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Roberto Sadovski

'Oi, Sumido!': Quase vinte anos depois, 'Cidade de Deus' ainda dói na alma

Colunista do UOL

05/10/2020 02h55

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Quando eu e minha editora, Liv Brandão, levamos a ideia do programa "Oi, Sumido!" ao UOL, a intenção era promover encontros nostálgicos com recortes de cultura pop que fizeram parte de nossa história. A inspiração era o "Reunited Apart", em que o ator Josh Gad reuniu o enelco de vários filmes marcantes, e da reunião dos protagonistas de "The Wonders - O Sonho Não Acabou". Deu certo, e os quatro primeiros episódios do "Oi, Sumido!" serão agora acompanhados de mais uma série. Eba!

A verdade, aqui do meu lado, era que a missão fora cumprida. Apesar do prazer imenso que foi juntar a uma turma dos primórdios da MTV no Brasil, da primeira temporada de "Malhação" e das pessoas que fizeram o "Castelo Rá-Tim-Bum" (todos os vídeos você encontra mais embaixo), o encontro que eu mais queria fazer era com o elenco de "Cidade de Deus". Foi também o que bateu mais forte. Porque ainda é, quase duas décadas depois, um retrato agridoce do Brasil.

Vamos tirar isso da frente de cara: "Cidade de Deus" é, de longe, o filme mais importante da históra do cinema brasileiro. O melhor, o mais bem acabado, o mais impactante, o primeiro que representa o audiovisual brasileiro além de nossas fronteiras. Martin Scorsese já teceu elogios ao trabalho de Fernando Meirelles. Ano passado, quando conversei com Danny Boyle, o filme ocupou um naco considerável do papo. Se você buscar listas internacionais dos filmes mais importantes do século 21, lá estará "Cidade de Deus".

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Alexandre Rodrigues como Buscapé em 'Cidade de Deus'
Imagem: Reprodução

Colocar Fernando Meirelles no programa era essencial. Mas o que queríamos era também trazer parte do elenco. Justamente os rostos mais em evidência do filme. Justamente aqueles que o Brasil estranhamente não dá a importância devida. Estivéssemos nós em um país que valoriza seus talentos, Alexandre Rodrigues (Buscapé), Leandro Firmino (Zé Pequeno) e Renato de Souza (Marreco) estariam na ponta da língua em qualquer bate-papo sobre os grandes atores do audiovisual brasileiro. Encarando qualquer papel em qualquer filme. Sem estereótipos, sem repetir que uma vez espelhou sua própria vida.

Falamos muito sobre racismo estrutural como se fosse algo distante, um conceito que passa ao largo do "cidadão médio". É uma mentira. O Brasil é um país extremamente racista, em que uma empresa que promove ações afirmativas para aumentar a diversidade em suas posições de chefia é prontamente vilipendiada pelo "cidadão médio". Um país em que a história mostrada em "Cidade de Deus" continua refletindo a realidade de muitos pedaços do Brasil. QUase duas décadas. E avançamos tão pouco.

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Leandro Firmino como Zé Pequeno em 'Cidade de Deus'
Imagem: Reprodução

Isso, claro, é papo de crítico indignado. "Mimimi", muitos diriam. A verdade é que muitos artistas, muitos profissionais que tiveram um start como essa turma de "Cidade de Deus" teria todos os motivos para enxergar o mundo através de uma lente amargurada. O que encontramos foi o oposto: atores orgulhosos de seu trabalho, precisos em perceber o legado do qual fazem parte. Zero rancor. Zero amargura.

A conversa terminou em um tom positivo, uma reunião peculiar de amigos que há muito não se falavam, e que tiveram aqui a oportunidade de relembrar experiências, dar risadas, trocar contatos há muito perdidos. Eu e a Liv observamos com total reverência. Foi uma experiência agridoce e inesquecível. Que o "Oi, Sumido!" possibilitou compartilhar com cada um de vocês.

Espero que gostem!