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Roberto Sadovski

REPORTAGEM

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'Harry Potter': 20 anos de um fenômeno muito copiado, mas nunca igualado

Daniel Racliffe em "Harry Potter e a Pedra Filosofal" - Warner
Daniel Racliffe em 'Harry Potter e a Pedra Filosofal' Imagem: Warner

Colunista do UOL

16/11/2021 04h00

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O que você estava fazendo há exatos vinte anos? Embora a memória muitas vezes fique turva, muita gente provavelmente se lembra de estar na fila do cinema para a estreia de "Harry Potter e a Pedra Filosofal".

A aventura infanto juvenil que adaptou o livro de J.K. Rowling foi o primeiro grande fenômeno cinematográfico do século 21, disparando uma corrida pela literatura fantástica que coloriu a cultura pop duas décadas atrás.

A jornada de "Harry Potter" para os cinemas foi caótica. Rowling lançou o primeiro livro da série em 1997, e uma cópia chegou às mãos do produtor David Heyman. Depois da hesitação inicial, ele enxergou os elementos para um filme de fantasia, e dois anos depois os direitos dos quatro primeiros livros terminaram na Warner por cerca de US$ 2 milhões.

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Hermione e Ron, os melhores amigos de Harry em sua jornada
Imagem: Warner

Steven Spielberg era a escolha óbvia para traduzir a aventura em filme, mas afastou-se por não enxergar um desafio além de a série ser praticamente uma desculpa para imprimir dinheiro. Depois de bater o olho em diretores como Rob Reiner e Terry Gilliam (o favorito de J.K. Rowling), o estúdio bateu o martelo com Chris Columbus, de "Esqueceram de Mim".

A escolha para o trio de protagonistas é provavelmente uma das produções de elenco mais felizes do cinema moderno. Daniel Radcliffe, Emma Watson e Rupert Grint traziam, além do entusiasmo juvenil, a maturidade emocional e o suporte familiar e profissional para encarar a fama precoce que alcançariam como Harry Potter e seus melhores amigos, Hermione Granger e Ronny Weasley.

Rodado nos estúdios Leavensdes, distante uns 40 minutos de Londres, "Harry Potter e a Pedra Filosofal" mirou um lançamento para o verão americano de 2001. As minúcias da produção, entretanto, fizeram com que o estúdio remarcasse o lançamento para 16 de novembro do mesmo ano.

Foi um estouro. Há muito não se via um filme, na verdade uma nova série de filmes, chegar aos cinemas com tanto barulho. As filas eram descomunais. No Brasil, onde a produção estreou e 23 de novembro, o impacto foi gigantesco. Lembro-me de arriscar uma sessão, logo na estreia, e encarar uma turba de adolescentes gritando continuamente pelo menos pelos 20 minutos iniciais do filme. Uma loucura!

No fim de sua carreira nos cinemas, "Harry Potter e a Pedra Filosofal" havia faturado US$ 974 milhões. Hollywood, claro, estava de olho. Chris Columbus mal havia voltado ao set para comandar a segunda aventura da turma, "Harry Potter e a Câmara Secreta", quando dúzias de outros livros de fantasia tiveram suas adaptações aceleradas.

Nos anos seguintes, "Harry Potter" disparou um punhado de filmes que tentaram, com maior ou menor grau de sucesso, repetir sua "fórmula" de livros com apelo infanto-juvenil que traziam um verniz fantástico. Foi o caso de "Eragon" (2006) e "As Crônicas de Spiderwick" (2008), que não deram nada certo. Ou "Crepúsculo" (2008) e "Jogos Vorazes" (2012), que deram muito certo. O próprio Chris Columbus tentou retornar ao jogo com "Percy Jackson e o Ladrão de Raios" (2010), que funcionou mais ou menos...

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A lendária cicatriz que o 'garoto que viveu' ganhou ainda bebê
Imagem: Warner

Nenhum deles, porém, era "Harry Potter". Existe algo nos livros de J.K. Rowling que acertam em cheio na mistura de magia familiar (vassouras voadoras, varinhas mágicas, chapéus pontudos) em uma ambientação mundana - e nada mais rotineiro e pés no chão do que uma escola.

Acima de tudo, "Harry Potter" era sobre o sentimento de estar deslocado, de não pertencer, de descobrir seu lugar no mundo. É a jornada com conexão emocional mais garantida, embalada aqui em um pacote atraente e empolgante, primeiro nos livros, depois no cinema.

Não é ao acaso que, duas décadas depois, "Harry Potter" continua a ser referência para literatura infanto juvenil e também para filmes que miram no coração da petizada, sem esquecer dos elementos que não deixarão os pais que acompanham a sessão entediados.

