Shyamalan volta com Armadilha: 'Cativar plateia está cada vez mais difícil'
M. Night Shyamalan continua sendo o estranho no ninho do cinema moderno. Há pelo menos um quarto de século, o cineasta tem sido uma das poucas vozes no cinemão a bancar ideias originais em um cenário dominado por propriedades intelectuais. É uma discussão cíclica, porém necessária: o cinema, afinal, sobrevive ao estar em constante movimento
O thriller "Armadilha" se encaixa à perfeição na proposta de Night. Ele imaginou como seria "O Silêncio dos Inocentes" ambientado em um show da cantora Taylor Swift e arquitetou seu filme em torno dessa ideia. "Penso primeiro se é algo que eu nunca vi antes e que desperte meu interesse", diz. "Até porque o investimento é no mínimo de dois anos da minha vida."
Conversar com Shyamalan é sempre um prazer. Ele é genuinamente apaixonado por cinema e interessado em falar sobre as possibilidades de sua arte. "Armadilha", afinal, trouxe um desafio diferente ao exigir uma produção em grande escala, um movimento na contramão do que o cineasta andava produzindo desde que começou uma nova fase em sua carreira com o modesto "A Visita".
"Para começar, eu precisava de um estádio para 20 mil pessoas à disposição por pelo menos três meses", dispara, empolgado. "Havia possibilidades nos Estados Unidos, Austrália e Canadá, e optamos pela terceira opção." O ambiente hermético faz parte de sua estratégia narrativa para ampliar a pressão e o suspense. "É uma versão em grande escala de um estilo que eu já faço", continua. "Foi um trabalho maravilhosamente complicado, mas eu adorei fazer."
"Armadilha" acompanha Cooper, papel de Josh Hartnett, sujeito de classe média que leva a filha para o show de uma estrela pop. Logo ele descobre que o evento é uma grande armadilha para o FBI capturar um serial killer, e o estádio, lotado com fãs para o show, está totalmente cercado pela polícia. O problema é que o próprio Cooper é o assassino, e agora ele precisa dar um jeito de escapar.
"Bom, eu não tive de matar ninguém", brinca Hartnett quando pergunto como ele se preparou para o papel. "Cooper é uma versão amplificada de todos nós", continua o ator. "O desafio é fazer com que ele seja crível, queremos que a plateia goste dele, e essa é a dualidade que buscávamos."
"Josh é muito aberto, é uma pessoa honesta e apaixonada por sua família", derrete-se Shyamalan. "Mas seus olhos trazem uma certa frieza que eu poderia usar para o personagem." O cineasta ressalta que enxergou em Hartnett a inclinação para abraçar um personagem tão dúbio: "Como seres humanos, ter experiência e ainda assim a disposição para começar tudo de novo é uma forma bacana de viver."
Essa vocação para um eterno recomeço está no DNA de M. Night Shyamalan, especialmente em um cenário pouco receptivo a histórias inéditas. "Vivemos um momento de intensa dispersão e está cada vez mais difícil chamar a atenção do público", observa. "É natural que os estúdios abordem histórias que a plateia já conheça, é uma forma de expandir uma paixão que já existe."
"Novas cores são mais difíceis para reter", ressalta. "É um desafio que eu acho saudável para cineastas, e é isso que me encanta." Quando "O Sexto Sentido" chegou aos cinemas, a indústria não dependia de forma tão arregada de marcas, e o mesmo cinema que recebia "Star Wars: A Ameaça Fantasma" também abria espaço para "Matrix". "Há duas décadas quase todo filme era original", lembra. "Acho que existe espaço para tudo."
Ainda assim, não é raro que grandes produtoras batam à porta de Shyamalan com alguma propriedade intelectual. "Vários personagens me interessam", confessa. "É tentador ter essa relação já existente com o público quando me oferecem algo que não é meu." A empolgação, contudo, logo dá espaço à reflexão. "A plateia confia que verá algo novo quando meu nome está envolvido", conclui. "É uma relação de confiança que eu gosto de alimentar."
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