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Roberto Sadovski

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

'Noite Passada em Soho' esfria antes do clímax, mas a jornada é fascinante

Thomazin McKenzie em "Noite Passada em Soho" - Universal
Thomazin McKenzie em 'Noite Passada em Soho' Imagem: Universal

Colunista do UOL

19/11/2021 15h15

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Em "Meia Noite em Paris", Woody Allen fez uma alegoria divertida sobre como o glamour do passado sempre parece melhor do que as agruras do presente. Aparentemente é o caso para para a estudante de moda Elly (Thomasin McKenzie), protagonista desse "Noite Passada em Soho". As aparências, como podemos desconfiar, enganam.

O novo filme do diretor Edgar Wright, gênio por trás de pérolas como "Scott Pilgrim Contra o Mundo" e "Em Ritmo de Fuga", é uma fantasia sombria e envolvente que mostra os perigos em idealizar uma era. Por trás das luzes e da nostalgia, ele mostra que violência, caos e degradação não são exclusividade do agora.

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Anya TAylor-Joy e Matt Sith em 'Noite Passada em Soho'
Imagem: Universal

É exatamente o que Elly descobre quando se vê transportada da Londres contemporânea para a capital inglesa nos esfuziantes anos 1960. "007 Contra a Chantagem Atômica" está em cartaz, mulheres deslumbrantes e cavalheiros elegantes desfilam pelas ruas do Soho, bairro boêmio e coração artístico da cidade.

Seu olhar é atraído para a aspirante a cantora Sandie (Anya Taylor-Joy), e por breves momentos Elly testemunha o mundo sob seus olhos, como se pegasse carona em seu corpo para experimentar uma vida mais vibrante que sua realidade modorrenta.

A primeira hora de "Noite Passada em Soho" mostra o quanto essas visitas ao passado influenciam a estudante no presente. Assim como o personagem de Owen Wilson na fantasia de Woody Allen, Elly, uma jovem de alma antiga, evidenciada pelo gosto musical (impecável) pincelado em sua coleção de discos de vinil dos anos 1960, usa o que ela viu no passado para ressignificar seu presente.

O interesse de Wright, porém, não é explorar a diferença das épocas, e sim o que as une: a degradação moral traduzida em violência. Quando a vida de Sandie desvia-se em caminhos pouco virtuosos, e sua jornada termina em assassinato, Elly precisa desvendar um mistério de décadas, enfrentar (literais) fantasmas do passado e preservar sua própria sanidade.

"Noite Passada em Soho" não foge das convenções do cinema de terror, especialmente no terceiro ato. A pouca coesão do texto por vezes deixa a narrativa com mais perguntas do que respostas, mesmo que o clímax recupere o impulso narrativo inicial.

Poucas vezes, entretanto, um filme exibiu tamanha energia, uma explosão pop vibrante que imprime força e inventividade a cada cena. Edgar Wright nunca esteve tão seguro como diretor quanto em "Noite Passada em Soho", construindo soluções visuais impecáveis em um conjunto que nunca é menos que fascinante.

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O diretor Edgar Wright no set de 'Noite Passada em Soho'
Imagem: Universal

Esse talento fica evidente logo nas primeiras cenas em que Elly "descobre" Sandie e compartilha sua experiência de uma noitada no Soho. São truques simples, como posicionamento esperto de câmera, espelhos, luzes e fumaça, para criar a ilusão de que as duas dividem o mesmo corpo. A dança com Jack (personagem de Matt Smith), porém, é um assombro visual, com as atrizes alternando-se no salão sem que a câmera perca seu ritmo. É de tirar o fôlego.

Se o mistério que conduz "Noite Passada em Soho" não traz frescor ao gênero, são as implicações nas entrelinhas que garantem a longevidade da experiência. Wright, que escreveu o roteiro com Krysty Wilson-Cairns, expõe de forma delicada temas como abuso físico e moral e é elegante ao conduzir sua história livre de pré julgamentos.

"Noite Passada em Soho" pode não trazer a mesma energia de outros trabalhos de Edgar Wright, mas compensa uma trama menos elaborada com muito estilo e brio. É a diferença que eleva um filme de gênero convencional para uma obra com personalidade. Mesmo que ela não garanta espaço permanente na memória.