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Roberto Sadovski

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Por que 'Avatar' é um filme que você precisa (re)ver no cinema

"Avatar", que James Cameron lançou em 2009, está de volta aos cinemas - Disney
'Avatar', que James Cameron lançou em 2009, está de volta aos cinemas Imagem: Disney

Colunista do UOL

23/09/2022 04h00

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Em 2009, o filme na ponta da língua da turma que lotava o salão principal da Comic-Con em San Diego era "Lua Nova", segunda parte da saga "Crepúsculo". Legiões de adolescentes passaram a noite acampados na fila, esperando ver seus ídolos de perto. Era a beatlemania com caninos pontiagudos.

No mesmo dia, porém, o evento receberia sua primeira apresentação em 3D. Ausente dos cinemas por mais de uma década desde "Titanic", o diretor James Cameron ia mostrar ao público pela primeira vez cenas de seu épico de ficção científica "Avatar". A apresentação começou. Queixos foram ao chão. E o mundo do cinema nunca mais foi o mesmo.

Pode ter sido difícil mensurar o impacto de "Avatar" naquele momento. Mas foi impossível ignorar a chegada do filme cerca de seis meses depois, quando ele tornou-se um dos maiores fenômenos da história. Quando a poeira baixou, "Avatar" havia faturado quase US$ 3 bilhões, tornando-se a maior bilheteria de todos os tempos, posto que ocupa até hoje.

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Jake Sully (Sam Worthington) contempla seu corpo artificial alienígena
Imagem: Disney

Quase treze anos depois, James Cameron prepara seu retorno para o mundo que criou com "Avatar - O Caminho da Água", que estreia em dezembro. Como aperitivo, o cineasta deu um banho de loja no filme original, que volta agora aos cinemas - dando um tempo na plataforma de streaming Disney+ - em uma experiência que parece ser a primeira vez.

"Avatar" passou por uma restauração em 4K de altíssima resolução, e o resultado é evidente. A cópia parece ter saído do laboratório momentos antes da exibição, a imagem surge mais clara, o som reverbera com força e o 3D nunca se mostrou tão imersivo. O mais impressionante é, mesmo com a década de avanço na tecnologia em fazer filmes, "Avatar" ainda compete em pé de igualdade com seus pares modernos.

Espera um pouco, deixa eu fazer uma correção: "Avatar" ocupa uma categoria única, já que nada se compara a ele. Tanto visualmente quanto narrativamente, o filme é testemunho do imenso talento de Cameron em contar uma história. Embora o salto tecnológico que o filme promoveu em 2009 tenha sido tremendo, tudo que vemos em cena obedece rigorosamente à trama que ele queria desenvolver.

"Avatar" é um filme simples de estrutura complexa. Cameron usa um ponto de partida familiar, a do "estranho em uma terra estranha", para narrar a história do ex-fuzileiro Jake Sully (Sam Worthington), agora paralisado e com seus membros inferiores atrofiando.

Ele é enviado ao mundo alienígena chamado Pandora e tem sua consciência transferida a um corpo artificial, um híbrido com o povo nativo do lugar, os Na´vi. Uma vez em solo, com mobilidade e força ampliada em seu novo corpo, Jake se apaixona por Neytiri (Zoe Saldana), uma princesa Na´vi, e termina lutando a seu lado para salvar Pandora de uma força militar humana.

É curioso como "Avatar" é percebido muitas vezes como um filme "menor" na filmografia de Cameron. O que é uma bobagem, uma percepção torta. O cineasta, que é ativista ambiental ferrenho, criou na ficção o espelho de um mundo que não se furta em eliminar violentamente seus próprios recursos. Era uma mensagem poderosa em 2009 que segue hoje como um alerta ainda mais agudo.

