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Roberto Sadovski

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Com "Finch", Tom Hanks emplaca seu terceiro filme seguido no streaming

Tom Hanks e seu melhor amigo em "Finch" - Apple TV+
Tom Hanks e seu melhor amigo em 'Finch' Imagem: Apple TV+

Colunista do UOL

11/11/2021 02h58

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Cinema ou streaming? A pergunta que parece ter dominado o mundo do entretenimento pós-pandemia segue sem resposta. Alguns produtores apostam que a exibição na tela grande vai voltar com força total. Outros cineastas cravam que o domínio do streaming era inevitável e foi tão somente acelerado com o mundo em casa.

Um astro, por coincidência ou por convicção, fez sua escolha. Tom Hanks garantiu mais uma indicação ao Oscar por seu papel em "Um Lindo Dia na Vizinhança", de um absurdamente distante 2019, e desde então deu um pause na experiência da sala escura. Desde então, ele abraçou o streaming com força.

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FInch (Tom Hanks) prepara sua viagem num mundo pós apocalíptico
Imagem: Appte TV+

Primeiro foi "Greyhound", produção da Sony que, na incerteza instaurada no começo da pandemia, terminou vendido à Apple TV+. Na época foi um movimento ousado, um filme de guerra lapidado para a maior tela possível, escoado no mundo ainda incerto do streaming. Fez barulho e ainda cravou uma indicação ao Oscar, de melhor som.

"Relatos do Mundo", por sua vez, trazia outro pedigrée. Bancado pela Universal, o filme repetia a parceria de Hanks com o diretor Paul Greengrass, que funcionara muitíssimo bem em "Capitão Phillips", e se posicionava como uma opção de entretenimento mais madura e sofisticada para a temporada de premiações do fim de 2020.

A pandemia e a incerteza deixaram seus produtores com o pé no freio, até que "Relatos do Mundo" foi anunciado no line up da Netflix, aterrissando no gigante do streaming, ao mesmo tempo em que arriscou uma curta carreira nos cinemas. Western da melhor safra, o filme também fez bonito no Oscar, com quatro indicações. Tom Hanks, por fim, parecia confortável em nova residência.

"Finch" seguiu caminho parecido. O roteiro de Craig Luck e Ivor Powell, uma ficção científica pós apocalíptica, empolgou uma fileira de estúdios e terminou nas mãos da Amblin, produtora de Steven Spielberg, com distribuição fechada pela Universal. O mundo fechado pelo Covid apressou a mão dos produtores, que fecharam distribuição com a Apple TV+. E Hanks se viu, mais uma vez, nas poltronas do mundo.

Curiosamente, "Finch" funciona bem melhor em casa. Apesar do escopo de seus temas, é um drama intimista, ancorado não só em sua premissa mas, principalmente, na performance de seu astro. Tom Hanks, afinal, divide a cena em quase duas horas de filme com um robô com pensamentos próprios e um cachorro. E também com a estrada.

Não é surpresa que essa mistura funcione tão bem. Em 2000, em seu auge como astro de cinema, Hanks conduziu o drama "Náufrago" para uma bilheteria global de US$ 430 milhões, contracenando quase o tempo todo com uma bola de vôlei. É incerto como o público da segunda década do século 21 responderia a um Hanks solitário. Mas essa pergunta ficará sem resposta.

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Tom Hanks no western 'Relatos do Mundo', que estreou na Netflix
Imagem: Netflix

Afinal, o mundo do entretenimento não é mais conduzido por astros do entretenimento. Claro, atrelar um projeto a gente grande como Brad Pitt, Charlize Theron ou Dwayne Johnson significa olhos mais atentos ao resultado final. Mas a cultura pop atual é dominada por marcas, por propriedades intelectuais que atraem mais gente ao multiplex do que um nome na marquise.

Em casa, via streaming, o jogo parece outro. Filmes como "Finch", emoldurados pela presença sofisticada de Hanks, parecem mais vultosos. Mesmo que seja uma ficção científica que pouco acrescente ao vasto mundo das distopias apocalípticas.

Ambientado uma década depois de uma erupção solar fritar a camada de ozônio, "Finch" traz Hanks como o personagem-título, um engenheiro em robótica que vive sozinho em um complexo subterrâneo. Sua única companhia é seu cachorro, Goodyear.

A rotina consiste em viagens à superfície, paramentado em um traje que o protege do calor escaldante e da radiação ultravioleta fatal, em busca de mantimentos para esticar como pode sua sobrevivência.

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Finch, o robô Jeff e seu companheiro canino
Imagem: Appte TV+

Com a iminência de uma tempestade destruidora, Finch precisa deixar o local, não antes de terminar a construção de um robô humanoide, Jeff, incumbido de uma missão muito específica: envenenado por radiação, Finch sabe que cada passo o aproxima do último, e ele precisa garantir que Goodyear continuará a ser cuidado mesmo depois de ele ir.

"Finch" resvala em alguns temas recorrentes da ficção científica pós apocalíptica, como a vastidão das cidades abandonadas, o perigo que outros sobreviventes podem representar, e um estudo da condição humana, dos extremos dos quais somos capazes quando encaramos a desesperança. Jeff, por sua vez, é como uma criança que precisa crescer rápido demais, aprendendo no processo o que significa ser humano.

O filme eleva-se como espetáculo pelo trabalho de Hanks, que ajuda a dar credibilidade ao mundo desenhado pelo diretor Miguel Sapochnik, condutor de episódios de séries como "Game of Thrones" (ele foi premiado por seu trabalho em "Batalha dos Bastardos"), "True Detective" e "House".

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Nada como um dia de Sol no fim do mundo...
Imagem: Appte TV+

É a interação do ator com Jeff, robô executado com uma combinação de modelos reais e tecnologia de captura de movimento com o ator Caleb Landry Jones emprestando corpo e voz, que faz do mundo devastado de "Finch" menos artificial e mais crível. Já o trabalho com o cachorro Goodyear é até covardia: um doce para quem não se converter em um pudim de lágrimas no terço final do filme.

O futuro do cinema, seja fora de casa, seja no conforto do lar, segue no campo da incerteza. É incerta também a volta de Tom Hanks ao streaming. Seus próximos projetos, uma biografia de Elvis Presley dirigida por Baz Luhrman (Hanks foi contaminado com Covid durante as filmagens na Austrália ano passado), a adaptação live action de "Pinóquio" da Disney, e "Asteroid City" de Wes Anderson, tem sua exibição nos cinemas garantida.

Ainda assim, em tempos de pandemia foi Hanks quem liderou seus pares a uma mini revolução no streaming, provando que a tela pequena pode emocionar e eletrizar tanto quanto as grandes salas. Seja em um western de escala ambiciosa, seja em uma ficção científica de tocar o coração. Ou seja em "Borat: Fita de Cinema Seguinte". Tom Hanks, pelo visto, é onipresente.