'Viam como obra nichada': criador de 'Sintonia' revela como série virou hit

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Desde que a Netflix lançou a quinta e última temporada de "Sintonia", no último dia 5, a série permanece entre as 10 produções mais vistas no Brasil. A produção, que narra as histórias de Nando (Christian Malheiros), Rita (Bruna Mascarenhas) e Doni (Jottapê), encerra sua trajetória com grandes feitos: é o produto original brasileiro mais longevo da Netflix e alcançou por diversas vezes o primeiro lugar no Top 10 Global de séries de língua não inglesa.
O roteirista e produtor Felipe Braga, que desenvolveu a série junto com Kondzilla e o roteirista Guilherme Quintella, conversou com a coluna.
"Sintonia" é um sucesso desde a estreia. Como você explica a boa aceitação da série? Quais fatores foram essenciais para "Sintonia" ser tão bem-sucedida?
Quando uma obra vira hit e a gente olha para trás, para sua origem, os ingredientes que explicam seu sucesso parecem um tanto evidentes, quase óbvios a posteriori. Mas a verdade é que ninguém sabe o que faz um hit. Pode parecer piada, mas "Sintonia" soava para alguns como uma obra nichada, algo que só dialogaria com um público mais paulista, inserido na cultura de funk que a KondZilla representava então. O Kond, no entanto, sabia que essa voz que vinha da quebrada era o futuro --que essa noção de periferia global, profundamente jovem e empreendedora, não só representava milhões de pessoas como traduzia um espírito do tempo que à época ninguém havia identificado ainda.
"Sintonia" não era uma narrativa nichada, mas profundamente universal, e esse, na minha opinião, foi o principal motor do seu sucesso. A maior surpresa trazida pelo projeto, uma que transformou a TV brasileira, é a oralidade representada nos episódios, na boca dos personagens, que à época do lançamento da primeira temporada surgiu como algo absolutamente novo e original —apesar de ser realidade no país inteiro.
"Sintonia" é um caso raro de série brasileira que ultrapassa a segunda temporada. Boa parte dos projetos nem sequer chegam a ter a primeira temporada renovada. Por que ainda temos dificuldade de emplacar projetos mais longevos?
É difícil dizer, sem soar simplista, mas a experiência do "Sintonia" sugere dois fatores que foram determinantes para o sucesso do projeto e que, não raramente, faltam a outras produções que lançamos no país: um comprometimento sério do player/canal com esforços de marketing, garantindo visibilidade ao produto; e uma conexão real com a audiência, com seu cotidiano. Quantos projetos brasileiros foram colocados no ar sem serem propriamente lançados, com uma campanha que o apresentasse ao público? Quantos projetos brasileiros (e não só brasileiros, isso é um problema global) fracassam porque ninguém no público se identifica com as histórias contadas ali?
"Sintonia" foi desenvolvida e estreou em um momento de euforia da nossa indústria audiovisual, em que trabalhávamos com investimentos (ou com a promessa de investimentos) maciços feitos pelas diferentes plataformas e havia muitas séries sendo desenvolvidas ao mesmo tempo. Hoje, o cenário é outro e o funil de aprovação parece que está cada vez menor. Quais são as dificuldades de emplacar uma série atualmente?
Esta retração no número de projetos em desenvolvimento não é um fenômeno brasileiro, e é observado mundo afora ---sobretudo nos EUA, que vive ainda um contexto desafiador infligido por consolidações no mercado de entretenimento. Hoje, para emplacar uma série, dois fatores são indispensáveis: saber levar não na cara e seguir adiante tentando; e ter um produto que realmente coloca a audiência no centro da narrativa, falando diretamente sobre sua vida.
Recentemente, tivemos a estreia de "Beleza Fatal" na Max, que tem feito sucesso com o público. Como você vê a produção de novelas pelo streaming? É um caminho para aumentar o número de assinantes e fidelizar o público?
É importante ter a coragem de bancar novas experiências, aprender com os resultados, entender as reações do público. Novelas não são exatamente algo "novo", mas "Beleza Fatal" também traz inovações em relação ao modelo tradicional de novela. O importante, neste debate, é reconhecer a vocação da dramaturgia brasileira para o melodrama e sua capacidade de se comunicar com o público de uma forma direta e poderosa.
Estamos vivendo a era dos seguidores em que, muitas vezes, a popularidade nas redes sociais determina a escalação de um elenco. "Sintonia" fez o caminho contrário. Apostou em rostos desconhecidos e, mesmo assim, tornou-se um hit. Como produtor e diretor, como você encara o fator Instagram/TikTok que, em alguns casos, são impostos para viabilizar projetos?
Eu reconheço a força de um grande nome, conhecido pelo público, no portfólio de um projeto, agregando credibilidade e visibilidade a ele. Quanto maior o projeto, mais eles parecem necessários para diminuir riscos. A questão da importação de figuras das redes sociais para filmes e séries, contudo, soa mais como uma falta de criatividade de produtores e executivos do que uma solução que traz resultados empiricamente comprovados.
Além disso, há décadas a indústria do entretenimento insiste nessa experiência de trazer figuras de sucesso de "outras mídias" para filmes e séries, com resultados no mínimo ambíguos. Quantos e quantos filmes tentaram emplacar a Madonna no elenco, sem convencer o público? Ou mesmo figuras do esporte, que nunca colaram? As figuras saídas de redes sociais me soam muito como uma atualização dessa prática. Um elenco todo novo, repleto de novidades, pode ser uma grande força de um filme ou série, mas é importante que isso seja trabalhado no lançamento. No caso do "Sintonia", a Netflix soube explorar esse aspecto do projeto.
A regulamentação do streaming já é uma realidade em vários países da Europa, mas a questão ainda caminha a passos lentos no Brasil. Como essa regulamentação vai ajudar nossa indústria e qual você acredita que é o modelo ideal para nosso país?
O modelo ideal, a essa altura, é aquele que consegue ser aprovado no Congresso Nacional. Além disso, há experiências de regulamentação mundo afora que podem e devem ser aplicadas no Brasil como uma base mínima a ser respeitada enquanto elaborações maiores, que dependem de consensos políticos mais complexos, são debatidos. O que observamos no Brasil, na discussão em torno da regulamentação do streaming, é um exemplo clássico daquela expressão "o ótimo é inimigo do bom."
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