Roberto Sadovski

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Reportagem

Mark Arm, do Mudhoney, fala sobre grunge, surfe e psicodelia à brasileira

Devia ser algo na água, mas 1991 foi um ano emblemático como poucos para o rock. O Metallica estourou a bolha do metal, o U2 lançou seu melhor trabalho, o R.E.M. se graduou como bandão depois de uma década militando pela música independente. Em Seattle, o Nirvana disparou uma revolução que também revelou o Pearl Jam, o Soundgarden e a música rotulada como grunge.

O gênero, uma mistura explosiva da crueza do punk e do barulho do heavy metal, não era novo no entorno da cidade no noroeste americano. Ele deu as caras quando o Green River, banda formada por Mark Arm e Steve Turner, lançou seu primeiro EP em 1985. "Come On Down", ao contrário dos lançamentos de rock da época, trazia um som sujo e distorcido que, na falta de uma explicação melhor, disparou um movimento.

Em 1991 o Green River não existia mais, e Arm já lançada seu segundo álbum à frente do Mudhoney, "Every Good Boy Deserves Fudge", que chegou às lojas antes de "Nevermind" e da explosão do "som de Seattle" como movimento comercial. Ainda assim, o Mudhoney, como toda banda de rock da época, terminou cortejado por uma grande gravadora, entrou em rotação na MTV e o resto é história.

Corta para 2025. O grunge como gênero, rótulo ou movimento cultural está morto há tempos. Boa parte das bandas de Seattle se dissolveu, abreviadas por excessos ou tragédias. O Mudhoney, por sua vez, segue impávido. Em quase quatro décadas, a banda desovou uma dúzia de clássicos modernos (o mais recente, "Plastic Eternity", é uma paulada lançada em 2023) que resistiram aos modismos e à ação implacável do tempo ao nunca abrir mão de sua mistura atemporal de energia e barulho.

De volta ao Brasil pela sétima vez, o Mudhoney toca em Curitiba (amanhã, dia 20), São Paulo (21), Rio de Janeiro (22) e Belo Horizonte (23). Eu bati um papo com Mark Arm um dia antes de ele embarcar, numa conversa que foi da cena de Seattle ao cenário da moderno da música, do surfe à sua admiração por bandas brasileiras psicodélicas do final dos anos 1960. Punk e pesado, como deve ser.

Mark Arm bate papo com Roberto Sadovski às vesperas da turnê do Mudhoney no Brasil
Mark Arm bate papo com Roberto Sadovski às vesperas da turnê do Mudhoney no Brasil Imagem: Reprodução

Eu fui a um show do Vapors of Morphine há algumas semanas, no mesmo lugar em que vocês vão tocar em São Paulo, e a casa estava cheia. Bandas de rock dos anos 1990 sempre atraem público fiel no Brasil. Já é a sétima tour do Mudhoney aqui, tocar no Brasil traz algo diferente?
A turma no Brasil é sempre muito empolgada, são divertidos e sorridentes, ninguém parece bravo ou agressivo. Parece que todos estão sempre se divertindo e isso é bem bacana. Essa energia meio que faz a gente tocar melhor.

A cena musical de Seattle furou a bolha no começo dos anos 1990 com a revolução grunge e a percepção é de que foi o último grande fenômeno do rock. Você acha que hoje é possível uma cena se repetir assim, de forma orgânica?
Acho que a última coisa parecida, estritamente rock and roll, foi quando os White Stripes, os Strokes e os Yeah Yeah Yeahs surgiram no começo dos anos 2000. Mas o cenário da mídia na década anterior era muito diferente, a MTV ainda exibia vídeos musicais, era um canal voltado à música e era a forma que muita gente descobria coisas novas em um nível comercial, sabe? Eu não estava exatamente prestando atenção nos anos 2000, mas naquele momento a MTV só parecia se interessar por reality shows. Música não entrava mais na receita.

No Brasil aconteceu basicamente a mesma coisa, o cenário mudou.
Nos anos 1960, ao menos nos Estados Unidos, vários grupos musicais tinham sucessos regionais. Uma banda de Boston tocaria no rádio em Boston, talvez em Nova York, mas dificilmente chegaria a Los Angeles. Eventualmente alguma coisa ganharia espaço em todo lugar. Mas não era como todas as estações de rádio hoje, que são propriedade de grandes corporações e repetem basicamente a mesma playlist. Era mais como rádios universitárias, só que comerciais.

