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Roberto Sadovski

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

'WandaVision' chega ao fim e muda para sempre o modo de ver e fazer TV

Elizabeth Olsen como a Feiticeira Escarlate em "WandaVision" - Marvel/Disney
Elizabeth Olsen como a Feiticeira Escarlate em 'WandaVision' Imagem: Marvel/Disney

Colunista do UOL

05/03/2021 09h28

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Paul Bettany provocou os fãs da Marvel quando, há algumas semanas, disse que dividiria a cena com "um ator com quem ele sempre quisera trabalhar", um sujeito com quem "tinha uma química eletrizante". Para quem assistiu ao penúltimo episódio de "WandaVision", o tal ator revelou-se uma brincadeira com a fatia do público que se preocupa mais em adivinhar o que está por vir do que em saborear.

O último capítulo de "WandaVision", por fim, amarrou a série com inteligência e, na melhor tradição Marvel, plantou algumas pistas para o que está por vir (já já a gente discute isso). Ainda assim, a maior revolução da série, primeira produzida pelo estúdio para a plataforma de streaming Disney+, ocorreu nos bastidores. Seus efeitos devem reverberar pela indústria pelos próximos anos.

O segredo está no formato misto, que mistura reverência à estrutura televisiva celebrada há décadas e um mergulho absoluto no modo como o mundo passou a consumir produções seriadas. "WandaVision" espertamente abraçou a tradição da sitcom americana para disparar sua narrativa, fornecendo um tabuleiro familiar que servia de distração - e não foi a única! - para o posicionamento das peças.

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Wanda e Visão se preparam para a briga em 'WandaVision'
Imagem: Marvel Studios/Courtesy of Marvel Studios

A trama, construída como consequência dos acontecimentos de "Vingadores: Guerra Infinita" e "Ultimato", apresentou os motivos para a brincadeira com séries famosas ao estilo "The Dick Van Dyke Show" e "Tudo em Família", ao mesmo tempo que resolvia o mistério em torno na vida idílica de Wanda Maximoff e do Visão como um casal suburbano em uma cidadezinha de Nova Jérsei.

O formato, porém, fez toda a diferença. A tradição de séries semanais da TV seguia, dos anos 1950 a meados dos anos 1980, uma estrutura semelhante: cada episódio trazia uma história contida, que contribuía para apresentar e manter os arquétipos apresentados já no piloto, sem espaço para invencionices. "Twin Peaks", "Arquivo X" e, principalmente, "Lost", levaram um outro estilo narrativo para a TV aberta: a série inteira amarrava basicamente um grande mistério.

O advento da TV a cabo aumentou as possibilidades dramáticas, especialmente com a maturidade e sofisticação de "Família Soprano" e "Breaking Bad". Com "House of Cards", a Netflix trouxe o binge watching, despejando uma temporada inteira no streaming de uma só vez. Uma overdose narrativa que se tornou norma.

"WandaVision" não é nada disso. Para começar, é um conceito advindo de uma propriedade intelectual apresentada com sucesso extremo no cinema - o universo cinematográfico Marvel. Ela também foi construída para ser absorvida em doses semanais. Assim como "Game of Thrones", o público passava a semana discutindo os próximos passos.

Finalmente, não existe a necessidade de esperar por uma segunda temporada - geralmente o termômetro do sucesso na TV desde sempre. A trama deve continuar ao longo da expansão da Marvel no cinema e em streaming pelos próximos anos.

Acima de tudo, "WandaVision" é uma série totalmente fora da casinha. Longe de obedecer uma narrativa tradicional, a série deixou as convenções de lado e embarcou na viagem de seus criadores, Jac Schaefer e Matt Shakman, uma maluquice que envolvia realidades alteradas, uma trama de mistério e uma sitcom fofinha, tudo no mesmo pacote.

ACELERA, CONCORRÊNCIA!

O balão de ensaio para "WandaVision" veio da mesma firma. "The Mandalorian" trouxe para o streaming o vasto universo de "Star Wars" e conseguiu revigorar com sucesso absoluto o fôlego da marca. Mas a série protagonizada por Pedro Pascal e por um boneco fofo seguia um gênero melhor desenhado - o western - e traçou uma narrativa linear. Ainda assim, seus mistérios dominaram os fãs ao longo de duas temporadas, encerrando o ciclo em choro, nostalgia e um sabre de luz verde.

