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Pedro Antunes

Álbum da Lorde é um Luau MTV adoravelmente hipster

Colunista do UOL

20/08/2021 12h16

Numa das grandes reviravoltas musicais de 2021, os fãs da cantora Lorde criaram uma justificativa para a não-aclamação de "Solar Power", o terceiro, ótimo, estranho e hippie álbum da artista neozelandesa.

O tuíte, já apagado, mas que viralizou por aí, trazia este texto:

"Ninguém é obrigado a gostar do álbum, tá? O que estamos constatando aqui é que o 'Solar Power' é um álbum MUITO conceitual, então está muito atrelado a sua proposta. Compará-lo a qualquer outro trabalho, sendo da Lorde ou não, não fará você aprecia-lo corretamente."

Fiquei na dúvida se o que li era verdade ou se o colunista José Simão, da Folha de S. Paulo, virara crítico de música para criar tal pérola.

Aquele parágrafo ganhou o Twitter e, agora, tem um monte de gente repetindo a frase, mudando o novo do artista e o respectivo álbum.

Sobrou até para a Companhia do Calypso, tadinhos.

Acompanhar o nascimento de um meme é bom demais, né?

O fato é que, na acirrada disputa entre fã-clubes de diferentes artistas do pop e nesta acrítica devoção contemporânea, a realidade precisa ser dobrada, esticada ou transformada até que o pior dos álbuns seja motivo de louvor.

E, vou contar um segredo para vocês, não precisa ser louvado coisa alguma.

Grandes artistas já lançaram discos péssimos (aliás, isso vale uma lista, né?). Álbuns em que ouvíamos três músicas e desistimos. Algumas vezes, o referido disco até passava a fazer sentido anos depois, quando se compreendia a ideia por trás da coisa toda. Noutras, só era ruim, mesmo.

Mas por sorte da Lorde e do fã-clube, "Solar Power" está longe de ser ruim. Só difere de tudo o que a neozelandesa já fez. Possui uma proposta completamente oposta a tudo o que foi apresentado por ela nos álbuns anteriores e isso choca.

Historicamente, é um movimento que faz sentido. No terceiro álbum, o artista de sucesso despiroca à vontade e faz o que lhe der na telha, principalmente se este vier depois de dois trabalhos elogiados e, geralmente, muito semelhantes. (E a regra também funciona para quem deu dois tiros n'água, também).

Lorde não tem mais 15 anos. Não veste mais preto. Não se sente tão dramática. Não está tristinha demais, nem solitária, nem angustiada. Não faz sentido, portanto, supor que ela seguirá emulando uma fórmula adolescente aos 24 anos.

Espere, fã, quando ela fizer 27, 28, entrar nos 30 anos e tudo vai mudar de novo.

Esta é a beleza de acompanhar uma discografia em construção e perceber o caminho. Nem sempre agrada ou condiz com as nossas próprias expectativas. Nem sempre é um acerto. "Melodrama" é uma obra-prima. "Pure Heroin" é um vislumbre de uma estrela em ascensão.

"Solar Power" é?. Um descanso. Um outro olhar para o mesmo mundo que, anos atrás, era triste, melancólico e solitário.

E, principalmente, é um descarrego. Lorde dá nos ombros para a obrigatoriedade pela transcendência constante. É o bom e velho "foda*-se" musical.

Enquanto os outros discos soavam noturnos, góticos, este álbum tem sabor de uma manhã delicinha de verão. E a chave para entender este disco está em "Big Star", um tema escondido lá como 9ª faixa do disco.

A música é muito autoconsciente, como quase tudo que Lorde faz, mas a cantora se apresenta assim: "sou uma traidora, eu minto e eu sou tímida", canta Lorde, acompanhada por tons mais sintéticos da época de "Melodrama" e pelo clima acústico e otimista de "Solar Power".

E o terceiro álbum da Lorde precisa, de fato, de uma escuta atenta, o tal "deep listening", para que cada camada e detalhe se apresente (um par de bons fones de ouvidos também são aconselháveis para ouvir melhor a linha de baixo de "Oceanic Feeling", por exemplo).

Sem a devida atenção, "Solar Power" pode soar monótono pela falta de curvas bruscas em sua construção. Não é, de fato, um rally emocional em um carro 4x4. Está mais para 30 e tantos minutos de meditação às 5h, ao nascer do sol, entende?

As letras ora otimistas, ora desesperadoras, são reflexivas e, principalmente, apresentam uma evolução de Lorde como cronista de si, em vez de tentar condensar a voz de todos da sua geração nas suas letras, o que também é extremamente positivo.

Despreocupada, Lorde curte um verãozão vacinadíssima em uma vibe hippie - um encontro entre a personagem da fada sensata e aquele tilelê hypster paulistano, que toma sol na varanda do apê da Santa Cecília, tem samambaia, adora um chão de taco e um pôster de "sou latino-americana/o", manja?

Talvez a turma mais jovem não se lembre da programação de verão da MTV quando a emissora se importava mais com música do que com pegação. Mas, na temporada praiana, eram gravados as edições do Luau MTV. Entre 1996 a 2004, participar desta programação era concorridíssimo. Charlie Brown Jr. (em 1999) e Los Hermanos e Cássia Eller (ambos 2002) fizeram algumas das apresentações mais icônicas deste formato.

E "Solar Power" tem um quê de "Luau MTV", com todas as virtudes e possíveis falhas, mas mais hipster, com uma produção polida e tudo muitíssimo bem acabado.

Esteticamente, Lorde sugere viver o presente e deixar as revoluções trevosas para trás. Se ela não é a mesma de 9 anos atrás, porque cobrá-la disso?

Ou, pior, exigir que ela fizesse um disco com pegada X ou produção Y. Se a Lorde que a gente aprendeu gostar se tornou um fenômeno ao fazer exatamente o que lhe deu na telha, porque há de ser diferente agora?

E "Solar Power" não precisa ser visto como esta obra "super conceitual", também. Se é uma diversão para a artista, precisa ser uma diversão para quem escuta também. Para os melodramáticos, "Melodrama" segue ali.

Gostei da vibe despretensiosa da Lorde tilelê. De drama, já basta a gasolina a R$ 6,20 e as coisas que Sérgio Reis anda falando por aí.

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