Ricky Hiraoka

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Reportagem

'Guerreiros do Sol': Banditismo e repressão continuam atuais após 100 anos

Responsáveis por sucessos como "Amores Roubados", "Onde Nascem os Fortes" e "Onde Está Meu Coração", George Moura e Sergio Goldenberg assinam a nova aposta da Globoplay, a novela "Guerreiros do Sol". Em 45 capítulos, a obra recontar de forma fictícia o que foi o cangaço entre as décadas de 1920 e 1930.

Com uma produção esmerada e um elenco recheado de rostos conhecidos, como Daniel de Oliveira, Alinne Moraes, Nathália Dill, Isadora Cruz e Alexandre Nero, "Guerreiros do Sol" aposta numa narrativa que mistura romance, aventura, sexo e violência para atrair o público e virar assunto nas redes sociais.

George Moura e Sergio Goldenberg falaram com a coluna. Os melhores trechos da conversa estão abaixo.

Por que escrever sobre o cangaço? Qual a motivação de vocês?
George Moura:
"Fomos buscar o cangaço com o desejo de entreter e fazer reflexão sobre o Brasil. Naquele espaço mítico do sertão, tão rico e tão importante na formação do Brasil, temos conflitos que ainda estão presentes no dia de hoje, como o arcaico X moderno. "Guerreiros do Sol" é uma história de amor em tempos de guerra, que retrata a formação do Brasil moderno e tenta compreender as diferenças que o Brasil vive hoje. Usamos o cangaço para falar do Brasil atual, para falar de nós mesmos em 2025".

Sergio Goldenberg: "As pessoas não têm ideia, mas o cangaço ocorreu durante quase dois séculos no Brasil. O audiovisual brasileiro retrata pouco o cangaço. Muito do que a gente vê ali (no cangaço), como a configuração de forças e poder estão presentes na nossa vida cotidiana hoje em dia.

Há um desejo de fazer um espelhamento entre a sociedade atual e a que vemos em "Guerreiros do Sol"?
George Moura:
"Não tenha a menor dúvida disso. 'Guerreiros do Sol' tem a questão do banditismo, a questão da polícia reprimindo de maneira arbitrária, a influência da igreja nesse conflito, as pessoas subjugadas à lei do mais forte. Esse caldeirão, essa panela de pressão permanente, a genealogia da ferocidade, tudo isso ainda existe no Brasil de 2025."

Sergio Goldenberg: "Vemos uma situação em que Josué (Thomas Aquino) compra armas de um fazendeiro que, por sua vez, tinha comprado as armas do Exército, algo que remete aos dias de hoje."

Sergio Goldenberg, Mariana Mesquista, Dione Carlos e George Moura
Sergio Goldenberg, Mariana Mesquista, Dione Carlos e George Moura Imagem: Manoella Mello/Globo

Vocês abordam dois temas que costumamos ver em novelas contemporâneas: homossexualidade feminina e câncer de mama. Por que trazer esses assuntos numa novela de época?
George Moura:
"Tanto o streaming quanto a TV aberta absorvem bem essas temáticas. Temos o desejo de lançar novo olhar sobre o cangaço. Botar uma mulher (personagem de Alinne Moraes) que foge de uma relação abusiva e tenta afirmar a importância do voto feminino é uma história dissonante. Temos esses desejos de tratar temas menos óbvios no universo do cangaço."

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Sergio Goldenberg: "É importante entender o Brasil daquela época, entrar nas casas, ver como essas mulheres viviam, mostrar como uma mulher vulnerável com uma doença desconhecida (câncer de mama) se impunha diante de um marido policial, tudo isso nos ajuda a entender como viviam aqueles sertanejos e como eles se projetavam nos cangaceiros."

Que ousadias uma novela feita originalmente para o streaming permite se compararmos com uma produção de TV aberta?
George Moura:
"Por ser uma obra fechada com número de capítulos e menos personagens, você trabalha mais profundamente a relação entre os personagens. Não tem tanta a relação dos núcleos, dá para trabalhar de uma maneira mais vertical. A reiteração pode ser mais reduzida e a ousadia em termos de sexo e violência tem uma mirada mais longe."

Sergio Goldenberg: "Esse projeto, a gente espera que tenha um público bastante diversificado. Nosso projeto anterior, 'Onde Está Meu Coração', era muito mais pesado, lidava com dependência química. A gente tinha receio de o público não aguentar, mas foi ao contrário. Ele foi capturando vários nichos e ele foi como uma onda, todo mundo foi lembrando de alguém que teve dependência química."

George Moura: "No caso de 'Onde Está Meu Coração', à época que ele foi exibido na Globoplay, ele bateu todos os recordes de audiência de uma série de dez episódios na plataforma."

Em geral, séries e novelas tentam dialogar com as redes sociais, porque a repercussão online virou um dos termômetros de sucesso. Houve essa preocupação de viralizar ou de virar assunto na internet quando vocês criavam e escreviam "Guerreiros do Sol"?
George Moura:
"Nós dois somos jornalistas. Temos noção clara de lead (jargão jornalístico para o primeiro parágrafo de uma notícia, que informa "o quê?", "quem?", "quando?", "onde?", "como?", "por quê?" de um fato). Trabalhamos na dramaturgia com dois movimentos. Pegamos um tema, pesquisamos, investigamos e temos uma preocupação de fazer uma dramaturgia que engaje, que prenda a atenção e fidelize o olhar. A partir dessa perspectiva, isso vai para a rede social. Nossa escrita não visa a rede social, mas temos o desejo de alcançar o número de pessoas e de ampliar o olhar das pessoas, de dar o que as pessoas não sabem que querer ver. Isso ecoa no coração, na cabeça e na rede social."

Vocês dois passaram pelo extinto Linha Direta, que sempre teve crimes reais como matéria-prima. Por que vocês acreditam que séries baseadas em crimes reais viraram uma febre nos últimos anos?
George Moura:
"Acho que o interesse pelo true crime vem do fascínio que o ser humano tem com a sombra do ser humano. Por mais que a gente rejeite nossos aspectos sombrios, temos um fascínio por isso. A dramaturgia serve para lançar luz sob aspectos mais sombrios do ser humano, esse fascínio pelo sombrio motiva muita a audiência.

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Sergio Goldenberg: "Os crimes, sobretudo esses midiáticos, vêm de situações emocionais extremas. Esses crimes permitem chegar em camadas da alma que a gente não alcança tão facilmente, como o ódio, a raiva, impulsividade. No Brasil, tem que ter muito cuidado (como abordarmos crimes reais), porque a TV aberta tem responsabilidade social muito grande, as pessoas espelham suas escolhas e passam a justificá-las a partir do que elas veem."

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