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Roberto Sadovski

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

'O Senhor dos Anéis': 20 anos da melhor sessão de cinema da minha vida

Elijad Wood é Frodo Baggins em "O Senhor dos Anéis - A Sociedade do Anel" - Warner
Elijad Wood é Frodo Baggins em 'O Senhor dos Anéis - A Sociedade do Anel' Imagem: Warner

Colunista do UOL

19/12/2021 04h36

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Era 11 e pouco da manhã quando pousei em Los Angeles em 19 de dezembro de 2001. Estava na cidade para entrevistar alguém, não lembro quem ou qual filme. Era minha rotina, mesmo com o mundo ainda abalado pelos acontecimentos trágicos ocorridos em Nova York três meses antes.

A ideia era, então, distrair a mente. Com o dia livre, rumei para a Hollywood Boulevard atrás de comprar ingressos para a sessão de estreia de "O Senhor dos Anéis - A Sociedade do Anel", que chegava aos cinemas americanos menos de dez dias depois de sua premiére em Londres.

Não seria um programa inédito. Eu já assistira ao filme de Peter Jackson em uma sessão para a imprensa no Brasil, antes de minha viagem. Mas nada melhor do que ver filmes com gente de verdade (sorry, colegas), especialmente um filme tão monumental.

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A Sociedade do Anel se defende nas Minas de Moria
Imagem: Warner

Esperava encontrar uma sala razoavelmente cheia, mesmo que a turma ainda estivesse na ressaca do fenômeno "Harry Potter e a Pedra Filosofal", lançado basicamente um mês antes. O que eu não imaginava era encarar a experiência mais sensacional que já tive em uma sessão de cinema.

Tentei comprar o ingresso para um dos primeiros horários à tarde no Chinese Theater, centro nervoso de Hollywood. Sem chance. Os ingressos estavam totalmente esgotados e eu descolei um ticket para a sessão às 23:30. Sabia que seriam quase três horas de filme, e que meu dia seguinte seria intenso. Mas fui mesmo assim.

A turma lotando as salas que exibem hoje "Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa" pode ter uma ideia aproximada de como foi assistir a "O Senhor dos Aneis" em sua noite de estreia. Para começar, eu era um alienígena, provavelmente parte do 1 por cento naquela sala que não estava devidamente paramentado com seu cosplay da Terra Média. O aperitivo veio ainda nos trailers, com a prévia de, veja só, "Homem-Aranha", o filme de Sam Raimi que estrearia alguns meses depois.

A plateia estava ruidosa, mas sem histeria. Havia empolgação, uma eletricidade no ar, a sensação de que todos estavam prestes a experimentar algo muito especial. "Harry Potter" havia aguçado o apetite para o cinema de fantasia no novo século. Mas o bruxo mirim, com todo o respeito, não amarra o cadarço das botas da criação de J.R.R. Tolkien.

O começo do filme foi recebido com gritos e aplausos, logo silenciados pela narração de Cate Blanchett, que emprestando a voz para Galadriel explicava os fatos acerca da criação do Um Anel, da guerra contra Sauron, da aliança tênue entre o mundo dos homens e as outras raças da Terra Média, do desaparecimento da joia, depois encontrada e mais uma vez perdida pela criatura Gollum. Pelo segredo de Bilbo Baggins. Pela sensação de inquietude após séculos de paz. Quando finalmente surgiu o crédito "A Sociedade do Anel", a plateia estava fisgada.

A sessão tinha uma atmosfera incomum, algo como a reverência de um templo em choque com a euforia de um show de rock. De novo, sem a menor histeria, mas com a euforia de testemunhar uma obra-prima se desfraldar ali, à frente de uma plateia incrédula.

