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Roberto Sadovski

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

'Era Uma Vez um Gênio' é um conto de fadas adulto estranho e fascinante

Idris Elba e Tilda Swinton em "Era Uma Vez Um Gênio" - Paris
Idris Elba e Tilda Swinton em 'Era Uma Vez Um Gênio' Imagem: Paris

Colunista do UOL

01/09/2022 04h00

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"Era Uma Vez Um Gênio" me pegou de surpresa. Não que o diretor de "Mad Max: Estrada da Fúria", ao longo de sua carreira, deixasse pistas sobre o que preparava em sua caixinha de surpresas.

De "As Bruxas de Eastwick" a "Happy Feet", passando por "O Óleo de Lorenzo" e "Babe, o Porquinho Atrapalhado na Cidade", seu ecletismo sempre caminhou ao lado do rigor técnico extremo e de histórias de insuspeita sensibilidade. Um conto de fadas adulto, entretanto, não estava no radar.

Eis que Miller, sete anos depois de cravar um dos melhores filmes do cinema moderno, desacelera na intensidade e volta à cena com uma fábula independente, fascinante em sua esquisitice, plasticamente exuberante e sem medo de disparar perguntas nem sempre com respostas fáceis.

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Tilda Swinton encontra a garrafa que vai iniciar uma jornada muito estranha
Imagem: Paris

Acima de tudo, "Era Uma Vez Um Gênio" é um filme sobre a natureza das histórias, sobre a arte de perpetuar momentos com palavras. Não é por acaso que Alithea, personagem de Tilda Swinton, é uma narratologista, uma pesquisadora especializada em diferenciar o que as histórias têm em comum e o que as distingue.

Em viagem à Turquia para uma conferência sobre o papel da mitologia moderna no mundo contemporâneo, e o limite do mítico e da ciência, ela revela que sua mente lhe prega truques, por vezes criando alucinações em que elementos das histórias que ela trabalha em nível acadêmico surgem à sua frente.

Estes mundos entram em choque quando ela leva para seu quarto de hotel um pequeno frasco de vidro comprada em uma loja para turistas, uma entre milhares em Istambul. É com calma desconcertante que Alithea liberta, de um aprisionamento secular, um gênio preso na garrafa.

Nossa mente, adestrada por anos e anos de histórias fantásticas, é treinada para esperar que o gênio, interpretado com charme e melancolia desconcertantes por Idris Elba, conceda a Alithea seus três desejos e a trama engrene seu rumo extraordinário.

Em vez disso, Miller quebra a expectativa quando a personagem de Tilda Swinton, calejada na natureza trágica de contos com desejos místicos, dispõe-se a ouvir a história de seu convidado inesperado.

O que se segue é uma história que viaja por séculos, em que o gênio discorre sobre seus infortúnios, encadeados pela personalidade de quem uma vez o controlou. Alithea ouve histórias sobre a Rainha de Sabá, sobre reis e escravos, sobre sábios e concubinas. É uma jornada por cada fragmento que o levou até aquele momento, com aquela pessoa, naquele quarto de hotel.

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Idris Elba é o gênio que não anseia em retornar à sua prisão
Imagem: Paris

Ao explorar o propósito e a importância de contar histórias, em especial em sua tradição oral, "Era Uma Vez Um Gênio" não foge da exploração existencial, representada pela resistência de Alithea em revelar os desejos de seu coração.

Quando questiona a própria razão da existência do gênio, e se recusa a seguir o "roteiro" de tal encontro fantástico, ela provoca uma reflexão sobre solidão, sobre o limite das fantasias românticas e sobre os sacrifícios feitos por amor.

Tudo isso é emoldurado por uma ambientação lúdica e elegante, com os contos do gênio encontrando sua contraparte na realidade de um quarto de hotel, ou de uma casa no subúrbio de Londres. O mundo moderno não parece combinar com o material do qual são feitos os sonhos.

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O diretor George Miller no ser de 'Era Uma Vez Um Gênio'
Imagem: Paris

George Miller está nesse exato momento no meio da produção de "Furiosa", que explora as origens da guerreira interpretada por Charlize Theron em "Mad Max: Estrada da Fúria", agora defendida por Anya Taylor-Joy.

É natural que ele quisesse recarregar suas baterias criativas em uma história de menor escopo, trocando a intensidade do mundo pós apocalíptico por outro menos violento e mais lúdico. Não existe aqui a urgência de "Mad Max", tampouco o mesmo apuro técnico e narrativo - em alguns momentos o foco se torna mais opaco, as motivações ganham uma pressa inesperada.

São pecados menores compensados pelas interpretações estranhamente pragmáticas e absolutamente envolventes de Idris Elba e Tilda Swinton. "Era Uma Vez Um Gênio" pode ter seu visual fantástico como maior chamariz. Mas é a interação delicada entre seus protagonistas que faz do filme uma experiência fascinante e original, de rara beleza e que se aninha confortavelmente em algum canto empoeirado de nossos desejos.