Alguém precisa impedir urgentemente que The Weeknd faça mais filmes
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Caro Abel,
Tudo bem? Você não me conhece, óbvio. Mas sou admirador de seu imenso talento musical. Não sou fã, veja bem, mas é impossível não reconhecer sua contribuição não somente para a música pop contemporânea ("Blinding Lights" me pegou!), mas também como uma figura, como The Weeknd, que enriquece este cenário por ter de fato algo a dizer.
Entretanto, eu preciso ser honesto, Abel: você não é ator. Vou além. Todo o talento que você demonstra como músico se evapora no segundo em que ele é direcionado para qualquer outro campo do audiovisual. Além de demonstrar a profundidade dramática de uma tampa de panela, suas tentativas de criar uma história, pelo menos até o momento, não passaram de egotrips sem nenhuma profundidade, povoadas por personagens desinteressantes que se esbarram por tramas pueris e bastante óbvias.
Pensei que sua experiência com "The Idol", a série pavorosa que você criou, produziu, escreveu e protagonizou, tivesse soado algum tipo de alerta, tivesse lhe dado uma pista que seu negócio, definitivamente, não é se posicionar nem à frente, nem atrás, nem no mesmo bairro de uma câmera. Lily-Rose Depp, felizmente, sobreviveu ao martírio e provou seu imenso talento dramático em "Nosferatu".
Eu realmente achei que o completo fracasso criativo de "The Idol" mostraria que sua praia é mesmo a música - acredite, você é realmente um astro pop incrível. Mas, nãããão, Abel Tesfaye precisava provar que seu talento é multifacetado, não é mesmo? Daí chega este "Hurry Up Tomorrow", que no Brasil ganhou o apêndice "Além dos Holofotes", para consolidar de vez sua inabilidade dramática.

Vou te falar, Abel, que dei até um voto de confiança quando vi o trailer. Mas o filme é uma jornada em torno de seu umbigo, uma bobagem que confunde platitudes com profundidade. Pior ainda: você interpreta você mesmo: Abel, o astro pop The Weeknd, numa encruzilhada moral após destratar e ser dispensado por quem eu imagino ser sua namorada - o filme jamais deixa claro, já que a moça é uma presença invisível, um gancho para providenciar algum dilema, para você fingir que atua.
Daí você arrastou a pobre Jenna Ortega para um papel infeliz de Maria Misterinho, a moça que, em meio a um show numa arena gigantesca, captura seu olhar, dobra a segurança e termina contigo num quarto de hotel depois de uma noite lúdica. Se o seu personagem é irritante, a dela é oca, uma cartolina coberta por estereótipos que serve de avatar para você refletir sobre... sobre o que mesmo? A arte? A vida? A solidão? Não importa.
O que importa é que minha vontade de permanecer em posição fetal até o fim da sessão só era interrompida pela eventual mistura de gargalhadas e indignação. Poxa, Abel, não custava fazer uma história com começo, meio e fim, sabe. Não custava se esforçar para desenhar o básico em uma narrativa. Não custava dar a Barry Keoghan um papel melhor do que a muleta "amigo/empresário". Ele é o Coringa, caramba!
Ah, e não precisava, de forma alguma, fazer a pobre Jenna corroborar sua egotrip ao dizer uma frase como "Suas músicas são mais profundas do que as pessoas imaginam". Chá revelação: não são, é pop bem feito, bem costurado e bem óbvio - e por isso tanta gente se identifica e curte. Você não é Bob Dylan, Joni Mitchell ou Leonard Cohen. Ora, você sequer é o Max Martin!

É compreensível que você queira expandir seus horizontes artísticos. Como Dwayne Johnson deixou The Rock de lado, li que você quer abandonar The Weeknd e ficar só como Abel Tesfaye. Justo. Mas pense com carinho porque a estrada é bruta. Lady Gaga ainda não conseguiu emplacar um filme sequer. Nem Madonna - Madonna, Abel! - fez essa transição com sucesso. Talvez você simplesmente não tenha isso em seu DNA.
Por fim, eu encerro essa missiva com um pedido. Por profissão, críticos de cinema muitas vezes não tem opção para escolher o que vão ou não vão assistir. Quando algo como "Pecadores" desfila antes nossos olhos, agradecemos de verdade pelo privilégio de nosso trabalho. "Hurry Up Tomorrow", por outro lado, é a prova de que não temos um minuto de paz. Acredite, portanto, quando digo que essa não é a sua praia. Nem de longe, nem agora e, pelo visto, nem nunca. Sai dessa roubada e me ajuda a te ajudar, amigo.
Cordialmente,
Roberto
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