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Roberto Sadovski

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Por que filmes de Natal são todos iguais + 6 filmes para quebrar a regra

Lindsay Lohan em "Uma Quedinha de Natal" - Netflix
Lindsay Lohan em 'Uma Quedinha de Natal' Imagem: Netflix

Colunista do UOL

22/12/2022 05h39

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A culpa é de Charles Dickens. Em 1843, e com um monte de dívidas nas costas, o escritor britânico, talvez o mais popular da era vitoriana, escreveu "Um Conto de Natal". O livro trazia a história do avarento Ebenezer Scrooge, empresário solitário e mesquinho que odeia o período das festas de fim de ano.

Scrooge é, então, visitado por três espíritos, do passado, presente e futuro. Ao encarar a origem de sua própria personalidade desprezível, e de enxergar as consequências para os que vivem em sua órbita, o velho ranzinza é confrontado com um futuro de solidão e morte. A mudança é imediata, e ele passa a querer ser uma pessoa melhor.

O sucesso, claro, foi instantâneo. Afinal, todo mundo tem um pouco de Scrooge em si, e todo mundo também busca uma chance de redenção. A possibilidade de mudança, emoldurada em uma época em que, simbolicamente, traz à tona o melhor de cada um, criou uma fórmula inesgotável de histórias de Natal.

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James Stewart à frente de 'A Felicidade Não se Compra', o maior clássico de Natal de todos os tempos
Imagem: Prime Video

Não é ao acaso, portanto, que os filmes produzidos para celebrar o Natal sejam estruturalmente tão semelhantes.

Além de ninguém ter muito tempo para escolher a sessão em família antes da ceia, todas as histórias trazem o DNA de Dickens, em que alguém busca, de alguma forma, evoluir como ser humano.

Seguir uma fórmula não significa que filmes de Natal sejam ruins. Pelo contrário. O desafio em criar histórias memoráveis embaladas numa ideia comum, acredito eu, é criativamente estimulante. Nessa linha de montagem temática, já vimos surgirem de clássicos como "A Felicidade Não se Compra" (Prime Video) a pérolas como "O Estranho Mundo de Jack" (Disney+).

Claro que essa estrutura não é a única encontrada em filmes de Natal. Ela é, contudo, a mais popular por ser a menos complicada para se amarrar uma história. Ao longo dos anos, a fórmula foi aperfeiçoada a tal ponto que, no sistema de produção frenético do audiovisual moderno, ela se tornou uma muleta quando o assunto é volume.

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Ryan Reynolds e Will Ferrell cantam e danças em 'Spirited: Um Conto Natalino'
Imagem: AppleTV

A prática ficou explícita nesta temporada de Natal. Entre cinema, canais abertos, fechados e plataformas de streaming, 2022 contabiliza cerca de 173 (!) novos filmes para entrar no espírito das festas. São filmes de ação e de terror, dramas e thrillers, comédias e musicais, com o canal americano Hallmark, como de costume, consagrando-se campeão em produções natalinas.

Para dar conta de tanta história, o negócio é apelar mesmo para a fórmula. Claro que Dickens ainda é a maior inspiração - "Spirited: Um Conto Natalino" (AppleTV), por exemplo, transforma a história em musical com Ryan Reynolds e Will Ferrell. A variante mais comum, entretanto, é a da comédia romântica.

Nessa estrutura, temos um protagonista, geralmente rico, removido de sua zona de conforto. Ao ser obrigado a conviver com gente "comum", que valoriza as coisas simples da vida, nosso herói esquenta o coração e, não raro, se apaixona justamente pela pessoa mais... err... improvável na história.

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Chord Overstreet e Lindsay Lohan em 'Uma Quedinha de Natal'
Imagem: Netflix

O melhor exemplo da atual leva de filmes natalinos estilo clonagem é "Uma Quedinha de Natal" (Netflix), em que Lindsay Lohan faz uma herdeira entojada que perde a memória em um acidente de esqui e se apaixona pelo pai solteiro que lhe dá uma mão. É um bom filme? De forma alguma. Mas vai ofender a vovó na poltrona da sala na noite de Natal? De forma alguma.