A TV, especialmente o streaming, não pode mais voltar atrás depois de "The Mandalorian" e, principalmente, depois de "WandaVision". Com produção acima da média, ambas as séries não fariam feio se fossem exibidas no cinema - no caso do sucesso da Marvel, isso jamais aconteceria porque seria impossível costurar a trama com as referências televisivas.

Foi um passo além de "Game of Thrones", e vai ser muito difícil encarar uma série como os super-heróis da CW, só para ficar em terreno familiar, sem prestar atenção nos efeitos visuais interiores e os cenários muitas vezes porcamente retocados digitalmente. O jogo agora é outro, e a concorrência terá de acompanhar.

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Paul Bettany sem cor como o Visão em 'WandaVision'
Imagem: Marvel/Disney

Não só nos valores de produção, mas também na construção de expectativas. Trabalhar com uma propriedade intelectual conhecida tem prós e contras, e com "WandaVision" a Marvel soube jogar o jogo à perfeição. Usou a seu favor a expectativa dos fãs mais radicais, aquela turma que passa a semana teorizando sobre a "natureza" da série, para manter o interesse alto.

Abraçou a nostalgia. Cravou o formato semanal. Costurou, como ninguém antes, a ponte entre cinema e TV sem perder o prumo. Afinal, séries como "The Umbrella Academy" e "Stranger Things" não são exatamente baratas, mas elas vivem e perduram no confinamento do streaming, sem interagir com um mundo mais vasto.

Essa interação, por sinal, é o que faz do universo cinematográfico Marvel um experimento único. Por sinal, a partir daqui vou discutir alguns pontos narrativos do final de "WandaVision" e suas consequências para o futuro. Então, se preferir, melhor assistir a ele antes de ler o resto. Certo? Então certo.

FÃS FRUSTRADOS

Assim como "Homem de Ferro" encerrou com uma cena pós créditos, ou um stinger, sugerindo que o universo dos super-heróis era mais vasto do que Tony Stark poderia sonhar, a conclusão de "WandaVision" joga pistas para eventos futuros. Temos, afinal, um novo Visão na praça. Monica Rambeau, que agora tem superpoderes, recebe um convite para entrar em um mundo além de nossa atmosfera (a pista aqui encontra-se no final de "Homem-Aranha: Longe de Casa").

Wanda descobre ser de fato uma bruxa e precisa agora aprender como ser a Feiticeira Escarlate. De cara temos ondulações que devem bater em "Invasão Secreta" e em "Doutor Estranho no Multiverso da Loucura". E vai saber de que forma reencontraremos este Visão espectral.

Matt Shakman previu a frustração por parte de uma fatia do público. Se isso acontecer é, na verdade, problema deles, que gastaram tempo enxergando coisas que não estavam lá, como Mefisto e mutantes (sério, essa turma ia morrer na época em que o intervalo entre cada "Star Wars" era de três anos). A Disney, por sua vez, torce para que esse espírito prevaleça em suas próximas séries: não houve marketing melhor do que este gerado espontaneamente e simultaneamente em todo o planeta.

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A família reunida para o clímax de 'WandaVision'
Imagem: Marvel/Disney

Os grandes vencedores em "WandaVision" foram, afinal, Elizabeth Olsen e Paul Bettany. Se seus personagens nunca estiveram no centro de filmes como "Vingadores: Era de Ultron" e "Capitão América: Guerra Civil", aqui eles tiveram a oportunidade de ser melhor desenvolvidos, de ganhar um arco dramático sofisticado e completo, que também abriu espaço para novas histórias e mais crescimento narrativo.

Se a Marvel seguir nesse ritmo, boas coisas nos esperam em "Falcão e o Soldado Invernal", "Loki" e mesmo "Gavião Arqueiro" - figuras que nunca estiveram no centro de suas próprias histórias, que ganham com este novo formato espaço para reinvenção. É um mundo estranho. Espero que eles o mantenham assim.