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Roberto Sadovski

Maratona do medo: 15 ótimos filmes de terror de diretores estreantes

"O Que Deixamos Para Trás", de Remi Weekes - Netflix
'O Que Deixamos Para Trás', de Remi Weekes Imagem: Netflix

Colunista do UOL

10/11/2020 06h59

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"Se você quiser fazer filmes, comece com filmes de terror." Foi uma frase que eu ouvi de gente como Guillermo Del Toro e Sam Raimi, que não por acaso começaram atrás das câmeras em produções do gênero que o tempo transformou em obras-primas de influência incontestável.

Os motivos são diversos, comprovados por colegas que se aventuraram no gênero aqui pelo Brasil: são produções mais baratas, que muitas vezes compensam um ou outro escorregão narrativo trazido pela inexperiência com inventividade e floreio visual.

LINGUAGEM UNIVERSAL

Por esse mesmo motivo, é fácil arriscar tirar um terrorzão do papel e terminar com um filme trash, laureado por seus defeitos. Às vezes substituir linhas de diálogo por um morto-vivo ensanguentado passa o recado, mas não faz de seu filme uma experiência inesquecível.

Ainda assim, o terror viaja. Não importa em que parte do mundo seu filme vá pousar: o medo é linguagem universal, primal, potencializada pela experiência na sala escura. É provavelmente o gênero que mais atravessa fronteiras, com plateias empolgadas pelo simples prazer de descobrir como o medo se manifesta em outras culturas.

É surpreendente, portanto, quando um diretor escolhe o terror em seu filme de estreia e arrebenta. Aconteceu com Del Toro. Aconteceu com Raimi. Ambos estão no listão a seguir ao lado de meia dúzia de artistas que abraçaram o medo em seus primeiros trabalhos e deixaram sua marca.

A NOITE DOS MORTOS VIVOS
(Night of the Living Dead, George Romero, 1968)

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'A Noite dos Mortos Vivos'
Imagem: Image Ten/Kobal/REX/Shutterstock/Image Ten/Kobal/REX/Shutterstock

George Romero não inventou o termo "zumbi". Mas certamente o adicionou ao dicionário pop quando rodou este pesadelo em preto e branco, um filme revolucionário e perturbador, até hoje uma das maiores influências do cinema moderno.

É uma experiência sem firulas: presos em uma fazenda, um grupo de desconhecidos enfrenta uma legião de monstros canibais, mortos erguidos do túmulo sem nenhuma explicação. A produção barata acentua o clima familiar, com o subtexto racial amplificando a tensão: o protagonista, Ben, foi interpretado por um ator negro, Duane Jones.

"A Noite dos Mortos-Vivos" tem o mérito de, sozinho, iniciar todo um sub gênero. Zumbis surgiram em incontáveis produções ao longo das últimas cinco décadas, inclusive em diversos filmes do próprio Romero. Mas nenhum de seus "filhotes" teve o mesmo impacto transformador. (Looke)

O HOMEM DE PALHA
(The Wicker Man, Robin Hardy, 1973)

terror palha - Reprodução - Reprodução
'O Homem de Palha'
Imagem: Reprodução

Robin Hardy não soma mais que três filmes em seu currículo. Mas nem precisava ir além de sua estreia para cravar seu nome na história. "O Homem de Palha" trocava terror explícito pela sutileza, uma atmosfera sufocante até o último segundo.

Na trama um policial britânico chega a uma ilha na costa da Escócia para investigar o desaparecimento de uma menina. Os habitantes do lugar garantem que ela nunca existiu. Sua busca parece infrutífera, mas ele logo percebe o tamanho da arapuca em que se enroscou.

"O Homem de Palha" mergulha fundo em dogmas religiosos britânicos, joga uma boa dose de paganismo na mistura e ainda coloca o mestre Christopher Lee em cena. O resultado é uma experiência apavorante, que vê sua influência se estender até o novo século - basta você assistir a "Midsommar". Ah, existe uma refilmagem de 2006 com Nicolas Cage. O bom senso aconselha manter distância.