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Peter Jackson dirige a trilogia 'O Senhor dos Anéis'
Imagem: Warner

Os momentos mais sensacionais, você já conhece. A fuga de Frodo e seus amigos hobbits do Condado. Aragorn enfrentando os Espectros do Anel. Arwen cavalgando para salvar Frodo. A formação da Sociedade. O troll da caverna. Gandalf enfrentando o Balrog. "Voem, seus tolos". A tentação de Galadriel. O combate na floresta com Gimli e Legolas enfrentando os orcs. Aragorn decapitando o guerreiro uruk-hai. A redenção de Boromir. "Eu não pretendo te deixar. Sr. Frodo."

Já era madrugada em Los Angeles quando eu voltei para o hotel. Menos impactado pelo filme, que já havia visto, e mais pela reação absurda daquela turma, fantasiada da cabeça aos pés, testemunhando a criação de um fenômeno.

Cinema é tão vital quanto o ar que eu respiro. Poucas vezes, porém, eu senti uma plateia tão investida em um filme que era puro prazer pop, um produto corporativo e um empreendimento criativo, juntos para entregar o máximo de prazer a quem arriscou comprar um ingresso.

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A beleza poderosa de Galadriel (Cate Blanchett)
Imagem: Warner

Foi a mesma sensação que tive, ainda moleque, assistindo a "Os Caça-Fantasmas". Ou "Batman". "O Exterminador do Futuro 2". "Jurassic Park". "Titanic". Mesmo filmes mais recentes, como "Vingadores: Ultimato", em que o investimento emocional da plateia é traduzido no mais puro júbilo.

"O Senhor dos Anéis - A Sociedade do Anel" acendeu um fogo. A trilogia de Peter Jackson já era uma realidade, com datas cravadas, nos dois anos seguintes, para "As Duas Torres" e para "O Retorno do Rei". Se um fenômeno pode também ser medido pelos produtos que ele inspira, a obra de Peter Jackson foi gigante ao despertar em todo estúdio a vontade de ter seu próprio universo de fantasia.

Pouquíssimos foram bem-sucedidos. Arrisco que somente um alcançou o mesmo status de "O Senhor dos Anéis" como fenômeno midiático, produção com seus predicados retificados por uma pensa de prêmios e como febre pop: "Game of Thrones", série que a HBO colocou na praça uma década depois que os mundos de Tolkien foram traduzidos à perfeição por Peter Jackson.

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Galdalf (Ian McKellen) em um respiro ao lado de Frodo (Elijah Wood)
Imagem: Warner

A palavra certa aqui é mesmo perfeição. Tudo em "O Senhor dos Anéis" é superlativo. A escolha perfeita do elenco. As decisões narrativas para adaptar a história dos livros. Os efeitos visuais revolucionários, com a captura de performance de Andy Serkis como Gollum tornando-se exemplo para a indústria. As locações na Nova Zelândia, que se tornou um dos polos do cinema mundial. Mesmo hoje, duas décadas depois de seu lançamento, absolutamente nada no filme parece datado, envelhecido, fora do lugar.

Poucos filmes nas últimas duas décadas tiveram tamanho impacto no modo de assistir e de consumir cinema como "O Senhor dos Anéis". Mergulhar na visão de Peter Jackson para a obra imortal de J.R.R. Tolkien segue, em 2021, uma experiência tão empolgante como fora da primeira vez.

Celebramos, hoje, nosso passado cinematográfico com carinho e nostalgia. A pandemia de Covid deixou o olhar para a história mais carinhoso, porque traz a lembrança de momentos em que, ao menos por um par de horas, fomos tragados pela imersão em um outro mundo no cinema. "Harry Potter e a Pedra Filosofal" foi relançado em Imax, assim como o clássico moderno "Matrix".

"O Senhor dos Anéis - A Sociedade do Anel" merecia o mesmo tratamento. Mas quero ser egoísta e pedir um retorno aos cinemas com a edição estendida (e definitiva) que Peter Jackson preparou para o filme posterior a seu lançamento original. Se é para voltar ao passado, se é para reviver a sessão de cinema mais fantástica que já experimentei, que seja em grande estilo e com a melhor companhia!