Roberto Sadovski

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Opinião

'O Macaco' abusa do senso de humor macabro em legítimo exemplar do 'terrir'

Uma cena em "O Macaco" me lembrou o momento em que os assaltantes de "Esqueceram de Mim" caem nas armadilhas montadas por Macaulay Culkin. Mas imagine se, em vez de a dupla sair com um galo na testa, eles sofressem as consequências físicas de cada pancada. Em vez de na prisão, os "bandidos molhados" terminariam no cemitério.

Em ambos os filmes, contudo, o objetivo é o mesmo: arrancar risadas. Não que "comédia" seja o gênero habitualmente atrelado a uma adaptação da obra de Stephen King ou a uma produção de James Wan. Mas foi sob o prisma do humor — ainda que extremamente macabro — que o diretor Osgood Perkins optou em conduzir "O Macaco".

O ponto de partida aqui é para lá de manjado: brinquedo amaldiçoado deixa rastro de mortes violentas. A coisa toma tintas de drama familiar quando o boneco, "herança" de um pai que saiu para comprar Fanta e nunca mais voltou, para na mão de dois irmãos gêmeos — Hal é tímido e retraído, já Bill é expansivo e agressivo. A morte da mãe os deixa órfãos e, ao perceber a influência do brinquedo, os dois decidem se livrar dele.

O brinquedo assassino de 'O Macaco'
O brinquedo assassino de 'O Macaco' Imagem: Paris

A maldição, porém, é teimosa, e o brinquedo — um macaco que toca tambor — ressurge 25 anos depois, quando os irmãos (interpretados por Theo James) já não mantêm contato há anos. Divorciado, Hal vive sozinho, longe de um filho agora adolescente, e se prepara para passar uma última semana com o garoto, Petey (Colin O'Brien), antes que ele seja adotado por seu padrasto (Elijah Wood), sumindo de vez de sua vida.

A reunião, desconfortável desde o começo, toma outro rumo quando Bill, que vive recluso, liga para o irmão e comunica que talvez o macaco tenha sido encontrado, já que corpos voltaram a se empilhar na cidade em que ambos cresceram — inclusive sua tia, morta após uma série de acidentes domésticos bizarros. Hal e Petey começam uma investigação que vai resultar em ainda mais mortes até o reencontro inevitável dos irmãos.

"O Macaco" traz uma trama simples que, em mãos menos espertas, resultaria em um filme de terror rotineiro, combinando uma vingança que não faz muito sentido com o banho de sangue habitual. Osgood, que assinou "Longlegs" ano passado, optou por um caminho diverso, limando toda a seriedade do projeto para abraçar seus traços mais absurdos e exagerados.

Theo James em 'O Macaco'
Theo James em 'O Macaco' Imagem: Paris
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Foi a melhor escolha, já que é o senso de humor que mantém "O Macaco" flutuando — das mortes inventivas e absurdamente explícitas ao estilo farsesco com que Osgood conduz seu elenco. James, em particular, finca as garras no papel duplo com fervor, traduzindo na expressão perpetuamente desesperada de Hal o tom apocalíptico da empreitada.

Autointitulado "expert em mortes trágicas", Osgood Perkins vê no absurdo do cinema de terror uma maneira de lidar com as mortes muito públicas de seus pais, o ator Anthony Perkins (que morreu em decorrência da AIDS no começo dos anos 1990) e Barry Berenson (passageira em um dos aviões arremessados contra o WTC de Nova York em 11 de setembro de 2001).

Entender a inevitabilidade da morte o fez perceber que a melhor forma de lidar com tragédias é com um sorriso no rosto. Seus filmes seriam, portanto, uma espécie de terapia coletiva em que a fragilidade da vida é processada em histórias fantásticas e apavorantes. O que, desta vez, pode frustrar o fã mais acirrado do gênero: não há sustos em meio às risadas nervosas em "O Macaco".

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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