fora do mundo digital, sua voz não reverbera com a força que eles imaginam.
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