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Roberto Sadovski

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Como Tom Hanks se tornou o astro acidental do streaming

Colunista do UOL

25/03/2021 16h57

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O drama de guerra "Greyhound" era uma das apostas da Sony para o verão americano de 2020. Terminou como um dos primeiros grandes lançamentos a ser vendidos para uma plataforma de streaming, no caso a Apple TV+. Já o western "Relatos do Mundo" era a aposta da Universal para dominar a temporada de premiações no fim do ano passado. Vendido para a Netflix, tornou-se um de seus lançamentos mais robustos.

Em comum, os dois filmes têm a alteração drástica em sua plataforma de lançamento por conta da pandemia de Covid-19 que assola o mundo desde o ano passado. E também seu protagonista: Tom Hanks.

O cinema foi um dos mercados mais atingidos pela pandemia global. Em todo o mundo, centenas de milhares de salas de exibição fecharam suas portas para evitar aglomerações e o contágio. Todos os grandes títulos de 2020 foram sucessivamente adiados, muitos ainda sem data de lançamento.

Uma solução encontrada por alguns estúdios foi justamente negociar algumas produções com plataformas de streaming - o cinema em casa explodiu em um ano em que as pessoas era duramente aconselhadas e não se aventuras na rua. Netflix, Amazon Prime, Apple TV+ e Disney+ viram seu número de assinantes aumentar geometricamente. Quem apostou no combo pipoca e sofá se deu bem.

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Tom Hanks em 'Greyhound'
Imagem: Apple TV+

Curiosamente, este foi o destino de Tom Hanks. Quando "Greyhound" pulou a janela cinematográfica para pousas direto em streaming, abriu-se também uma porta em que não havia mais distinção de um astro de cinema para um artista de outras mídias. Hanks, um dos maiores atores de sua geração, abraçou o streaming sem titubear.

"Greyhound" foi pouco visto, especialmente no Brasil, porque a Apple TV+ não é um serviço de streaming tão popular como seus concorrentes. Mas o movimento mostrou o compromisso de Hanks em buscar o público para seu filme, antevendo que uma volta à normalidade não seria imediata.

A mudança de plataforma de lançamento também acentuou uma tendência acelerada com a pandemia: a mudança de status do cinema e a consolidação do streaming como um tabuleiro sólido para grandes cineastas apresentarem seus produtos. "Roma" e "O Irlandês" abriram uma porta escancarada pela necessidade de escoar a produção.

Vale ressaltar que, em um mercado dominado por propriedades intelectuais, "Greyhound" é o tipo de filme - sério, mais "adulto" - que dificilmente encontra oxigênio entre os colossos que atualmente dominam os multiplexes. Produções desse quilate, porém, encontram púbico mais sólido nas plataformas de streaming, que hoje cumprem uma função social similar à de videolocadoras nos anos 1980: apresentar alternativas.

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Tom Hanks em 'Relatos do Mundo'
Imagem: Netflix

"Relatos do Mundo" é outro caso. Dirigido por Paul Greengrass, repetindo aqui a parceria com Hanks que já havia gerado o brilhante "Capitão Phillips", o filme tinha pedigree para chegar à temporada de premiações como um dos grandes favoritos. A Universal segurou seu lançamento em cinema, originalmente agendado para o ano passado, até onde pode. Mas capitulou ante a paralisação do parque exibidor, vendendo o título por fim à Netflix.

Foi uma grande jogada, que ajudou a qualificar a agenda de lançamentos do gigante do streaming. A Netflix, desde que anunciou há alguns meses seu plano de ter um novo filme "em cartaz" por semana, muitas vezes peca pela falta de qualidade. É natural, já que são dezenas de produtoras escoando filmes de diversos gêneros e propostas. No volume, mais joio do que trigo - exatamente como na era das locadoras.

Ter um filme do quilate de "Notícias do Mundo" ajuda a chacoalhar o ranço das produções esquecíveis, oferecendo ao público do sofá um espetáculo realmente digno, um filme com qualidade cinematográfica ímpar, ancorado por uma performance elegante de Tom Hanks e laureado com quatro indicações ao Oscar.

Diferente de muitos de seus pares que optaram por produções que já miravam o streaming, Tom Hanks terminou como astro acidental que iluminou a ótima fase das plataformas de cinema em casa. Mesmo assim, ele está disposto a voltar à tela grande.

Seu próximo filme é uma biografia de Elvis Presley, dirigida pelo maestro Baz Luhrman. Agendada para o fim de 2021, mirando as premiações cinematográficas, o filme foi adiado para junho de 2022.

Com o ritmo da vacinação nos EUA, é tempo mais do que suficiente para a situação dos cinemas no Hemisfério Norte normalizar e o público saborear mais uma performance de Tom Hanks (aqui como o coronel Tom Parker, empresário de Elvis) na tela grande. Não deia de ser irônico que fui justamente durante as filmagens na Austrália que Hanks, logo no início da pandemia, foi diagnosticado com a Covid. O astro, para alívio geral, já passa bem.