Encantador, 'Chico Bento' expõe as vantagens de apostar em cinema de marcas
"Chico Bento e a Goiabeira Maraviosa" é uma lindeza! A começar pelo título fantástico, essa adaptação dos quadrinhos do Maurício de Sousa é uma aventura divertida e muito doce, simples em sua escrita e envolvente em seus personagens. Em um mundo perfeito, os habitantes do "universo" encabeçado pela Turma da Mônica seriam presença no cinema pelo menos a cada semestre.
O filme dirigido por Fernando Fraiha, que segue em cartaz pelo Brasil, surpreende ao não abrir mão de sua ingenuidade.
O que ele retrata não é o interior bruto do país, e sim uma versão romantizada que serve como pano de fundo para a aventura: Chico (papel de Isaac Amendoim, um talento nato) e sua turma tentam impedir que um fazendeiro de olho no "progresso", representado pela obra de uma estrada asfaltada, derrube a goiabeira (maraviosa) da fazenda de Nhô Lau Simples. Eficiente. Perfeito!
O nome do jogo aqui não é nostalgia, e sim familiaridade. Ao usar símbolos de compreensão imediata, amarrados em um cenário bucólico, "Chico Bento e a Goiabeira Maraviosa" se conecta por meio da identificação.
É uma fórmula ainda mais eficiente quando atrelada a uma marca popular —e poucas coisas no cinema moderno são mais eficientes do que uma propriedade intelectual testada e aprovada. Lição que o cinema nacional tinha de tomar nota.

O público, afinal, gosta de marcas —e quando digo "marcas", refiro-me a propriedades intelectuais, ou IPs. São produtos valiosos, títulos e personagens que trazem conforto imediato a quem busca um momento de escapismo no cinema.
O exemplo recente mais gritante do uso de uma IP está em cartaz desde o Natal: mais de 3 milhões de pessoas já foram ao cinema assistir a "O Auto da Compadecida 2" justamente por saber o que iam encontrar quando as luzes se apagassem.
Alimentar uma IP não significa, em hipótese alguma, deixar de lado filmes originais. Pelo contrário: uma indústria cinematográfica saudável, que lota as salas com produtos familiares e que falem nosso idioma, estimula a criação de novas histórias para ocupar o vácuo entre grandes lançamentos.
Se o parque exibidor já é bombardeado com produtos gringos, nada mais justo do que usar as mesmas armas que eles para garantir a presença dos nossos.
Tudo é questão de estratégia. A Disney experimentou uma crise criativa e financeira recente, até que seu CEO mais calejado foi convocado para reassumir o leme. A diretriz foi segurar ideias originais e acelerar a produção de IPs confortáveis —e dá-lhe "Divertida Mente 2", "Mufasa" e "Moana 2", que coletivamente trouxeram US$ 3,3 bilhões para os cofres do estúdio.

"Chico Bento e a Goiabeira Maraviosa" é o exemplo perfeito de propriedade intelectual sólida, parte da memória afetiva coletiva do brasileiro, adaptada dos gibis para o cinema com leveza e inteligência. É arte, lida com questões profundas nas entrelinhas, sem deixar de ser um produto de primeira, perfeito para ser saboreado em família no cinema.
O cinema brasileiro é rico em ideias e, neste momento em particular, ganha um holofote global com o sucesso de "Ainda Estou Aqui". Em tempos assim, quando os olhos do mundo miram nosso jeito de contar nossas histórias, podemos e devemos expandir também para o lado de dentro.
É imperativo que filmes excepcionais como "Baby", de Marcelo Caetano, encontrem espaço no circuito exibidor. "O Último Azul", com Rodrigo Santoro, vai competir no próximo Festival de Berlim. Na mesma toada, precisamos também de mais histórias confortáveis que não reinventem necessariamente a roda, mas que a refinem.
As goiabas em "Chico Bento" podem ser vistas como metáfora para um último fragmento de inocência ante a marcha avassaladora do futuro. Mas ela também pode ser simplesmente deliciosa... ou maraviosa! Esse é o espírito.
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