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Opinião

No fim, Bella Campos foi o menor dos problemas de 'Vale Tudo'

Quase um ano antes da estreia do remake de "Vale Tudo", a novela já era notícia com certa regularidade nos meios de comunicação e gerava comoção nas redes sociais. O debate mais acalorado gerava em torno das possíveis escolhidas para viver Mária de Fátima e Odete Roitman.

A escolha de Bella Campos para assumir o papel que foi de Glória Pires gerou críticas imediatas, mas, olhando em retrospecto, percebemos que a atriz foi o menor dos problemas da nova versão do folhetim.

Desde a estreia do remake, defendi nesse espaço o direito de Manuela Dias fazer alterações na obra original para que "Vale Tudo" conseguisse dialogar melhor com a sociedade atual. O Brasil mudou demais do fim dos anos 1980 para cá, e, embora a premissa da novela ainda faça muito sentido nos dias de hoje, reproduzir fielmente o que foi escrito por Gilberto Braga, Aguinaldo Silva e Leonor Bassères faria a nova versão soar anacrônica em vários momentos.

Nos primeiros meses de exibição, a discussão sobre honestidade ainda pautava os capítulos. A espinha dorsal da obra original ainda era o norte da trama. Os incômodos do remake giravam em torno de situações inverossímeis, como as atitudes de Maria de Fátima para se tornar influencer, e de alterações tolas que não acrescentavam nada à história, nem faziam a novela evoluir, como a diabetes e o passado black block de Solange (Alice Wegmann), a rotina fitness de Afonso (Humberto Carrão) e a subtrama de tráfico de animais silvestres envolvendo Cecília (Maeve Jinkings) e Laís (Lorena Lima).

Com o tempo, porém, "Vale Tudo" esvaziou a temática da honestidade, gerou o apagamento de Raquel (Taís Araújo) e a novela se perdeu em temas banais, como a febre dos bebês reborn, ou abordou assuntos atuais sem qualquer aprofundamento, como a assexualidade de Poliana (Matheus Nachtergaele), a carreira de modelo de Eunice (Edvana Carvalho) e a adoção de Sarita por Laís e Cecília.

Uma exceção nesse mar de subtramas pouco exploradas foi o drama da pensão alimentícia vivido pela personagem Lucimar (Ingrid Gaigher).

Outro ponto fraco de "Vale Tudo" foi o excesso de Deus ex machina (jargão que usamos em roteiro para soluções inesperadas que surgem para resolver alguma questão em uma história). O melhor exemplo disso foi a namorada de Sardinha (Lucas Leto), que nunca foi mencionada e só apareceu na novela para que ele pudesse flagrar Maria de Fátima e César (Cauã Reymond).

Apesar de todos os tropeços, é inegável que houve alguns acertos no remake de "Vale Tudo". Ao esvaziar o tema da honestidade, Manuela Dias pôde suavizar as personalidades dos vilões.

Com Odete Roitman (Deborah Bloch) mais irônica e predadora sexual, e César mais abobalhado, a autora conseguiu usar esses personagens para dialogar ativamente com as redes sociais. Foram centenas os memes de Odete e César que inundaram a internet.

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Entre as novidades positivas do remake, vale mencionar também a trama inédita envolvendo Leonardo (Guilherme Magon). Embora flerte fortemente com a inverossimilhança, essa história instigou a curiosidade do público e movimentou a novela. Outro acerto foi o perfil no Instagram de Maria de Fátima, que gerou engajamento e ajudou a atrair um público jovem para a novela.

Ainda que de maneira torta, "Vale Tudo" mobilizou o público, aumentou a audiência do horário e explodiu de faturamento. Foi um sucesso? Com certeza absoluta. Foi uma novela memorável? Talvez sim, mas não pelos mesmos motivos que fazem "Vale Tudo" original ser amada e reconhecida há quase 40 anos.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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