O MASSACRE DA SERRA ELÉTRICA
(The Texas Chain Saw Massacre, Tobe Hooper, 1974)

terror serra - Reprodução - Reprodução
'O Massacre da Serra Elétrica'
Imagem: Reprodução

Tobe Hooper já havia criado um filme experimental ao concluir sua faculdade. Mas foi em "O Massacre da Serra Elétrica" que ele abriu um novo capítulo para o terror no cinema. Por sua crueza, sua crueldade e a sensação de estarmos assistindo a um documentário, e não a ficção.

Nada aconteceu ao acaso, claro. Hooper tinha experiência com publicidade e em set de filmagem. Ele sabia exatamente as sensações que queria provocar e traduziu em celulóide o pavor absoluto do mal em sua forma mais pura como alegoria para um país que sucumbia à sua própria perda de identidade. Não por acaso, essa conexão do terror com a vida real dá o tom do gênero até hoje.

A inspiração veio do caso do serial killer Ed Gein e de uma visita de Hooper a uma loga de ferragens, onde ele viu famílias comprando motosserras. Essa salada terminou como a tragédia de cinco adolescentes que, em uma viagem de carro, terminam na casa de uma família de canibais.

"O Massacre da Serra Elétrica" foi banido de vários países por sua brutalidade e descaso com a vida humana, amplificada pela personalidade insana dos canibais - em especial Leatherface, o imponente assassino que usa máscaras feitas com rostos de cadáveres. Depois, tornou-se uma das marcas mais duradouras do gênero, com infinitas continuações, remakes e imitadores. O mundo, às vezes, capota. (Looke)

A MORTE DO DEMÔNIO
(The Evil Dead, Sam Raimi, 1981)

terror evil dead - Reprodução - Reprodução
'A Morte do Demônio'
Imagem: Reprodução

Sam Raimi não tinha ideia do impacto que seu "The Evil Dead" teria no cinema. Em 1981, ele estava mal havia saído da adolescência e queria fazer um filme de terror com seus amigos. Com orçamento ínfimo, ele juntou uma turma e enfiou todo mundo na cabana abandonada que serviria de locação principal e escritório de produção.

A filmagem foi, obviamente, caótica. Parte do elenco se mandou antes que as filmagens fossem concluidas. O frio intenso e a falta de água encanada fazia com que banhos fossem raridade. Raimi filmava por horas a fio, contribuindo para a exaustão da equipe.

Por fim, "A Morte do Demônio" (não deveria ser "Os Mortos Malignos"?) foi concluido graças aos esforços de Raimi e de seu amigo Bruce Campbell, que hipotecou a casa de sua família para bancar a finalização e o lançamento. Campbell, claro, também foi o protagonista do filme: cinco amigos de férias encontram o "livro dos mortos" em uma cabana e despertam demônios que possuem seus corpos.

Para executar as imagens em sua cabeça, Raimi desenvolveu várias técnicas de filmagem para mover a câmera de maneiras improváveis. Ele também capricou no sangue, na caracterização demoníaca e no terror sexual. Mesmo com a relutância de diversos exibidores ao redor do mundo, "The Evil Dead" logo ganhou status cult e solidificou Raimi como um autor com personalidade. E Bruce Campbell viu seu personagem, Ash, tornar-se um ícone pop.

RE-ANIMATOR: A HORA DOS MORTOS VIVOS
(Re-Animator, Stuart Gordon, 1985)

terror reanimator - Reprodução - Reprodução
'Re-Animator: A Hora dos Mortos Vivos'
Imagem: Reprodução

Stuart Gordon começou no teatro Para ser exato, no teatro experimental. Seu trabalho nos palcos era em busca de formatos ousados e estimulantes. O que, no fim dos anos 1960, era sinônimo de provocação, de uma fuga das normas padrão.

Não foi nenhum espanto, portanto, que ele tenha escolhido adaptar o trabalho de H.P. Lovecraft quando migrou para o cinema já nos anos 1980. "Re-Animator" pode parecer mais um terror trash, mas um olhar além da superfície revela influências que vão de Buñuel a Mary Shelley.

