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Roberto Sadovski

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

O belo 'Ilusões Perdidas' volta no tempo em uma trama de mentiras e ambição

Benjamin Voisin em "Ilusões Perdidas" - Califórnia
Benjamin Voisin em 'Ilusões Perdidas' Imagem: Califórnia

Colunista do UOL

09/06/2022 17h30

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O escritor francês Honoré de Balzac foi um grande observador do pensamento humano, talento sob o qual é considerado o fundador do realismo na literatura moderna. Sua obra já deu origem a filmes esforçados como "Coronel Chabert: Amor e Mentiras" (1994) e "A Vingança de Bette" (1998).

Poucas vezes, porém, ele surgiu com a ambição demonstrada pelo diretor Xavier Giannoli neste "Ilusões Perdidas". Ao retratar a ascensão de queda de um jovem escritor na Paris do começo do século 19, ele ergue um espelho incômodo na sociedade moderna, ao mesmo tempo em que comprova o texto atemporal de Balzac.

Publicado em três partes entre 1836 e 1843, "Ilusões Perdidas" é a espinha dorsal da "Comédia Humana", conjunto de quase uma centena de textos do autor.

O filme concentra-se no capítulo central, em que o jovem Lucien Chardon (Benjamin Voisin), então autor de poemas modestos, parte para Paris para trabalhar como jornalista.

Sua jornada mostra que, de lá para cá, pouco mudou. Lucien descobre que não é o trabalho que tem valor, e sim a percepção acerca do que ele produz.

Para subir na escada social que acredita ter direito, ele "vende" seu talento como escritor ao alinhar-se com jornais que apoiam o governo e a aceitar suborno para tecer elogios a peças teatrais enfadonhas. Sua integridade, contudo, não custa a esfarelar-se.

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Benjamin Voisin e Vincent Lacoste em 'Ilusões Perdidas'
Imagem: Califórnia

Giannoli não esconde os paralelos da trama com o alpinismo social do novo século. O panorama político francês é o mais óbvio pano de fundo, mas não é preciso muito esforço para enxergar uma fatia imprensa submissa da imprensa na malfadada era Trump ou mesmo aqui em nosso quintal, em que a desinformação é moeda corrente associada aos atuais inquilinos do poder.

A primeira metade de "Ilusões Perdidas" é um deleite, com a ascensão de Lucien e sua descoberta dos deleites de Paris. São recortes retratados com um tom cômico um tanto ácido que emolduram os desejos carnais e sociais com uma reconstituição de época tão bela quanto decadente.

O trunfo aqui é Benjamin Voisin, um achado como ator que revela as camadas conflitantes em seu Lucien. Ele é uma ovelha entregue voluntariamente aos leões, representados por seu mentor, Étienne Lousteau, defendido pelo excelente Vincent Lacoste.

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O amor é puro jogo de cena em 'Ilusões Perdidas'
Imagem: Califórnia

"Ilusões Perdidas" perde o pique quando entrega-se ao calvário de Lucien, e mesmo com duas horas e meia o filme parece apressado e sem foco em sua conclusão, com boa parte da trama sendo condensada antes de sua conclusão.

É de se imaginar o que Xavier Gianolli faria com o material se optasse por um formato episódico, o que no atual panorama do streaming não sacrificaria nem um traço da beleza de sua produção. Ainda assim, um mergulho na visão de Balzac, mesmo que nem sempre satisfatória, é uma experiência memorável.