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Renata Corrêa

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Super meninas contra o baixo astral

26.07.2021 - Jogos Olímpicos Tóquio 2020 - Skate - Categoria Street -  Na foto a atleta Rayssa Leal, medalhista de prata durante cerimônia de premiação. Foto: Wander Roberto/COB - Wander Roberto/COB/Wander Roberto/COB
26.07.2021 - Jogos Olímpicos Tóquio 2020 - Skate - Categoria Street - Na foto a atleta Rayssa Leal, medalhista de prata durante cerimônia de premiação. Foto: Wander Roberto/COB Imagem: Wander Roberto/COB/Wander Roberto/COB

Colunista do UOL

26/07/2021 09h53

Meu coração estava disparado e eu não conseguia desgrudar os olhos da tela. O ano era 1996, Sandra e Jaqueline disputavam o ouro no vôlei de praia com outra dupla brasileira: Adriana Samuel e Monica Rodrigues. Era a verdadeira definição de tanto faz: ganhasse quem ganhasse, seria a primeira medalha de ouro feminina para o Brasil em cem anos, um feito que iria ficar para a história. Sandra e Jaqueline ganharam a partida e eu comecei a chorar de emoção, de alegria, de orgulho. Parecia que eu mesma estava na areia.

Não foi o começo da minha paixão pelos jogos Olímpicos. Nos jogos de Barcelona eu e meus primos estávamos obcecados com a geração de vôlei de quadra masculino, e víamos as partidas gritando "ai ai ai ai em cima embaixo puxa e vai" enlouquecendo os adultos da casa, e ficamos apaixonados por Rogério Sampaio do judô e Gustavo Borges na natação. Para uma criança um atleta olímpico é um herói que fez uma brincadeira dar muito certo. A gente fingia que era X Men, tubarão e Giovani.

O que tinha de diferente em 1996 para mim era a tal da "representatividade". Não tinha esse nome ainda, mas o coração já sentia. Ver quatro mulheres brasileiras na quadra disputando os lugares mais altos no pódio fez com que ser menina fosse menos chato, menos limitante. Eu nunca quis ser atleta, mas naquele momento meus horizontes se expandiram mais um pouco, mais possibilidades se abriram. E talvez por isso eu não consegui conter as lágrimas e na segunda-feira quando fui para escola, levei recortes de jornal para as minhas amigas, com todas as matérias que eu encontrei sobre vôlei de praia. Era legal ser mulher. Ser brasileira!

Chegamos ao Jogos de 2021 em luto, sobreviventes de uma pandemia que atrasou as Olimpíadas de Tóquio por um ano e vitimou milhões de pessoas ao redor do mundo. Jogos sem plateia, com distanciamento, com equipes reduzidas. Parecia que essa explosão de emoção e alegria não iam dar as caras. Mal o brasileiro sabia que assistir meninas e jovens mulheres no esporte era tudo que a gente precisava para recuperar a nossa esperança.

Em um momento que ser brasileiro é uma mistura de tristeza, vergonha e desespero a gente pode ter um respiro, ao lembrar que o Brasil é maior, bem maior, que a vergonha política, o centrão, o caos econômico, a doença. Um Brasil onde Rebeca Andrade faz um solo perfeito ao som de "Baile de favela" e onde Rayssa Leal disputa uma final no skate sorrindo e dançando nos intervalos e ganha a prata, é um país que vale a pena.

Quando eu tinha treze anos, Sandra e Jaqueline me ensinaram que uma menina podia ser muito mais que aquela que ficava em uma arquibancada. Hoje eu tenho trinta e oito anos e meninas me relembraram que o Brasil é muito mais do que o buraco que nos enfiaram. É um país que podemos disputar, nos orgulhar e fazer renascer.