Roberto Sadovski

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Opinião

'Esquema Fenício' é Wes Anderson afiado como sempre, sentimental como nunca

Circula pelas interwebs um meme sobre um sujeito que, logo após o final de uma sessão de "O Grande Hotel Budapeste", olha para sua acompanhante ao acender das luzes e manda um "Bem-vinda a Wes Anderson". Dei risada da cantada hipster, mas não tiro a razão do sujeito: o cinema do diretor americano é mesmo a porta de entrada a um mundo, no mínimo, extremamente peculiar.

"O Esquema Fenício" é mais um bloco em sua filmografia que, desde "Budapeste", vem lapidando seu estilo de frames simétricos, cenários despudoradamente artificiais e texto sempre afiado e ligeiro. É uma assinatura única, mesmo que dessa vez falte uma pitada de brio para elevar a trama além de sua estrutura habitual. Ainda assim, o deleite visual segue delicioso, assim como seu inegável espírito vintage.

Listado em "A Crônica Francesa" como parte da trupe, Benicio Del Toro é aqui alçado à posição de protagonista como o empresário, investidor e traficante de armas Zsa-Zsa Korda. Após sofrer mais uma tentativa de assassinato e ver sua virtude julgada em sua breve passagem pelo pós vida, o cruel magnata traça um plano para viabilizar seu empreendimento mais ambicioso —e, no processo, reconectar-se com sua filha.

Benicio Del toro e Mia Threapleton em 'O Esquema Fenício'
Benicio Del toro e Mia Threapleton em 'O Esquema Fenício' Imagem: Universal

Existe em "O Esquema Fenício" um sentimentalismo representado pela interação de pai e filha ainda mais profundo do que no restante de sua filmografia. A herdeira de Zsa-Zsa é, no caso, uma noviça, Liesl (Mia Threapleton, em sua primeira colaboração com o diretor), convocada do convento para assumir os negócios do milionário. Embora relutante, ela aos poucos considera a oportunidade, ao mesmo tempo em que expõe as fissuras na carapuça do pai.

Emoldurando este centro emocional está o próprio esquema fenício, em que Zsa-Zsa, perseguido por um consórcio internacional disposto a encerrar suas atividades financeiras, busca seus investidores para garantir a industrialização do país fictício Fenícia e embolsar 5% do lucro dos projetos ao longo de 150 anos. O trio de protagonistas é completado por Bjørn (Michael Cera, outro novato na trupe), entomologista promovido a "assistente administrativo" do personagem de Del Toro.

Ao longo dessa jornada, Anderson exibe uma coleção de personagens pincelados de sua trupe de sempre (Tom Hanks, Scarlett Johansson, Mathieu Amalric, Willem Dafoe, Bill Murray e um Benedict Cumberbatch caracterizado com uma maquiagem escancaradamente fake) que colocam seus protagonistas em uma sucessão de situações progressivamente inusitadas. A habilidade do diretor em costurar cada fragmento da trama em uma história coerente ainda impressiona.

'O Esquema Fenício' repete a precisão simétrica do cinema de Wes Anderson
'O Esquema Fenício' repete a precisão simétrica do cinema de Wes Anderson Imagem: Universal
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Outra habilidade do diretor é provocar reflexão por meio da fantasia. Se "Os Excêntricos Tenenbaums" tem alienação parental como força motriz, e "O Grande Hotel Budapeste" versa sobre o avanço e as consequências do fascismo, Anderson agora injeta comentário social nas entrelinhas, colocando em cena revolucionários em prol do povo e os perigos da concentração de poder em grupos oligárquicos. Tudo sob a constante do prisma de uma família disfuncional.

Acima de tudo, "O Esquema Fenício" é cinema mordaz, hipnotizante e divertido de ponta a ponta. Ele opera no universo muito particular arquitetado pelo diretor, mesmo que cada filme habite um microcosmo distinto. É um pedaço de teatro comunitário entrecortado por gags de cinema mudo e sessão de terapia coletiva. É cinema como nenhum outro. É mais uma desculpa para o galã hipster soltar um "Bem-vindo a Wes Anderson" sem nenhum medo do meme.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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