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Chris Columbus dirige Daniel Rascliffe em 'Harry Potter e a Pedra Filosofal'
Imagem: Warner

Além de tudo, J.K. Rowling deixou claro, desde o começo, que era uma história com começo, meio e fim. "Harry Potter e as Relíquias da Morte" chegou às livrarias em 2007. Sua adaptação para o cinema foi dividida em dois filmes, lançados em 2010 e 2011. Dez anos depois de sua estreia, o "garoto que sobreviveu" encerrou sua jornada pelo zeitgeist pop.

Sua marca, porém, permanece. Continuamente os livros de Rowling ganham nova roupagem e encontram uma nova geração de entusiastas. O mesmo pode ser dito dos oito filmes da saga, continuamente maratonados ora por fãs nostálgicos, ora por novatos descobrindo a magia.

Assim como produções hoje clássicas, como "A Fantástica Fábrica de Cholocate" ou "O Estranho Mundo de Jack", toda a série "Harry Potter" é apreciada por mais de uma geração, que continua sua admiração muito além dos livros ou filmes.

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A partida de quadribol foi um dos grandes momentos do filme
Imagem: Warner

O parque The Wizarding World of Harry Potter oferece uma experiência interativa em Orlando, na Flórida. Novas coleções de miniaturas e outras traquitanas nunca abandonam as lojas. Ao lado de Marvel e Star Wars, Harry Potter segue como uma das propriedades intelectuais mais poderosas do entretenimento.

Mesmo com essa força, Rowling resistiu em seguir com as histórias dos protagoistas da série. A exceção foi a peça "Harry Potter e a Criança Amaldiçoada", que estreou em Londres em 2016. A trama segue Harry Potter, seus amigos e seu filho (!) dezenove anos depois dos eventos de "As Relíquias da Morte".

No cinema, o "wizarding world" ambientado no universo dos filmes rendeu duas produções zicadas: o irregular "Animais Fantásticos e Onde Habitam" e sua continuação, o péssimo "Os Crimes de Gridenwald". Nenhum arranhou as botas da série "Harry Potter".

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Harry Potter, o herói que cresceu ao lado de uma geração de fãs
Imagem: Warner

Talvez "Harry Potter e a Pedra Filosofal" tenha capturado um raio na garrafa de forma única. A série com oito filmes pode ser uma anomalia, um recorte no tempo que dificilmente será reproduzido. É um fenômeno moderno que uniu o cinema e a literatura em harmonia perfeita, atraindo uma legião de fãs, crianças e adolescentes, que por uma década cresceram e amadureceram ao lado de seus personagens favoritos. É uma combinação difícil de ser reproduzida.

Não existe hoje nenhum plano em trazer "Harry Potter" de volta à cultura pop em uma aventura inédita. Chris Columbus recentemente declarou que adoraria transformar "A Criança Amaldiçoada" em filme, se pudesse trabalhar com o elenco original.

Duas décadas depois, eles seguiram caminhos distintos. Rupert Grint optou por uma carreira discreta em filmes pouco vistos no cinema e na TV. Ele voltou aos holofotes recentemente com a série "Servant", de M. Night Shyamalan. Emma Watson apareceu em filmes de maior porte, como "Sete Dias com Marilyn" e "Bling Ring - A Gangue de Hollywood", voltando aos grandes espetáculos como protagonista de "A Bela e a Fera". Ela divide seu tempo como atriz e, cada vez mais, como ativista.

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Daniel Radcliffe, 20 anos depois de 'A Pedra Filosofal'
Imagem: Reprodução

Daniel Radcliffe, por sua vez, construiu uma carreira, no mínimo, singular. Da última vez em que conversamos, ainda nas filmagens de "Harry Potter e o Cálice de Fogo", ele disse que, ao terminar a série, teria independência para tocar qualquer projeto, para experimentar seus limites como ator.

Foi assim no teatro com "Equus". Foi assim na TV emprestando sua voz em animações como "Robot Chicket" e "BoJack Horseman". Foi assim no cinema em filmes tão distintos como "A Mulher de Preto", "Um Cadáver Para Sobreviver" e "Armas em Jogo". Seu trabalho mais mainstream desde o fim de "Harry Potter" foi na continuação de "Truque de Mestre".

"Harry Potter", porém, é mais que seus intérpretes, que sua autora ou que qualquer um de nós. É, agora e sempre, parte do tecido cultural, um pedaço irremovível de entretenimento que, por sorte ou acaso ou talento ou méritos, cravou seu nome na história. No cinema, tudo começou com a jornada de um garoto sem raízes para descobrir seu legado mágico e seu papel na salvação do mundo. Tudo começou em "Harry Potter e a Pedra Filosofal".

Mas, afinal, o que você estava fazendo há vinte anos?