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Pedro Antunes

Longão #3: Justin Bieber, Demi Lovato e a geração do pop que quase matamos

Demi Lovato agradece apoio de fãs após revelações sobre drogas - Reprodução/Instagram@ddlovato
Demi Lovato agradece apoio de fãs após revelações sobre drogas Imagem: Reprodução/Instagram@ddlovato

Colunista do UOL

21/03/2021 15h02

Justin Bieber e Demi Lovato, duas jovens estrelas do pop que pediram ajuda. E nós, eu e você, ninguém ouviu. Ou porque não quisemos. Ou porque não achamos que o grito era legítimo.

O canadense acabou de soltar um disco mediano, cuja melhor faixa é justamente um momento de desabafo a respeito da solidão.

Já Demi, depois de uma overdose que quase lhe tirou a vida e a fez perder parte da visão, está prestes a lançar um novo álbum, cujo título é bastante significativo: "Dancing With the Devil? The Art of Starting Over", algo que pode ser traduzido livremente como "dançando com o diabo, a arte de começar de novo". Sabemos do que ela está falando, não é?

O Longão #3 propõe um olhar para dentro e para a forma como consumimos, criticamos e endeusamos pessoas comuns jogadas para os holofotes quando jovens e, de alguma forma, passam o resto da vida tentando cumprir com as expectativas criadas em torno delas.

Aliás, os Longões são textos publicados sempre aos domingos, a partir de algum acontecimento da semana que propõe uma reflexão ou análise (neste caso, também uma autoanálise). Portanto, sirva-se de um café quentinho e vamos nessa.

Me assombrei quando ouvi "Justice", o novo álbum de Justin Bieber, lançado um ano depois de "Changes", disco considerado o tropeço gigante na carreira do ex-astro teen até aqui pela crítica.

Eis que, no novo álbum, o canadense apresenta um punhado de participações incríveis (como Khalid, Chance The Rapper, Daniel Caesar & Giveon e BurnaBoy) desperdiçadas em canções esquecíveis que misturam declarações de amor baratas, mensagens de autoajuda e momentos de pregação.

Lá pelas tantas, quando o álbum está no final, Justin Bieber deixa o mundinho de céu de brigadeiro descolado da realidade de "Justice" de lado para entrar em algo mais sincero e pessoal, com a música "Lonely". Vou colocar aqui para você ouvir:

Saca só a primeira estrofe:

"Everybody knows my name now
But somethin' 'bout it still feels strange
Like lookin' in a mirror, tryna steady yourself
And seein' somebody else
And everything is not the same now
It feels like all our lives have changed
Maybe when I'm older, it'll all calm down
But it's killin' me now"

Escrita por Justin Bieber, Benny Blanco e Finneas (compositor, produtor e irmão de Billie Eilish), a faixa faz uma retrospectiva sobre a vida de uma jovem estrela pop que é jogada para o fama e, desconectada da realidade, se perde completamente.

Para mim, esse foi o relance mais honesto e pessoal de Justin desde "Baby".

Exageros à parte, é uma música que leva a gente a pensar sobre como pegamos pesado e/ou leve demais com uma geração do pop que por pouco não morreu diante dos nossos olhos, debaixo dos nossos narizes, escolha a metáfora que quiser.

Tudo gira em torno do endeusamento de crianças e adolescentes em ascensão. Teses gigantescas de mestrado já foram criadas em torno disso, obviamente, e vimos uma porção de nomes do pop sobreviverem, com maiores ou menores danos, à fama precoce.

Britney Spears é um exemplo de quem sobreviveu às duras penas à superexposição. Ainda assim, até hoje, com 39 anos, a cantora sofre com isso, tem o fundo do poço vivido em 2007 transformado em meme e é alvo do movimento #freebritney e de toda a história de que seria controlada pelo pai.

Por sorte, Britney não viveu a adolescência na era das redes sociais, então, foi poupada de muita coisa.

Algo que a geração de Bieber (atualmente com 27 anos) e Demi Lovato (28 anos) não escapou. Pelo contrário, toda a carga foi ainda mais pesada nos ombros deles. Os erros dos dois exemplos exumados até hoje. Vez ou outra alguém lembra do que fizeram eles tempos atrás.

Criados sob a fama, Bieber e Demi Lovato pediram ajuda outras vezes, com atitudes ou com canções. A questão é:

Alguém estava ouvindo?

Demi estrela um documentário que promete ser revelador sobre o abuso de substâncias e a overdose que quase a matou em julho de 2018 ("Dancing With the Devil", a ser lançado no YouTube) e deu uma entrevista bastante profunda ao The New York Times (leia aqui, em inglês) sobre como sempre se viu pressionada a seguir padrões estéticos a partir do que o padrão social ditava.

