Topo

Roberto Sadovski

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

'Se fosse ficção iam dizer que exageramos', diz diretor de 'Treze Vidas'

Viggo Mortensen e Colin Farrell em "Treze Vidas - O Resgate" - Amazon Prime Video
Viggo Mortensen e Colin Farrell em 'Treze Vidas - O Resgate' Imagem: Amazon Prime Video

Colunista do UOL

16/08/2022 04h00

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

O diretor Ron Howard sempre mostra o seu melhor quando conduz um filme baseado em fatos reais. Transformou a tragédia de "Apollo 13" em espetáculo. Fez cinema de gente grande com "Rush" e "Frost/Nixon". Tem um Oscar enfeitando sua estante por seu trabalho em "Uma Mente Brilhante".

"Treze Vidas - O Resgate", posiciona-se entre seus melhores trabalhos. Planejado como uma produção para o cinema, ganhou nova vida em streaming quando a Amazon comprou o estúdio MGM. Se o drama perde em escopo ao sair da tela grande, o clima intimista de acompanhar a história em casa amplia a tensão.

O drama, que tem Viggo Mortensen e Colin Farrell no elenco, abre novo terreno para Howard ao dramatizar eventos ocorridos em um passado recente. Muito recente. "Treze Vidas" acompanha o resgate de um time de futebol adolescente que em 2018, ao lado de seu treinador, se perdeu em um sistema de cavernas na Tailândia.

A história logo ganhou cobertura da imprensa mundial, que acompanhou o esforço da equipe de mergulhadores ao encarar o perigo de uma caverna aos poucos inundada pela chuva torrencial. O filme detalha não só a operação, mas também a união dos voluntários que tentavam driblar as adversidades causadas pela chuva para ganhar tempo e viabilizar o resgate.

Rodado no auge da pandemia de covid, "Treze Vidas" destaca-se do oceano de filmes "inspiradores" que descambam para a pieguice ao manter o foco nos detalhes. É um esforço hercúleo comandado por Ron Howard, que fala sobre o filme, covid, streaming e "Loucuras de Verão" (!) no bate papo a seguir.

trezevidas ron - Amazon Prime Video - Amazon Prime Video
o diretor Ron Howard no set de 'Treze Vidas'
Imagem: Amazon Prime Video

Você já dirigiu filmes baseados em eventos reais, como "Rush" e "Frost/Nixon". Por outro lado, a história de "Treze Vidas" aconteceu em 2018 e está muito recente na memória. Foi difícil ter a perspectiva para transformar essa história em filme?
É uma pergunta excelente, porque foi um trabalho bem diferente de outras experiências que tive, em que a gente de fato tinha distância para observar os fatos. Fizemos "Apollo 13" vinte e cinco anos após os eventos! O que me surpreendeu em "Treze Vidas" foi que eu sabia muito pouco sobre a história, mesmo depois de uma cobertura tão ampla. Havia um elemento muito urgente, muito contemporâneo. Acho que seria uma história que se beneficiaria em que os detalhes fossem expostos, todas as decisões difíceis que aquelas pessoas tiveram de tomar, os riscos envolvidos. Os riscos emocionais, além do perigo físico. Era possível fazer um filme emocionante, tenso e revelador que fosse melhor do que o clichê do história inspiradora. Eu queria mostrar o que é necessário para criar esse tipo de milagre. Existe outra questão importante. Se a Tailândia e todos os voluntários se agarraram à esperança vaga de que eles podiam salvar um ou dois daqueles garotos, e realizaram algo tão grandioso, então o que mais podemos fazer quando de fato nos unimos?

Quando você faz um filme baseado em uma história tão espetacular, que as pessoas já vão assistir com uma certa disposição, o que é mais difícil transformar em ficção e ainda manter sua verdade?
É meu trabalho acreditar que sempre é possível produzir uma experiência cinematográfica empolgante. Mas no fim, tudo está nos detalhes. Talvez você tenha ouvido falar do fazendeiro que sacrificou seu campo de arroz, mas vamos desacelerar e tentar entender como pode ter sido estar naquela sala e tomar essa decisão. Ou entender o que é estar preso em uma caverna e se livrar do tanque para ver se é possível se mover lá dentro antes de resgatar uma criança. São momentos assim que deixam o filme mais empolgante. Precisamos nos manter fiéis aos fatos, manter o máximo possível de veracidade, mas sem perder o foco e deixar que a história tenha espaço para suspense e emoção.

Em meio a todo desafio tecnológico e logístico em fazer um filme como "Treze Vidas", existe espaço para que você e a equipe se emocionem com a história que vocês estão contando?
Sim, sempre! Olha, havia uma urgência com essa história, reconhecemos que é ela é rara. E o motivo para ela ser contada é ter de fato acontecido. Se a gente fizesse "Treze Vidas" como ficção, se fosse algo inventado, ia parecer que exageramos, soaria forçado e piegas. Mas foi algo que aconteceu. Muitos de nossos mergulhadores trabalharam no resgate em 2018. Ao preparar uma cena às vezes eu me dava conta de que aquela pessoa de fato havia vivido tudo aquilo. É um sentimento de admiração e assombro.

trezevidas set - Amazon Prime Video - Amazon Prime Video
O caos controlado nas filmagens de 'Treze Vidas'
Imagem: Amazon Prime Video

Vocês filmaram durante a pandemia de covid. Eu sei que todas as medidas de segurança deixaram o trabalho ainda mais árduo, mas como foi gerenciar uma equipe tão grande na Tailândia?
Tivemos muita sorte em nossas janelas. Conseguimos filmar nos momentos em que os testes para covid funcionaram, as fronteiras estavam fechadas, todo mundo estava nessa bolha enorme com testes contínuos. Não tivemos nenhum atraso na produção por conta da doença. Levamos muito tempo seguindo o protocolo e nos assegurando que todos estavam seguros, mas tivemos sorte.

Nestes dois últimos anos, especialmente por conta da pandemia, o streaming deu um passo à frente para tomar a liderança no mercado. Você fez 'Era Uma Vez Um Sonho' com a Netflix, agora fez uma parceria com a Amazon para "Treze Vidas". Como diretor e produtor, qual sua percepção sobre o que de fato mudou na indústria?
Os hábitos do consumidor. A plateia é sempre nosso guia, e a pandemia nos levou a ficar em casa. Só agora começamos a observar o que faz o público sair de casa, seja um show, um filme, que tipo de evento faz com que as pessoas se arrisquem. Eu fiquei feliz em perceber que filmes ainda tem seu lugar, nunca imaginei o contrário. Mas mesmo antes da covid, era possível observar que alguns filmes são vistos como uma experiência compartilhada, outros não. A outra realidade é que, em toda minha carreira, desde o final dos anos 1970, tudo que eu sempre fiz foi mais visto na TV do que no cinema. Fosse VHS, DVD, TV a cabo ou pay per view, essa sempre foi a realidade. Mas o cinema sempre estará lá.

Eu revi "Loucuras de Verão" por causa dos 80 anos de Harrison Ford. E lá estava você, como ator! Em que momento essa chave virou, quando você decidiu que sua carreira seria atrás das câmeras?
Na época de "Loucuras de Verão" eu já sabia o rumo de minha carreira, já havia sido aceito na Universidade do Sul da California para estudar cinema, o mesmo curso que George Lucas havia feito. Eu não queria outra coisa em minha vida. Quando tinha 15 anos a ideia de dirigir filmes já era uma obsessão! Eu comecei meu primeiro filme como diretor no dia seguinte ao completar 23 anos. Eu sou um diretor há muito mais tempo do que eu fui ator.