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Daí as opções ficaram ainda mais estreitas?
Bom, nos anos 1970 as coisas começaram a ficar mais comerciais e com certeza tudo se estabilizou nos anos 1980 com a MTV. Mas provavelmente é muito melhor ter essas opções tipo "escolha sua aventura" de hoje. É possível encontrar qualquer coisa no YouTube, e se você ouvir algum som e curtir, dá para mergulhar na toca do coelho e achar as coisas mais obscuras e bacanas.

A diferença da época quando tudo isso não estava na ponta dos dedos era que a gente descobria algo muito cool e esquisito e que pouca gente conhecia, comprava o disco e ouvia sem parar. Talvez você nem curtisse tanto de cara, mas se você investiu naquele disco poderia muito bem lhe dar uma chance. Hoje, com a infinidade de coisas no YouTube, a decisão de ouvir algo novo ou desistir de vez é tomada em segundos.

"Every Good Boy Deserves Fudge" completou 30 anos em 2021 e eu confesso que senti o peso do tempo. Você sente esses momentos emblemáticos, seja com uma música, um disco ou um show, com frequência?
Ah, o tempo todo! (risos) Mas eu estou muito mais feliz estando aqui!

Recentemente o grunge tem experimentado um retorno. Qual sua opinião sobre o gênero ser redescoberto por uma nova geração?
Eu meio que não tenho uma opinião. (risos) Eu acho ótimo, sabe, ótimo pra gente! Nossa última turnê na Europa parecia ter um grupo de 16 a 22 anos, por aí, uns 24 anos que a gente nunca tinha visto. A turma de uns 30 anos estava por lá e também tinha os velhos que sempre aparecem. (risos) Então eu achó ótimo que nossa música ainda ressoe com tanta gente. Eu não sei por que, mas sou grato por isso.

Seattle no final dos anos 1980 e no começo da década seguinte parecia um viveiro para música. Você acha que existe alguma coisa que as pessoas geralmente não entendem sobre toda aquela cena?
Eu não sei, não consigo imaginar especificamente como outras pessoas percebiam aquela época. Mas tinha muita coisa acontecendo em LA e São Francisco e Minneapolis, e cenas menores em todo lugar, como em Dayton, Ohio. Não rolava só em Seattle, nos anos 1980 havia uma cena underground saudável nos Estados Unidos e também na Austrália. Ou na Nova Zelândia.

Eu não conheço o que estava rolando no Brasil nessa mesma época mas não acho que essa cena musical estava necessariamente limitada a Seattle. Só que foi Seattle, por algum motivo, que deu esse salto para algo mais comercial.

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Você vê alguma nova cena se destacando hoje?
Bom, eu não presto tanta atenção como fazia quando tinha meus 20 anos... (risos)

Mudhoney já foi descrito como como pioneiro do grunge. Você acha que esse rótulo de padrinho ofuscou de alguma forma a evolução da banda?
Ah, não há nada que possamos fazer sobre isso. Não é que eu possa controlar a percepção de outras pessoas, então eu nunca me preocupei com isso.

Mas se você pudesse voltar no tempo e dar algum conselho ao jovem Mark Arm, bem na época do "Superfuzz Bigmuff", o que você diria?
(risos) Sei lá, eu sou péssimo em dar conselhos! Talvez eu diria para ele começar a surfar! (risos) Porque eu só comecei quando já tinha uns 40 anos. A praia mais perto de fica a duas horas e meia de Seattle, uma hora e meia de Portland. É uma viagem, mas vale a pena.

Tentei uma vez, quase me afoguei...
Não é fácil, cara, e com certeza você não vai surfar da primeira vez que subir em uma prancha. A não ser que você tenha, sei lá, 6 anos de idade.

Beck tem influência do tropicalismo em sua música, e eu lembro que Kurt Cobain era fã dos Mutantes. Recentemente Peter Buck do R.E.M. passou um tempão no Brasil tocando com Nando Reis. Se você pudesse colaborar com qualquer artista brasileiro, do passado ou atual, tem alguma ideia de quem poderia ser?
(sem hesitar). Os Brazões! Acho que é assim que se fala, Os Brazões? Acredito que eles só gravaram um álbum, foi um disco que deixou a gente pirado quando fomos ao Brasil em 2001. Os dois primeiros discos de Gal Costa também são sensacionais, Discos malucos, super barulhentos e psicodélicos! (olha o celular) Ah, e Módulo 1000, "Não Fale com Paredes", é como uma mistura de DEVO com Black Sabbath. Eles são bons pra cacete!

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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