Abaixo, o trailer do documentário - o vídeo é excessivamente performático para o meu gosto, afinal, os números ainda precisam girar, mas preste atenção na história que está sendo contada ali, ok?

A geração que está prestes a completar 30 anos viveu o pior oferecido pela popularização das redes sociais para um artista.

Fama praticamente instantânea (no caso de Justin, descoberto em vídeos no YouTube em 2007, quando tinha pouco mais de 13 anos), elogios do mundo inteiro, patrulha 24 horas por dia, o julgamento e o medo do cancelamento.

Viver uma vida pública é perigosíssimo em tempos de tribunal da internet. Veja o caso do BBB 21 - esta edição é o reflexo de uma sociedade que julga e morre de ser julgada, que se pressiona pela perfeição e surta, se desespera, se quebra em mil pedacinhos e não consegue entender quem é porque tem a sensação de vigilância e policiamento constante.

Ainda vou tratar em um Longão sobre Projota e Karol Conká, dois dos maiores artistas da edição que foram cancelados aqui fora e, agora, precisam entender como recolher os cacos das próprias carreiras depois do desastre de social media chamado Big Brother Brasil 21.

Voltemos à Demi Lovato. Saca só essa música que estará presente no novo álbum da artista:

A faixa abrirá o álbum da artista, "Dancing With the Devil? The Art of Starting Over", previsto para 2 de abril, e apresenta Demi pedindo ajuda, e basicamente, não sendo ouvida.

"I tried to talk to my piano
I tried to talk to my guitar
Talked to?my?imagination
Confided into alcohol
I?tried and tried and tried some?more
Told secrets 'til my voice was sore
Tired of empty conversation
'Cause no one hears me anymore"

(Calma, não estou sendo inocente e entendo, inclusive, que mostrar vulnerabilidade funciona hoje em dia em termos financeiros, certo?)

Qualquer que fosse a intenção de Demi Lovato aqui (lucrar com essa história, jogar luz a um problema que uma porção de outros garotas e garotos possam passar diariamente, ou ambas!), "Anyone" é um grito de socorro.

Lovato disse, novamente ao The New York Times, que sofreu a vida inteira para seguir os padrões. Bieber, em "Lonely", reclamou da solidão apesar de ser adorado por uma multidão.

Àqueles que ouvem as questões trazidas por Demi e Justin pela perspectiva de "crianças/jovens que têm tudo e ainda reclamam", é importante ressignificar esta ideia. Os casos das duas estrelas do pop têm proporções globais, é verdade, mas uma versão em miniatura - e igualmente terrível - pode acontecer até na sua família.

Demi sofreu a vida toda para tentar se enquadrar no que as pessoas pensavam dela. Tentou ter o corpo do padrão, o rosto padrão, a voz padrão, o hit padrão. Não importa se isso fosse movido por empresários, gravadoras, mercado, fãs ou pressão própria.

A jornada de Demi é muito significativa. Foi blindada das cag*das, foi endeusada, foi desumanizada ao ser transformada em ícone e, por mais que ela tenha pedido ajuda e tentado ter a humanidade de volta nos últimos cinco anos, em entrevistas e em algumas das canções, também teve seus pedidos de socorro ignorados.

O peso de ser um ícone

Acho que ninguém normal, um não-famoso, entende o peso que é ser transformado em ícone. É uma benção e uma maldição. E você, o endeusado, vai do "nunca errou" para "cancelado" num piscar de olhos. Às vezes, o cancelamento não tem volta. Noutras, até tem, mas qual é preço disso?

Rico Dalasam, por exemplo, foi triturado pela internet porque quis os seus direitos trabalhistas em uma treta com a Pabllo Vittar e o produtor Rodrigo Gorky sobre o hit "Todo Dia", escrita por Rico. Não vou entrar nos pormenores, mas o caso aconteceu em 2017 e, hoje, em 2021, Rico Dalasam soltou um dos álbuns mais estonteantes do pop e do rap do Brasil e há quem sequer tenha ouvido falar porque, para muitos, a existência de Rico foi anulada.

Parece bobagem dizer que imagem que cada um de nós tem na internet tem um peso gigante na vida de muita gente. É bem "Black Mirror" a parada.

Leve em consideração a loucura que estão as redes por conta das atitudes dos participantes do BBB 21 - estou repetitivo em trazer o reality aqui a todo o momento, não é? Pessoas realmente amam e odeiam os competidores em um intervalo de dias. Fulana jogou fora o favoritismo por dizer que gosta do Bolsonaro (vixe!), Ciclano faz chilique demais e cansou (afe!). Todas as atitudes daquelas pessoas são ultra julgadas e a parada aqui fora fica violenta até.