Gordon queria, na verdade, contar a história no teatro, depois pensou em adaptar para a TV. Convencido a filmar em Hollywood como um longa, ele cravou uma parceria com o produtor Brian Yuzna e o distribuidor Charles Band.

A trama é puro pop gore: cientista amalucado (o espetacular Jeffrey Combs) trabalha em um fórmula capaz de reanimar cadáveres. Suas experiências resultam em uma pilha de corpos, lobotomia, telepatia e mutação. Um zumbi, segurando sua cabeça decapitada, tenta fazer sexo oral em uma jovem amarrada. "Re-Animator" é para poucos. E é sensacional!

A HORA DO ESPANTO
(Fright Night, Tom Holland, 1985)

terror fright - Sony - Sony
'A Hora do Espanto'
Imagem: Sony

Tom Holland assumiu, no começo de sua carreira, uma missão quase impossível: escrever uma continuação para "Psicose", clássico absoluto do terror e um dos grandes filmes da história. No fim, seu roteiro foi para os cinemas em 1983 (com direção de Richard Franklin) e lhe abriu as portas para vôos mais altos.

Foi o que aconteceu em 1985, quando ele estreou na direção com "A Hora do Espanto". O que era um projeto no quintal da Columbia acabou se tornando um dos filmes mais lucrativos do estúdio naquele ano, com US$ 25 milhões em caixa. Mais ainda: adiantou, em quase uma década, a moda da "desconstrução" do terror, que disparou em 1997 com "Pânico".

A trama é um primor. Charlie (William Ragsdale), adolescente que vive com sua mãe, percebe quando um vampiro se muda para a casa vizinha. Para derrotar o bicho, ele convoca Peter Vincent (Roddy McDowall), apresentador de filmes de terror na TV - e dotado, em teoria, com todo o conhecimento para identificar e derrotar um desmorto.

Equilibrando sustos e comédia "A Hora do Espanto" tornou-se um pedaço único da cultura pop, especialmente com a interpretação de Chris Sarandon como o vampirão Jerry Dandridge, puro charme e sedução antes de assumir seu lado monstrengo. Ah, o remake de 2011, com Colin Farrell, não é de todo ruim! (HBO GO)

HELLRAISER - RENASCIDO DO INFERNO
(Hellraiser, Clive Barker, 1987)

terror hellraiser - Reprodução - Reprodução
'Hellraiser - Renascido do Inferno'
Imagem: Reprodução

Clive Barker havia alcançado prestígio e fama como artista plástico e, principalmente, como escritor, antes de sentar-se na cadeira de diretor. "Hellraiser" adapta seu próprio romance, "The Hellbound Heart", e o resultado foi a evolução do terror.

Nem precisa acreditar em mim! Basta ler as palavras de Stephen King, que disse ver em Barker o futuro do gênero. Cansado dos temas habituais do terror, Clive buscou inspiração na obra de Mellville, Poe, Bradbuty e Cocteau e desenhou uma nova mitologia para o bem e o mal, o céu e o inferno, Deus e o Diabo.

"Hellraiser" é a materialização dessas ideias. Tudo se relaciona com um cubo, um quebra-cabeças batizado Configuração dos Lamentos. Frank (Sean Chapman) teve seu corpo destroçado ao resolver o enigma, e aos poucos volta à vida, como um sujeito sem pele, às custas de vítimas seduzidas por sua cunhada, com quem nutre um caso macabro.

Barker não é sutil nas imagens sadomasoquistas, representadas por criaturas interdimensionais batizadas cenobitas, que desconhecem a fronteira entre dor e prazer. "Hellraiser" destaca-se pela atmosfera carregada de símbolos (uma vítima com a pele perfurada e esticada por correntes infernais sorri ao proclamar que "Jesus chorou") e pelo ineditismo de sua premissa. Teve nove (!) continuações. Nenhuma digna de nota. (Prime Video)

QUANDO CHEGA A ESCURIDÃO
(Near Dark, Kathryn Bigelow, 1987)

terror near dark - Reprodução - Reprodução
'Quando Chega a Escuridão'
Imagem: Reprodução

Kathryn Bigelow, a bem da verdade, já havia se aventurado na direção antes dessa curiosa mistura de western com vampiros. Mas em "The Loveless" (estreia de Willem Dafoe no cinema) ela dividiu o comando com Monty Montgomery. Então está valendo!

