Roberto Sadovski

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'Bailarina': Ana de Armas entra em ação em trama simplória de vingança

Sinal dos tempos: um filme, no atual estado da indústria do cinema, perdeu o direito de ser só um filme. Ele precisa ser uma série, uma "franquia". Ter derivados —os spin-offs. Melhor ainda: precisa gerar um "universo". É parte do jogo, o que a princípio não é reprovável caso os elementos que deram início à coisa toda sejam mantidos no lugar. Nem sempre, contudo, a banda toca afinada.

Veja o caso de "Bailarina", spin-off da série "John Wick". Se o filme lançado em 2014 com Keanu Reeves iniciou uma mitologia inusitada sobre guildas de assassinos ocultas ao redor do globo, este derivado, Ana de Armas à frente, ignora o subtexto de um delicado equilíbrio de poder no submundo e se apresenta como uma trama banal de vingança.

De imediato, faz falta à "Bailarina" a energia caótica do diretor Chad Stahelski, responsável pelos quatro "John Wick". Com habilidade, ele costurou uma construção de mundo interessantíssima com cenas de ação não só visualmente empolgantes, mas que também faziam todo sentido como blocos alinhavando a narrativa.

Em seu lugar, entra em cena Len Wiseman, operário do cinema que ganhou notoriedade ao criar a série "Anjos da Noite" (um microfenômeno do começo dos anos 2000), não fez feio em "Duro de Matar 4.0" e, depois de tropeçar no remake canhestro de "O Vingador do Futuro", foi pagar os boletos trabalhando em séries de TV como "Sleepy Hollow" e "The Gifted". É cineasta competente, mas sem personalidade ou urgência.

"Bailarina", por outro lado, é um projeto que implora por alguma assinatura que o eleve para além do feijão com arroz da ação. Ana de Armas é Eve Macarro, criada para se tornar assassina desde que, quando criança, viu seu pai, ele próprio um assassino profissional, ser eliminado por matadores de uma guilda rival. Ela se esforça ante a diretora da Ruska Roma (Angelica Huston) até ser graduada.

Em sua primeira missão, contudo, Eve descobre pistas que apontam o caminho para o assassino de seu pai. Disposta a empreender sua vingança, ela começa uma jornada solitária que pode alterar a balança do poder entre grupos de matadores, restando à sua própria casa nenhuma alternativa a não ser enviar seu principal agente para removê-la de cena: John Wick.

Ana de Armas é carisma puro e, mesmo que dificilmente ela seja celebrada como nova musa do gênero, faz o que pode para carregar uma trama que não faz sentido mesmo dentro de um universo tão absurdo. A inclusão de elementos mais reconhecíveis da série "John Wick", como o hotel Continental e os personagens interpretados por Ian McShane e pelo saudoso Lance Reddick (aqui em seu último filme), ajuda a ancorar o filme em um tabuleiro maior, mas não disfarça a intenção puramente comercial do projeto.

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John Wick (Keanu Reeves) dá as caras em 'Bailarina'
John Wick (Keanu Reeves) dá as caras em 'Bailarina' Imagem: Paris

O que sobra, por outro lado, são sequências de ação que, embora executadas com precisão, posicionam-se mais como pirotecnia do que recurso dramático. E tome Ana de Armas brigando com capangas anônimos em uma boate (numa missão sem pé nem cabeça), nos corredores do Continental, nas ruas de Praga e, por fim, em um vilarejo perdido no leste europeu, com a cidade inteira voltada contra ela.

A produção de "Bailarina" foi complicada, com o lançamento adiado por um ano e Stahelski assumindo a direção das cenas adicionais que injetaram mais ação e contexto à trama. O descompasso fica claro quando o filme se aproxima do clímax e as sequências parecem melhor elaboradas —inclusive a participação de Keanu Reeves como John Wick, num momento aleatório mas que tem lá seu charme. Para quem busca nada além de diversão passageira, é o bastante.

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