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Roberto Sadovski

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

'Sinais': 20 anos do filme que encerrou a carreira de Mel Gibson como astro

Mel Gibson em "Sinais", de M. Night Shyamalan - Buena Vista
Mel Gibson em 'Sinais', de M. Night Shyamalan Imagem: Buena Vista

Colunista do UOL

03/08/2022 04h00

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Mel Gibson era um dos maiores astros de cinema do planeta. Seus filmes consistentemente faturavam alto. Ele tinha uma série para chamar de sua - "Máquina Mortífera", quatro filmes entre 1987 a 1998. Consagrou-se também como diretor com o épico "Coração Valente", que lhe rendeu um punhado de Oscar, inclusive filme e direção.

Quando "Sinais" chegou aos cinemas em 2 de agosto de 2002, Gibson estava no auge. Ele já havia emplacado três sucessos no novo século ("O Patriota", "Do Que as Mulheres Gostam" e "Fomos Heróis") quando protagonizou o suspense de M. Night Shyamalan. Depois de dominar Hollywood nos anos 1990, o astro atingiu a maior bilheteria de sua carreira como ator.

O próprio Shyamalan enxergou em "Sinais" o projeto que mostraria que ele não era diretor de um único truque. Em 1999 ele conquistou o mundo com "O Sexto Sentido", mas sua bilheteria colossal não se repetiu em seu projeto seguinte, "Corpo Fechado". Seu próximo filme, uma mistura de suspense, ficção científica e drama edificante, seria sua prova dos nove.

Para encabeçar "Sinais" o diretor acertadamente trocou seu parceiro Bruce Willis por Mel Gibson, mais convincente no papel de um pastor que perdeu a fé. Em sua fazenda na área rural da Pensilvânia, ele acompanha, ao lado de sua família - o irmão, papel de Joaquin Phoenix, e os filhos, interpretados por Rory Culkin e Abigail Breslin - uma invasão alienígena que termina por bater à porta de casa.

Mel Gibson dá o melhor de si e injeta veracidade em um personagem que muitas vezes é difícil de engolir - a trama de sua esposa partida ao meio em um acidente exige suspensão de descrédito em hora extra. Mas o estilo camarada do ator, aliado à sua expressão cética, amplia o suspense quando os invasores finalmente são revelados. "Sinais" é uma ficção científica sobre paranoia, mas é também um drama sobre uma família tentando viver após uma tragédia pessoal devastadora.

"Sinais" foi, também, seu último filme como astro de Hollywood. Até aquele ponto, sua vida pessoal e profissional ainda conviviam em um ambiente de distanciamento saudável. Extremamente reservado com sua família, e um profissional consumado no set, nada demonstrava que haviam fissuras na fachada construída pelo ator.

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Mel Gibson dirige Jim Caviezel em 'A Paixão de Cristo'
Imagem: Icon/Fox

A pressão, entretanto, foi aumentando. O acidente automobilístico sofrido por Gibson ao fim dos anos 1990, dirigindo sob influência de álcool, acelerou o fim de seu casamento de 26 anos com Robyn Moore, mãe de sete de seus nove filhos. As bebidas alcoólicas também impulsionaram ataques de fúria do astro, que disparou publicamente comentários racistas e antissemitas.

Hollywood torceu o nariz, e as ofertas para Mel Gibson encabeçar um filme se tornaram raras. Não que ele estivesse ativamente à procura. Seu tempo era consumido pelo drama "A Paixão de Cristo", que ele dirigiu, produziu, co-roteirizou e financiou em 2004. Ele peitou a indústria e criou um sucesso avassalador de mais de US$ 622 milhões. Dois anos depois, Gibson embarcou em outro projeto fora da curva e emplacou outra bilheteria redonda com "Apocalypto".

Em meio ao bem sucedido trabalho atrás das câmeras, sua vida pessoal se esfarelava. O relacionamento de Gibson com a pianista russa Oksana Grigorieva terminou em telefonemas explosivos vazados ao público, trocas de acusações e um processo legal em que ela ficou com a custódia parcial da filha do casal. O caso foi encerrado com um acordo firmado em sigilo - segundo Gibson, unicamente para terminar com a exposição de sua família.

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'Mate ou Morra' traz Mel Gibson como vilão na nova e mais sossegada fase de sua carreira
Imagem: Imagem

Seu retorno ao cinema como protagonista foi no drama "O Fim da Escuridão", lançado em 2010. O mundo, porém, já não parecia mais interessado em assistir ao astro, não com a novela de sua vida pessoal se mostrando muito mais interessante. Do auge de "Sinais", ele hoje está relegado a uma coleção de filmes do segundo time, como "Plano de Fuga", "Herança de Sangue", "Justiça Brutal" e "Mate ou Morra".

O cinema mudou. Por mais que Tom Cruise tenha emplacado o que pode ser a maior bilheteria do ano com "Top Gun: Maverick", a indústria hoje é guiada mais por marcas do que por astros. Mel Gibson não parece disposto a retornar ao jogo, emendando feliz uma produção B atrás da outra, ao estilo Bruce Willis e John Travolta.

Não que hoje Hollywood ainda tenha alguma mágoa. O "perdão" veio em 2016 com as seis indicações ao Oscar para o drama "Até o Último Homem", inclusive a de melhor diretor para Gibson. A indústria do cinema é um lugar estranho.

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Mel Gibson em 'Máquina Mortífera', seu primeiro grande sucesso
Imagem: Warner

Existe a possibilidade de Mel Gibson retornar ao tabuleiro dos blockbusters. Ele quer encabeçar "Máquina Mortífera 5", reunindo a gangue como uma homenagem ao diretor Richard Donner - após a morte do amigo, o próprio Gibson assumiria o comando do projeto. Ao mesmo tempo, ele está há anos preparando uma continuação para "A Paixão de Cristo", intitulada "Ressurreição".

Pode me chamar de pessimista, mas eu não acredito que nada disso vingue. Mel Gibson teve uma das carreiras mais festejadas e interessantes do cinema moderno, e se retirou quando as circunstâncias se tornaram turbulentas demais para manter o mesmo ritmo. "Sinais", com duas décadas nas costas, será eternizado como o auge de um astro obrigado pela vida a desacelerar.