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Pedro Antunes

Por que Felipe Neto cobra posicionamento de sertanejos contra Bolsonaro?

Felipe Neto reclamou do silêncio dos sertanejos sobre o governo Bolsonaro - Reprodução
Felipe Neto reclamou do silêncio dos sertanejos sobre o governo Bolsonaro Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

29/04/2021 13h54

A polêmica da vez: Felipe Neto (sempre ele?) quer que sertanejos se oponham ao governo de Jair Bolsonaro.

Claro, razões para se opor ao governo temos aos montes.

Eu, Felipe Neto, Gusttavo Lima, Jorge & Mateus e qualquer outro que viva neste País em que quase 400 mil pessoas morreram de Covid-19 e onde se gastou quase R$ 90 milhões na compra de remédios ineficazes na luta contra o coronavírus, como noticiado pela BBC Brasil em janeiro de 2021, têm motivos de sobra para isso.

São incontáveis absurdos, você sabe. Pode escolher: é só entrar na home do UOL e encontrará ali alguma razão para gritar, mesmo que seja de máscara seguindo as regras sanitárias ou dentro de casa, de acordo com o distanciamento social necessário.

Ninguém vai esquecer o que Bolsonaro fez durante a maior crise sanitária que o mundo já viu. Nem a classe batedora de panelas, incomodada porque terá dificuldade para voltar a viajar semestralmente até Miami, nem quem perdeu o emprego, a fonte de renda e se viu sem a assistência governamental.

A CPI da Covid, inclusive, é só o primeiro passo para que o governo comece a pagar pelo que fez com o nosso futuro.

Na polêmica mais recente, o influenciador cobrou durante uma live os artistas sertanejos de não se posicionarem contra Bolsonaro. "Eu não tenho mais paciência para esse tipo de gente".

O trecho está aqui:

O influenciador, empreendedor e torcedor do Botafogo tem um ponto interessante e válido, não é?

Por que artistas do gênero sertanejo, os gigantes, não usam canais que alcançam milhões de pessoas para o bem? Por que não criticar abertamente o governo?

Oras, Felipe Neto, você pergunta, mas sabe o motivo disso.

Alguns não falam contra porque votaram no 17 na última eleição presidencial. Outros que acreditam que Bolsonaro está (cóf cóf cóf) fazendo um bom trabalho. Há quem acredite que o presidente está sendo impedido de trabalhar por conta de uma imprensa opositora.

Outros podem até ser contra Bolsonaro, mas sabem que seus fãs e seguidores são à favor dele. E isso toca em um tema sensível a todos os artistas, dos pequenos aos enormes. O "x" desta questão são os números, a audiência, o play.

Não sejamos inocentes de acreditar que os reis dos números da música deixarão seus castelos e se juntarão a nós, mortais que lutam contra os boletos armados de salários mixurucas, em prol de um bem de todos.

Infelizmente, na era da vida digital, tudo é engajamento.

Cobrar os sertanejos de um posicionamento contra o (des)governo de Bolsonaro uma mistura de excesso de inocência com uma bela aula de autopromoção.

Enquanto não houver a conscientização de quem alimenta esses números exorbitantes destes artistas, ou seja, dos fãs destes sertanejos, eles não vão reagir a Bolsonaro. É a lógica fria e desgraçada do mercado.

Um bom exemplo vem de Anitta, sempre fenomenal quando o assunto é marketing e entendimento de quem são os próprios fãs. Ela percebeu que parte dos seus seguidores se incomodava com o silêncio político da artista vinda de Honório Gurgel.

Sagaz, admitiu não ter conhecimento político o bastante para questionar o que estava acontecendo e fez, da busca deste novo conhecimento, um jeito de conseguir mais engajamento. Inaugurou lives de aulas com a jornalista Gabriela Prioli, da CNN, no Instagram, para isso.