Sem falar que "Quando Chega a Escuridão" é uma empreitada infinitamente superior. Ao misturar estilos tão antagônicos, a diretora criou um produto único, visualmente impactante, combinando a beleza da aventura sugerida pelo faroeste com o terror brutal dos vampiros.

Acima de tudo, "Quando Chega a Escuridão" é um filme sobre uma família - disfuncional, violenta, homicida. São, afinal, vampiros, que ganham um reforço quando um jovem, Caleb (Adrian Pasdar), é mordido e transformado por Mae (Jenny Wright). O grupo (que traz Lance Henrikssen, Jenete Goldstein e Bill Paxton, todos companheiros em "Aliens") o aceita com relutância, justificada quando ele se recusa a matar para sobreviver.

Ao enfatizar o romance, Bigelow também potencializa o terror, dando tintas sobrenaturais a uma história sobre pessoas deslocadas de seu tempo, vivendo no improviso. "Quando Chega a Escuridão" é belíssimo, melancólico e assustador. Tudo que "Crepúsculo" queria ser e jamais conseguiu.

CRONOS
(Guillermo Del Toro, 1993)

terror cronos - Reprodução - Reprodução
'Cronos'
Imagem: Reprodução

Guillermo Del Toro nunca escondeu sua paixão por monstros. Desde que começou a experimentar com uma câmera Super 8 ainda criança, seus filmes giram em torno de criaturas fantásticas e aterrorizantes. Trabalhar com efeitos especiais e maquiagem foi o primeiro passo para uma carreira na TV e, em seguida, no cinema.

"Cronos" foi o primeiro passo para a mente inquietante de Del Toro. É sua visão para o mito do vampiro, representado por uma relíquia perdida há quatro séculos, e descoberta ao acaso peplo dono de um antiquario, Jesús Gris (Federico Luppi). O objeto injeta uma substância em seu corpo com uma agulha, e logo ele se sente rejuvenescido e com uma sede incontrolável por sangue.

Tudo em "Cronos" é meticulosamente detalhado. Das locações sufocantes ao objeto, chamado Cronos, que traz o formato de um escaravelho e torna-se objeto de desejo de um empresário bilionário, que há anos o procura para obter vida eterna.

Del Toro já exercita aqui seu desprezo por figuras autoritárias (tema repetido em "Hellboy", "O Labirinto do Fauno" e "A Forma da Água") e sua habilidade em espelhar dilemas reais no prisma da fantasia. O terror ainda é uma válvula de escape poderosa. (Prime Video)

MADRUGADA DOS MORTOS
(Dawn of the Dead, Zack Snyder, 2005)

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'Madrugada dos Mortos'
Imagem: Michael Gibson/Universal

Zack Snyder lapidou seu estilo visual no anos 1990 dirigindo comerciais e vídeos para artistas como Morrissey, Soul Asylum e ZZ Top. Para marcar sua estreia no cinema, porém, ele escolheu pisar em terreno pantanoso: refilmar um clássico de zumbis do mestre George Romero, "Despertar dos Mortos".

O resultado, "Madrugada dos Mortos", foi um sucesso justamente por fugir totalmente do estilo de seu antecessor. Trabalhando com um roteiro de James Gunn, Snyder prestou sua homenagem ao manter a ambientação da trama em um shopping center, mas injetou personalidade, substituindo o humor mordaz e a crítica social de Romero pelo terror brutal e surpreendente.

Sarah Polley encabeça o elenco como a enfermeira que chega em casa depois de um plantão para encontrar seu marido atacado por uma vizinha zumbificada. Ela foge enquanto o mundo a seu redor explode em caos, encontrando refúgio ao lado de outros sobreviventes em um shopping.