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Zoe Saldana deu vida a Neytiri, nativa de Pandora
Imagem: Disney

Para criar a conexão emocional com Pandora, Cameron construiu um mundo artificial de beleza avassaladora. Boa parte do desenvolvimento de "Avatar" ocupou-se em tecer um bioma crível, ainda que em um contexto fantástico. Fauna e flora foram meticulosamente desenhadas, posteriormente criadas em cenários digitais de altíssima resolução. A captura de performance criou um novo patamar para o trabalho dos atores. Foi um assombro: o mundo bolado pelo diretor parecia totalmente real.

A escolha de rodar o filme em 3D buscou ampliar essa imersão. Ao contrário do efeito tridimensional comum, em que enxergamos elementos em cena movendo-se em direção da plateia, "Avatar" convidava seu público para mergulhar naquele mundo. Assim, as tomadas que estabelecem a ambientação duram segundos a mais do que poderiam: Cameron queria que cada um no cinema se sentisse em Pandora. A resposta ao filme confirmou seu instinto.

O sucesso de "Avatar" e sua utilização da tecnologia 3D fez com que todo estúdio de cinema buscasse a ferramenta. Mesmo com Johnny Depp em seu auge, eu duvido que "Alice no País das Maravilhas", primeiro grande filme pós "Avatar" a utilizar o recurso, batesse em US$ 1 bilhão nas bilheterias sem efeitos em 3D.

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Em 'Avatar', os personagens digitais surgiam perfeitamente integrados às filmagens
Imagem: Disney

A novidade, claro, tornou-se pastel de feira. Era difícil um grande lançamento no começo da década de 2010 não experimentar uma conversão em 3D. O resultado muitas vezes era tacanho, como em "Thor". Outros diretores, como Paul W.S. Anderson, trataram de estudar a nova tecnologia para adicionar a dimensão extra com melhor resultado. Ainda assim, ninguém chegava perto da excelência de James Cameron porque, ora, ninguém era James Cameron!

O tempo, porém, colocou "Avatar" no banco de passageiros. Existe hoje uma geração que conhece o cinema espetáculo por meio de aventuras de super-heróis. Não só isso: a cultura pop passou a lidar mais e mais com propriedades intelectuais em um ataque sensorial onipresente. Vemos o filme, consumimos dezenas de produtos relacionados, enfeitamos as estantes com miniaturas, nos cercamos do que nos faz reviver a experiência mesmo em nossa rotina.

"Avatar" não teve nada disso. O filme surgiu quando redes sociais sequer sonhavam com o bombardeio incessante do mundo contemporâneo. Novas aventuras com personagens que caem nas graças do público surgem em intervalos cada vez menores. Em 2009, por exemplo, o universo da Marvel no cinema contava com dois filmes lançados no ano anterior. Já em 2022 serão oito produtos entre filmes e séries.

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James Cameron dirige Sam Worthington no set de 'Avatar'
Imagem: Disney

O retorno de "Avatar" aos cinemas é o melhor exemplo de "mostre, não conte" que a cultura pop pode ter. Depois de ano de pandemia, coincidindo com a explosão do streaming, é preciso um espetáculo para estimular o público a abraçar mais uma vez a experiência de ver um filme cercado de estranhos em uma sala escura.

Tom Cruise entendeu essa mística e segurou seu "Top Gun: Maverick" para que ele não fosse um "lançamento simultâneo" ou uma vitrine para alavancar algum serviço de streaming. Como resultado, garantiu a maior bilheteria de 2022 até agora. O retorno de "Avatar" amplia esse espetáculo ao nos lembrar do quanto o 3D não é acessório, e sim uma poderosa ferramenta criativa. Vai aguçar nosso apetite até a chegada de "O Caminho da Água".

James Cameron se diz um homem mudado. Mais zen. Garante que o sujeito de temperamento irascível, terror de sua equipe em "O Segredo do Abismo", "O Exterminador do Futuro 2", "True Lies" e "Titanic", ficou para trás. Mas não duvide de seu compromisso irredutível em mudar mais uma vez o cinema com seu novo filme. Ao rever "Avatar" no cinema, dá para entender que ele pode, mais uma vez, estar certo.