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Pedro Antunes

Primeiro disco do Forfun retrata a melancolia do Brasil que não existe mais

Capa do disco "Teoria Dinâmica Gastativa", do Forfun - Reprodução
Capa do disco 'Teoria Dinâmica Gastativa', do Forfun Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

20/02/2021 17h30

Sem tempo?

  • Lançado originalmente em 2005, o primeiro disco da banda Forfun chegou ao streaming.
  • O álbum fala sobre curtição, amores de verão e, principalmente, retratava uma geração com esperança.
  • Ouvi-lo em 2021, contudo, oferece uma melancolia causada pela saudade.
  • Saudade de sentir aquela mesma esperança da juventude no início dos anos 2000.

A economia voava, lembra? Dólar e Real não tinham valores tão distantes assim. A classe média voava (literalmente), a pobreza diminuía. O Brasil passava o Reino Unido como uma das maiores economias mundiais.

Era o atual campeão mundial de futebol - um título vencido com Ronaldo com aquele sensacional cabelo de Cascão, Ronaldinho Gaúcho voando, Rivaldo milimétrico, Cafú e Roberto Carlos eram os melhores laterais do mundo. Uau!

Parece sonho, mas é só um passado distante, mesmo.

Um tempo em que tivemos esperança de um futuro brilhante. Menos de 20 anos depois, esse sonho se rompeu. Despedaçou-se. Dá saudade, não dá?

É esse gosto amargo deixado na boca ao dar o play em "Teoria Dinâmica Gastativa", o primeiro álbum da Forfun, lançado originalmente em 2005, mas que só ontem (19), chegou às plataformas digitais.

Quem foi o Forfun?

Criado em 2001, o Forfun foi uma das bandas mais populares de uma frutífera geração de rock brasileiro naquele início de milênio, quando a guitarra voltou a frequentar as rádios mais populares, ancoradas no sucesso do hardcore gringo e o emo punk: baixo, guitarra e bateria em andamentos acelerados e vocais melódicos e alongados.

Música que você ouve e tem vontade de andar de skate ou pegar umas ondas no mar, mesmo que você seja incapaz de se equilibrar sobre uma prancha, com rodinhas ou no mar.

Tivemos NX Zero, Forfun e uma turma que já rodava há mais tempo, tipo Fresno e CPM 22, que foram alçados ao mainstream.

Dessa turma, o Forfun era o representante carioca. O quarteto tinha uns papos de positividade, espiritualidade e "buena onda" em uma união do hardcore com ska, reggae, funk outros flertes com gêneros mais para cima.

Entre letras sobre curtição, fumar uns baseados e beber mate gelado na praia, debaixo de um sol ardido de bom, a banda fazia o contraponto do movimento chamado de emo com uma pancada energética good vibes.

São letras como:

Nada brilha mais que a vibe da tua alma
O bem e o amor superam tudo

Sacou?

O fim amargo

E é tudo isso que ouvimos em "Teoria Dinâmica Gastativa", um disco que tem uma porção de músicas memoráveis, como ambas que já coloquei aqui para tocar, "Hidropônica" e "História de Verão", algumas esquecíveis e outras subestimadas, como as políticas "Viva La Revolución" e a sem estribeiras "V.I.P. (Very Important Por Que?)".

Ao todo, são 16 músicas rápidas, 39 minutos de som com um retrato da geração que cresceu em um País que motivava um tipo de euforia que hoje é rara.

Ouvi-lo é como testemunhar aqueles poucos pandas que vivem em cativeiro ou locais controlados porque estão próximos da extinção.

O Brasil de hoje não inspira a positividade em versos. Não é por acaso que até as músicas mais populares hoje tratam de questões dolorosas. A sofrência da música popular, de uma forma muito profunda e que merece uma monografia a este respeito, reflete uma sociedade que mais perde do que ganha, entende?

E política está entre as causas dessa desesperança, sim. Afeta a economia desastrosa de Guedes e do governo Bolsonaro, desconstrói o sonho de um lugar bom de se viver, corrói a alegria como a maresia detona aquela bicicleta só usada no verão na praia.

Rodrigo Costa, ex-baixista e vocalista do Forfun, fala ao microfone no último show da banda, em 12 de dezembro de 2015 - Reprodução/Instagram/forfunoficial - Reprodução/Instagram/forfunoficial
Rodrigo Costa, ex-baixista e vocalista do Forfun, fala ao microfone no último show da banda, em 12 de dezembro de 2015
Imagem: Reprodução/Instagram/forfunoficial

A própria trajetória do Forfun é um reflexo do processo pelo qual o Brasil passou. A banda nascida na esperança dos anos 2000 se autodestruiu a partir do rompimento entre os integrantes por desavenças políticas.

Rodrigo Costa (baixista e um dos vocalistas) é bolsonarista (inclusive, mantém uma relação com a família do presidente), enquanto os outros integrantes, Danilo Cutrim, Vitor Isensee e Nicolas Christ criaram outra banda, a delicinha BRAZA.

É bom lembrar que até Eduardo Bolsonaro até apareceu no clipe de "História de Verão", música desse disco de 2001.

É isso. Da curtição de verão ao rompimento político. Parece uma comparação entre o Brasil do início dos anos 2000 e o de hoje, mas é só a sensação incômoda de ouvir o primeiro disco do Forfun e perceber já tivemos tantos verões deliciosos e hoje é tudo dividido e cinzento demais.

Ouvir esse álbum é como promover o encontro entre o seu eu-passado, tão esperançoso sobre um País com um futuro promissor, com o eu-2021, meio amargurado, cansado, com pelos grisalhos na barba e cabelos que rareiam.

Se quiser sentir esse gostinho de saudade com desencanto, cá está: