Truncado e inerte, 'Branca de Neve' é exatamente o desastre que parecia ser
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"Branca de Neve", versão moderna do mais clássico dos desenhos Disney, levou pauladas desde que foi anunciado. Reclamaram da escolha de Rachel Zegler como a protagonista. Reclamaram da escalação de Gal Gadot como a Rainha Má. Reclamaram do uso de efeitos digitais para representar os Sete Anões, da caracterização, do trailer, reclamaram de tudo.
Eu adoraria ser o sujeito a dizer que toda a campanha negativa foi intriga, foi coisa de fã ranheta, de gente desocupada que ignora a pia cheia de louça e passa os dias online para xingar muito no X (antigo Twitter) um filme que nem sequer haviam assistido. Mas não foi desta vez. Arrisquei uma sessão de "Branca de Neve" na noite de estreia (lotação de exatas quatro pessoas na sala, incluindo este que vos escreve e minha digníssima, tadinha) e vi fragmentos de minha alma escorrendo pelo ralo.
Em menos de duas horas, este "Branca de Neve" consegue não só mutilar a animação de 1937 (é modo de falar, o filme segue inteirinho em streaming e aí em sua coleção surrada de VHS) como acumula um caminhão de equívocos em cada decisão. É uma produção feia (imersa no artificialismo de um alvorecer perene), truncada como se nacos inteiros de história tivessem ido passear para nunca retornar, inerte num ritmo de geleira flutuando no ártico.

O prólogo explica como Branca de Neve cresceu com pais nobres e decentes, regentes de um país em total harmonia, em que o povo compartilhava o fruto de seu trabalho e todos irrompiam em canções para demonstrar sua felicidade. A morte da rainha antecipou a chegada de uma beldade ambiciosa, que desposou (e despachou) o rei, transformou a princesa em servente no palácio e fez de seus súditos pacíficos um exército particular.
A partir daí, a trama segue mais ou menos como na animação. A Rainha Má é informada por seu espelho mágico que não é mais a mais bela, ordena a morte de Branca de Neve e a princesa, poupada pelo caçador apontado para matá-la, se pirulita para o bosque encantado. Uma vez na floresta, conhece os sete anões (que trabalham sabe-se lá por que em uma mina), é ameaçada pela Bruxa com uma maçã e, finalmente, vê o bem triunfando ante o mal.
Se a moldura está ok, o quadro é um desastre. O motivo nada tem a ver com a atualização da personalidade da personagem. Nada mais bocó, afinal, do que reclamar em pleno 2025 da adoção de um estilo progressista para uma princesa criada nos anos 1930. Algumas questões totalmente ultrapassadas, como a figura do "príncipe salvador", naturalmente não têm mais espaço. Adaptar também é atualizar.

O problema é que "Branca de Neve" não ajuda. A direção de Mark Webb ("O Espetacular Homem-Aranha") é confusa, indecisa sobre que rumo tomar. A trama primeiro se apresenta como musical (daqueles irritantes, com canções ruins substituindo fluxo narrativo), inclina-se em seguida para a aventura mágica e fecha as cortinas em um final "revolucionário", sem clímax e pouco inspirado. Acredite, Tim Burton se saiu melhor com a figura da "princesa guerreira" em seu "Alice no País das Maravilhas".
Os anões, repaginados como criaturas mágicas, não incomodam mas também nunca dizem a que vieram. Eles sugerem ter alguma habilidade mística que jamais é usada e nenhum dos sete tem tempo de tela até para que possamos diferenciar um Soneca de um Atchim. De protagonistas no desenho clássico eles se tornam aqui figurantes digitais que não fariam falta caso removidos.
O elenco é quase por inteiro uma nulidade. Revelada por Steven Spielberg em "Amor, Sublime Amor", Rachel Zegler é uma Branca de Neve apática, acanhada e perdida. Já Gal Gadot é campeã no quesito canastrice: em figurinos que parecem um chocalho, sua Rainha Má é uma coleção de caretas até quando assume a identidade da bruxa velha - a trama da maçã envenenada, ressalto, é breve como uma brisa.

Quem se salva em meio ao oceano de inexpressividade é Andrew Burnap. Ele é Jonathan, que troca a skin de príncipe pela de Robin Hood, liderando rebeldes na floresta que se insurgem contra a tirania da Rainha Má. Sua afeição por Branca de Neve, embora acelerada, parece genuína, e o personagem se mostra sagaz, charmoso e bem-humorado - tudo que o filme não é.
Usando o (mau) exemplo de "O Homem de Aço", em que Zack Snyder jamais entendeu a engrenagem do Superman, "Branca de Neve" parece envergonhado pela simplicidade do clássico e afunda abraçado à trama batida do "reino ameaçado resgatado pela herdeira virtuosa". Nem toda propriedade intelectual precisa ser regurgitada - mesmo que isso não seja opção em um gigante corporativo como a Disney.
O problema, claro, não é Branca de Neve - ou Aurora, Bella, Ariel ou Cinderela. As princesas Disney são, além de uma marca, um retrato de seu tempo. São conceitos que, em sintonia com o mundo moderno, podem ser revistos e atualizados. Em alguns casos, como "Branca de Neve" deixa evidente, talvez seja melhor manter a memória afetiva guardada no baú na nostalgia. Ou, quem sabe, enfeitando as paredes de uma festa infantil.
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