"Madrugada dos Mortos" é "horror de sobrevivência" de primeira. Snyder acerta ao fazer dos zumbis uma horda veloz e implacável, mas dá personalidade ao fazer das pessoas normais, isoladas e com a esperança esfarelando-se, os verdadeiros predadores. É niilismo materializado como cinema. Como brinde, você ganha a visão indelével de um bebê zumbi. (Prime Video)

O BABADOOK
(The Babadook, Jennifer Kent, 2014)

terror babadook - Reprodução - Reprodução
'O Babadook'
Imagem: Reprodução

Jennifer Kent conseguiu o que Lars von Trier alardeou ao longo de sua carreira: Ela capturou conceitos abstratos como depressão e paranoia em forma de filme. O que é curioso, visto que ela aprendeu a rotina de um set de filmagem justamente como assistente de Trier durante a produção de "Dogville".

Neste "O Babaddok", seu primeiro filme, fica claro que ela superou de longe seu mestre. O terror nas mãos de Kent começa com o poder da sugestão, escalando a tensão até a materialização do objeto deste mesmo terror. É um conceito que ela explora com sutileza, trabalhando com orçamento apertado, o que claramente contribuiu para as soluções criativas e o uso de câmera no filme.

"O Babaddok" é, na verdade, o Senhor Babadook, título de um livro infantil macabro lido pelo filho de Amelia (Essie Davis, colega da diretora quando estudaram arte na Australia). Viuva pouco antes do nascimento de seu filho, sua rotina é de exaustão, amplificada pela insônia do garoto, que garante ver o protagonista do seu livro como uma criatura real.

O filme planta a dúvida se o Babadook e real ou apenas o reflexo da depressão em que Amelia mergulhou ao perdeu o marido. No fim, pouco importa. Jennifer Kent habilmente responde a essas perguntas com um epílogo dolorosamente real: às vezes, não somos capazes de nos livrar de nossos demônios, conseguimos apenas mantê-los cativos, alimentados com vermes. Toma essa, Lars!

A BRUXA
(The Witch, Robert Eggers, 2015)

terror bruxa - Universal - Universal
'A Bruxa'
Imagem: Universal

Robert Eggers teve seu interesse no terror estimulado pelo estudo da história de New Hampshire, onde ele nasceu e foi criado, e seu fascínio por bruxas. Essa combinação, aliada a um cuidado extremo com detalhes e autenticidade, foi a força motriz ao desenvolver "A Bruxa".

O resultado é um filme de terror que não se encaixa nas convenções do gênero. Existe o impacto do medo, claro, mas ele surge nu crescendo, pela ambientação, pela opressão religiosa, pela libertação sexual, pela ignorância que alimenta o mais puro pavor.

A protagonista é Thomasin (Anya Taylor-Joy), primogênita de uma família de colonos, expulsa da comunidade puritana por discordâncias religiosas. Ela acompanha seu pai, mãe, irmão mais novo, além dos gêmeos caçulas e do bebê recém-nascido quando eles se estabelecem em isolamento às margens de uma floresta. Tragédia, paranóia e violência escalam quando a linha entre o mundano e o fantástico são cruzadas.

"A Bruxa" espelha um microcosmo das transformações profundas de uma América equilibrada entre o fundamentalismo religioso radical e a liberdade de pensamento representada pela ruptura radical com esse fanatismo. Eggers habilmente teoriza que são dois lados de uma mesma moeda na qual repousa a fundação do país. Que, por fim, obedece a forças ocultas e muito além do controle do homem.

CORRA!
(Get Out, Jordan Peele, 2017)

terror corra - Universal - Universal
'Corra!'
Imagem: Universal

Jordan Peele surpreendeu a seus fãs, acostumados a ver seus talentos como ator e roteirista em programas icônicos de humor, quando anunciou que sua estreia como diretor seria com um filme de terror. Mais surpreendente ainda foi comprovar que "Corra!" trazia a mesma preocupação em retratar qeustões sociais sob o prisma do entretenimento, mesmo que fosse com outro registro.