Ou seja, Anitta aprendeu, ganhou manchetes, elevou seus números e ainda usou a enorme rede de influência que ela tinha para espalhar boa informação.

Mas Anitta é um caso de exceção. Ela tem um raciocínio mercadológico acima da média e completamente fora da curva.

Fez um bem danado à carreira e à influência de Felipe Neto quando ele começou a disparar comentários sensatos contra a turma do presidente. Os números dele também cresceram.

Portanto, é importante que Felipe Neto se posicione e que cobre reações dos outros. É o jogo dele, afinal.

Perceba, contudo, que tudo ainda gira em torno desses numerozinhos de views, compartilhamentos, etc. Seja do lado opositor a Bolsonaro ou quem é a favor do que faz o presidente.

E, sem passar qualquer pano para sertanejos que apoiam este governo de desvairados (porque compartilho da revolta de Felipe Neto), devo lembrar a todos que este não é o jogo dos sertanejos.

Seja porque a grana deles está ligada ao agronegócio, braço que apoia Bolsonaro incondicionalmente, porque eles acreditam ainda que a Covid é só uma gripezinha, ou porque os fãs deles preferem este silêncio "ensurdecedor".

Enquanto os números não despencaram - e parece que não vão, não por causa de Bolsonaro -, essa turma seguirá neste silêncio que compactua a favor de tudo isso.

E, ainda assim, existirão milhares (milhões!) de pessoas que vão preferir que seus artistas favoritos sigam fazendo lives regadas à cerveja e churrasco. "Não misture política com música", dirão muitos.

A conscientização sobre os equívocos políticos e sanitários da presidência precisa ser de baixo para cima. São os fãs que precisam cobrar os artistas sertanejos do posicionamento. E devem afetá-los onde importa, no bolso.

Caso contrário, toda a discussão é esvaziada. Transforma-se em uma "guerra de lacre".

Felipe Neto diz de um lado, o outro rebate com ironia. As torcidas já estão montadas e ninguém vai trocar de lado desse jeito. No máximo, isso tudo se transformará em uma "nova polêmica" e virar meme. E foi o que aconteceu.

Os sertanejos ironizaram. Gusttavo Lima pediu para saber quem era o influenciador, para se inteirar do assunto. O perfil @tvmeusertanejo, no Instagram, fez posts sobre o que disse Felipe Neto. Fãs e outros artistas do sertanejo comentaram com críticas ao influenciador, chamando-o de intolerante ou com xingamentos e emojis impublicáveis aqui.

No fim das contas, Felipe Neto se saiu com a imagem de influenciador sensato opositor deste governo equivocado para pessoas que já acham que ele (Felipe Neto) tenha razão.

A culpa é das bolhas e dos algoritmos? Sim, em partes.

A comunicação digital transformou nossas vozes em espelhos. Falamos com quem divide as mesmas opiniões que nós e ouvimos somente o que queremos.

Se eu fizer um texto aqui ou se um influenciador como Felipe Neto cobrar mais os sertanejos, vamos ganhar bons números dentro da nossa bolha, seremos elogiados por quem consome nossos conteúdos, compartilhados em grupos de WhatsApp e Twitter, mas não afetaremos quem ainda dá play para estes artistas no Spotify.

É esperto da nossa parte, vantajoso na era digital, mas pouco efetivo de fato para uma mudança estrutural que culmine em algo para o bem de todos.

O trabalho de quem quer se opor ao governo precisa ser de base, da mesma forma como o deputado federal cresceu e conseguiu ser eleito presidente. Precisa ser no boca a boca, precisa dialogar com o público que acreditou nele e, hoje, está apanhando dessa desgovernança.

Quem ouve, dá play e distribui views, é que terá a voz forte o bastante para cobrar pelas críticas. Como foi com a Anitta, por exemplo.

Nenhuma mudança social vai acontecer, de fato, se as falas forem direcionadas para os cegos (e mudos) do alto dos castelos.