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Pedro Antunes

Ainda vale a pena ser gado do Kanye West?

Já ouviu a palavra de Kanye West hoje?  - Montagem: Pedro Antunes
Já ouviu a palavra de Kanye West hoje? Imagem: Montagem: Pedro Antunes

Colunista do UOL

28/07/2021 17h10

Sem tempo?

  • Ser gado do Kanye West me lembra do tempo em que, apaixonado pelas promessas do primeiro beijo na boca, fui gado de uma garota na pré-adolescência.
  • A gente sabe que vai se decepcionar, mas segue insistindo no erro com algumas migalhas de gentileza e afeto.
  • Kanye prometeu um novo álbum, Donda, para a sexta-feira passada (dia 23), mas até agora nada.
  • Aparentemente, ele está morando em um vestiário do estádio em Atlanta, onde fez a primeira exibição do álbum, para finalizar o disco.
  • Mas você ainda acredita? Vale a pena ser gado de Kanye West?

Acordei cedo na sexta-feira passada (dia 23) e, antes mesmo de sair debaixo das cobertas, ainda escuridão do quarto, pedi para a Alexa tocar o novo álbum de Kanye West.

"Não foi possível encontrar o novo álbum de Kanye West", respondeu-me o aparelho da Amazon.

Posso jurar que senti um tom de deboche na voz do robô, mas jamais poderei provar isso.

Kanye é o único artista que me faz voltar a ser aquele menino pré-adolescente que, apaixonado por uma garota um ano mais velha, a Dora ou Dorinha, acreditava nas promessas de que um dia daríamos uns beijos atrás da árvore dos amassos que ficava em um lugar escondido do campus da escola.

O fato é que, mais uma vez, Kanye prometeu e não cumpriu. Disse que o décimo disco se chamaria "Donda" em homenagem à mãe, Donda West, morta em 2007, e seria lançado no dia 23 de julho.

E uma versão de "Donda" ganhou vida naquela noite. Para quem estava no Mercedes-Benz Stadium, em Atlanta, para a audição/ego-trip e para aqueles conectados via Apple Music que tiveram a oportunidade de assistir à performance.

Aos outros, mortais, imortais e dorminhocos, restaram trechos vazados e de qualidade duvidosa.

E quem assistiu à apresentação de casa sentiu que alguns pontos ainda precisavam ser lapidados. A sensação é que alguém colocou um microfone do lado de uma caixa de som ali no estádio. Segundo a revista Variety, Jay-Z só tinha gravado a participação horas antes e precisava finalizá-la.

Possivelmente "Donda" não estivesse terminado e talvez nunca esteja. "Life of Pablo", álbum de West de 2016, já foi um disco com o que eu chamo de "gestação televisionada", já que foi sendo publicado e atualizado, conforme as novas mudanças de Kanye.

West tem uma genialidade difícil de compreender. Difícil até para o próprio, mesmo. Será que ele também se sente perdido entre tantos impulsos criativos espontâneos?

E, mesmo assim, a cada novo álbum, ele rompe alguma barreira que ninguém sabia que poderia ser destruída. De "The College Dropout" (2004) para "Late Registration" (2005), por exemplo. Ou com essa sequência de álbuns de fazer inveja qualquer artista na história, "Graduation" (2007), "808s & Heartbreak" (2008), "My Beautiful Dark Twisted Fantasy" (2010) e "Watch the Throne" (com Jay-Z, 2011).

"Donda", por exemplo, é sucessor de "Jesus Is King", que mesmo sendo um álbum popular, é realmente inspirador.

Ainda assim é difícil de ser gado de Kanye West, sem dúvida. Não só pelos comentários absurdos (como quando ele defendeu Donald Trump e falou sobre "escolha da escravidão") ou pelo receio de ver ele repetir a vez em que invadiu o palco para protestar contra a vitória de Taylor Swift sobre Beyoncé, no VMA de 2009, mas pelas promessas artísticas não cumpridas.

O sagaz repórter Guilherme Lúcio da Rocha, de UOL Splash, acabou de publicar uma sequência que me lembrou de outras vezes em que acordei esperando por Kanye West e ele não entregou o prometido.

De turnê com Lady Gaga a jogo de videogame, West teve mil ideias ótimas que nunca conseguiu tirar do papel. Você pode sacar todas aqui.

Hoje surgiu uma foto de um suposto dormitório de Kanye West no estádio. O que me faz acreditar que ele estaria morando por lá para finalizar o disco.

"Donda" existirá mais uma vez ou será uma obra única, exibida naquela noite e que desapareceu para sempre? Eu acharia genial se assim fosse, inclusive, desde que este fosse o combinado desde o início. Que fosse uma espécie de obra viva, que nasce, cresce e morre na nossa frente, noite após noite.

Em tempos de amores e relações tão liquefeitas, incrível seria se a arte evaporasse como um nude enviado nas redes sociais, que só pode ser visto uma vez.

Mas é cada vez é mais difícil de acreditar no que promete Kanye West. Lembro que eu e Dorinha nunca demos aquelas beijocas, mas isso não me incomoda mais.

Eventualmente, desencanei dela, conheci outras pessoas e a minha vida afetiva seguiu por novas soluções e problemas após conquistar o difícil primeiro beijo na boca.

Todo mundo tem uma Dorinha para chamar de sua, não é? Depois de muito ou pouco esforço, a gente deixa de ser enrolado e parte para outra.

Será que, um dia, largaremos Kanye para trás, também?

Meu "eu-gado" espera que não, mas o meu "eu-pós-Dorinha" diz que há vida depois disso.

E agora?