Em tempos de polarização, com a presidência de Donald Trump atropelando quanquer noção de união na América, Peele criou um torpedo contra o racismo sem me nenhum momento transformar sua mensagem no foco: "Corra!" funciona por abraçar seu gênero e amarrar em torno dele uma trama original, urgente e eletrizante.

O grande acerto do diretor foi colocar o carismático Daniel Kaluuya à frente do elenco. Ele é o fotógrafo (negro) que vai conhecer os pais de sua namorada (branca), um casal de ideias liberais e progressistas, que fazem de tudo para que ele se sinta à vontade.

O conforto logo se transforma de pavor quando os planos de seus anfitriões são revelados, em uma reviravolta que joga ficção científica e apropriação cultural na mistura, sem que nenhum elemento colida com o outro. "Corra!" foi o filme certo no momento certo, abrindo uma discussão para além das salas de cinema, mostrando o poder do cinema como espelho para uma chaga social que o tempo não cura.

HEREDITÁRIO
(Hereditary, Ari Aster, 2018)

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'Hereditário'
Imagem: Diamond

Ari Aster é, de longe, o realizador mais interessante em uma nova geração de cineastas que usam o terror como plataforma para transmitir ideias. Longe da leva de produções sobrenaturais que conquistam pelo barulho de seus sustos e pelo uso engenhoso de seus efeitos, Aster foi buscar inspiração do outro lado do Atlântico. E essa influência escorre pelos poros de sua estreia.

"Hereditário" tem suas raízes no cinema de Roman Polanski e Nicolas Roeg, em que o poder da sugestão amplifica a tensão até que ela se torne insuportável, com o silêncio estilhaçado por momentos de terror, violência e a libertação de forças além de nossa compreensão.

É, também, a história de uma família esfacelada pela dor da perda. Annie Graham (a incomparável Toni Collette) é uma artista que vive em uma casa imensa com o marido (Gabriel Byrne), o filho adolescente, Peter (Alex Wolff), e a filha caçula, Charlie (Milly Shapiro). A morte de sua mãe desperta uma presença que parece assombrar a todos.

Nesse ponto, Aster surpreende a cada nova cena, empurrando a família em uma espiral de desespero, com a subsequente morte de Charlie revelando facetas da vida privada de sua avó. "Hereditário" então mantém uma escalada inquietante que resvala em adoração demoníaca e na certeza que a morte pode ser apenas o começo para a danação. Acredite, você não vai conseguir tirar as imagens perturbadores de sua mente por muito tempo. (Prime Video)

O QUE FICOU PARA TRÁS
(His House, Remi Weekes, 2020)

terror house - Netflix - Netflix
'O Que Deixamos Para Trás'
Imagem: Netflix

Remi Weekes é uma revelação. Sua estreia na direção de um longa, "O Que Ficou Para Trás", é a maior prova que o triunfo de um filme está em suas ideias e na forma como elas constroem uma conexão com o público. Além de ser o terror mais surpreendente do ano, é uma variação original em torno da boa e velha casa mal assombrada.

Os fantasmas que assombram o casal Rial (Wunmi Mosaku) e Bol (Sope Dirisu) podem ser reais ou a materialização de traumas de seu passado recente. Refugiados do conflito civil no Sudão do Sul, eles perderam sua filha na travessia do Mediterrâneo e agora tentam reconstruir sua vida em uma casa cedida pelo governo inglês nos subúrbios de Londres.

Existem condições para ter asilo concedido, como não deixar o imóvel, de móveis dilapidados e condições insalubres, não arrumar emprego e não se envolver em encrencas. Mas as paredes ocas aos poucos revelam uma presença maligna que coloca seu futuro no novo país em risco.

Weekes usa o espectro pavoroso da experiência de refugiados que perderam sua pátria para construir uma atmosfera inquietante causada pelo horror da guerra e pelas decisões trágicas que podem acompanhar pelo resto da vida. "O Que Ficou Para Trás", com seus fantasmas perdidos e entidades malignas sufocantes, mostra que o verdadeiro terror ainda está na vida real. (Netflix)