Violenta de verdade. Ontem (20), o UOL publicou uma reportagem sobre como é tóxica a relação dos fãs de BBB, que provoca exposição de dados pessoas nas redes de pessoas que - pasmem - simplesmente não torcem para o mesmo participante do que determinado grupo. O texto está aqui.

Me assusta pensar que as coisas passaram do limite faz tempo.

Escrevi uma análise sobre o álbum do Justin Bieber e, ouvindo o disco novamente para este texto, até acho que fui condescendente com um trabalho simplesmente mequetrefe, e fui atacado nas redes sociais. E isso acontece toda vez que alguém quem coragem de criticar a obra de um artista com um fandom barulhento.

Isso é tão problemático em diferentes escalas, não é? É a política do silêncio por medo, é a polarização da opinião: ou você concorda com a maioria ou você coloca um alvo no meio do seu peito.

(Claro, estou falando aqui de opiniões inofensivas e, principalmente, expressas dentro da lei e, portanto, que não sejam racistas, machistas, etc, ok?)

O endeusamento da cultura pop não é saudável para nenhum dos lados, fãs e artistas. Blinda o astro da possibilidade de ser humano e, portanto, não ser perfeito e completamente correto. Pressiona o ser humano a ser uma divindade.

E cria um pedestal que, quando o endeusado é escorrega de lá e cai, o tombo pode ser definitivo, cruel e até mortal.

Pressionamos, direta ou indiretamente, Justin Bieber e Demi Lovato para corresponderem às nossas expectativas do que é certo e errado. Em questões morais ou estéticas também. A gente pressionou eles a serem quem, muitas vezes, eles não quiseram.

Cada um lidou como pode com a pressão. Demi escondeu de familiares e amigos próximos que tinha um problema com drogas até quase perder a vida. Justin foi mais notícia no TMZ por conta das polêmicas dos últimos anos do que foi notícia na Rolling Stone por feitos musicais.

O que estou questionando aqui é a divindade versus a humanidade. O que é obsessão e o que é idolatria? O que a gente faz com essas estrelas ao colocá-las neste pedestal sagrado não é tão bom quanto pode parecer. No fundo, ninguém merece estar neste lugar - porque, de verdade, este lugar não deveria existir.

Uma nova geração preocupada com saúde mental

Vou gastar um Longão inteiro, em breve, sobre a música pop e indie dedicada à saúde mental. E faz muito sentido que uma geração pós-Bieber e pós-Lovato, que tem nomes que vão da extremamente popular e premiada Billie Eilish à queridinha da crítica Arlo Parks, dedicando versos e refrãos em torno deste tema.

Criadas realmente nas redes sociais, essas duas artistas já entenderam que a vida virtual é mais nociva do que a gente imaginava há, sei lá, 15 anos.

Demi Lovato, aliás, diz ter se sentido liberta de muitos padrões quando viu Billie Eilish mandando um f*da-se para a estética pop e usando roupas largas e fugindo de toda a objetificação do corpo feminino que abastece o mainstream.

Não existem super-heróis

Astros pop estão, aos poucos, se permitindo serem mais humanos. E o mercado percebeu que a imperfeição também vende, gera views e é financeiramente viável

Falta a gente mudar do lado de cá. Uma geração que cresceu acostumada a apontar os dedinhos nas redes sociais, amparadas por palavras bonitas e um discurso pronto sobre o que há de errado no mundo, também esquece que o "nunca errou" pode ser tão perigoso quanto o cancelamento em si.

Em tempos de super-poderes das redes sociais, da pressão extra por comentários, views, likes e demonstrações de carinho virtual, a gente precisa se lembrar que do outro lado também está uma pessoa de carne e osso, não um robô. Ela vai errar, ô se vai.

E a pressão pela perfeição pode mexer com alguém mais do que a gente imagina. A real é que nenhum fanatismo é saudável (e isso vai desde a invenção da história, com Elvis e também à Beatlemania), mas as redes sociais transformaram isso numa seita perigosa até mesmo para os artistas que são endeusados.

Bora voltar a ver todo mundo como alguém de carne e osso?

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Minhanossasenhora, difícil, ein? Vou falar mais sobre a versão estendida, repuxada, esticada do filme ruim finalizado anteriormente por Josh Whedon algum dia desses por aqui, fique ligado. Mas, por enquanto, posso dizer que Zack Snyder fez uma HQ transformada em filme, mas não fez "cinema", não.

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'Framing Britney Pears' está disponível no Globoplay para os assinantes e promete expor os abusos e machismos sofridos pela cantora ao longo da sua trajetória. Tem tudo a ver com o tema do Longão de hoje, aliás.

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Voltamos na semana que vem com mais um Longão que, espero, seja publicado bem mais cedo, rs.