As plataformas de streaming aqui no Brasil já aderiram ao espírito de Natal em sua programação. Todas destacaram seu catálogo temático com um cardápio que vai de clássicos a produções contemporâneas, chegando em filmes novinhos em folha no estilo "arrisca quem quer". É possível, porém, fugir um pouco à fórmula, como eu mostro nos seis filmes aí embaixo.

TROCANDO AS BOLAS
(Trading Places, 1983, Globoplay)

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Dan Aykroyd e Eddie Murphy em 'Trocando as Bolas'
Imagem: Paramount

Eddie Murphy, um pobretão, e Dan Aykroyd, um empresário, são "trocados" de posição por conta de uma aposta entre dois milionários. No curso do Natal, eles descobrem o esquema e se juntam para dar o troco.

GREMLINS
(1984, HBO Max)

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As criaturas desordeiras de 'Gremlins'
Imagem: Warner

Na noite de Natal, monstrinhos que se portam como crianças levadas destroem uma cidadezinha pacata. Só quem pode detê-los é um casal de jovens apaixonados e Gizmo, um bichinho fofo que você vai querer encontrar embaixo de sua árvore... se puder obedecer as regras.

BATMAN - O RETORNO
(Batman Returns, 1992, HBO Max)

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Michael Keaton em 'Batman - O Retorno'
Imagem: Warner

É Natal em Gotham City, e o Cavaleiro das Trevas adia a compra de presentes para lidar com a ameaça dupla do mortífero Pinguim e da sensual Mulher-Gato. Tim Burton dirige seu segundo filme do Homem-Morcego em uma aventura que supera seu antecessor em esquisitices e neuroses. As crianças podem curtir, esmo que claramente elas não sejam o público-alvo.

UM HERÓI DE BRINQUEDO
(Jingle All the Way, 1996, Disney+)

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Arnold Schwarzenegger em 'Um Herói de Brinquedo'
Imagem: Disney+

Arnold Schwarzenegger transforma a vérpera de seu Natal em um verdadeiro calvário como um pai dedicado que corre, na última hora, atrás do brinquedo que seu filho quer de Natal. Schwarza tem uma veia cômica que se mostra estranhamente terna, mesmo que o filme muitas vezes apele para o humor histriônico. Ainda assim, "Solte esse biscoito!" é um bordão que brilha!

PAPAI NOEL ÀS AVESSAS
(Bad Santa, 2003, Star+)

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Billy Bob Thornton em 'Papai Noel às Avessas'
Imagem: Star+

Billy Bob Thorton é um golpista alcoólatra e de péssimos hábitos que se veste de Papai Noel para roubar uma loja de departamentos. Os planos emperram quando ele fica amigo de um garotinho igualmente problemático. Spoiler: neste "conto de Natal, ninguém perde o coração peludo.

TOKYO GODFATHERS
(2003, disponível para aluguel na AppleTV)

nataligual tokyo - Reprodução - Reprodução
A aventura nada convencional de 'Tokyo Godfathers'
Imagem: Reprodução

Nas ruas de Tóquio, um sem teto alcoólatra, uma adolescente fugitiva e uma ex drag queen formam uma família pouco convencional que sobrevive de migalhas. Na vésepera do Natal, eles encontram um bebê abandonado no lixo, e sequem o fiapo de pistas para devolvê-lo a seus pais. Existe uma mistura sofisticada de drama e humor neste anime que o faz irresistível.

Agora é preparar a ceia, separar os presentes e caprichar na sessão natalina. De minha parte, eu vou assistir ao melhor filme de Natal de todos os tempos. "Duro de Matar" (Star+) é uma variação da fórmula (John McClane, afinal, quer se tornar um marido e pai melhor) que resulta em uma aventura destinada a deixar a noite de festa mais empolgante!

Quase ia esquecendo, precisso dar a você um presente de Natal: Em hipótese alguma dê o play na comédia "Um Natal Cheio de Graça" (Netflix). Constrangedor, grosseiro, desleixado, o filme tem como cereja no bolo a influenciadora (sic) Gkay redefinindo o significado de "vergonha alheia", numa interpretação (modo de dizer) que faz Marina Ruy Barbosa parecer Cate Blanchett. É o equivalente a encontrar carvão na meia pendurada na lareira: fuja!