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Pedro Antunes

Gene Simmons está errado: se o rock morreu, a culpa de quem parou no tempo

Gene Simmons, vocal e baixista do Kiss - Jhon Paz/Xinhua
Gene Simmons, vocal e baixista do Kiss Imagem: Jhon Paz/Xinhua

Colunista do UOL

09/02/2021 11h48

Vocalista do Kiss, banda com 48 anos de existência, Gene Simmons segue alardeando a morte do rock como aqueles insistentes profetas do apocalipse que levantam uma plaquinha de "o fim está próximo", dia após dia.

Agora, o linguarudo mais famoso do rock clássico decidiu dizer que a culpa pelo óbito do gênero é do jovem fã de música.

Após alardear pela enésima vez a morte do rock no dia 31 de dezembro, o vocalista do Kiss foi espremido pelo Jonathan Clarke, radialista estação norte-americana Q104.3, sobre a declaração e Simmons falou o seguinte:

"E os culpados são os fãs jovens. Vocês mataram a coisa que amavam."

Ele elaborou mais a teoria da conspiração. Segundo Simmons, o rock definhou por conta da pirataria e, na sequência, com a chegada das plataformas de música por streaming, que pagam uma merreca para os artistas.

"Com o streaming, tiraram a chance de novas grandes bandas aparecerem, porque os músicos não podem largar seus empregos já que eles não ganham dinheiro colocando as músicas nas plataformas de streaming."

De acordo com o vocalista e baixista do Kiss, a falta de monetização da indústria fonográfica hoje impede o crescimento dos grandes artistas. O que é uma balela.

Sinto muito, Simmons, mas você está equivocado.

A culpa da proferida morte do rock, se é que ela existe, não está nos jovens fãs que consomem música da forma como ela é apresentada hoje, mas é de um sistema que esqueceu de se renovar.

A culpa por não existirem gigantescas bandas de rock atuais é de artistas como você, Kiss, que pararam no tempo.

E também dos fãs mais velhos de rock, cuja capacidade de serem surpreendidos por novidades parou nos anos 1990, com o crescimento de Nirvana, Red Hot Chili Peppers e (cruzes) Guns N' Roses.

O fã jovem, Simmons, está em busca de novidades e aberto às invenções sonoras.

A culpa é de quem ainda idolatra Foo Fighters, mas nunca parou para ouvir grupos como Fontaines D.C. e a excelente Car Seat Headrest.

Ou que prefere seguir ouvindo o único disco razoavelmente decente do Guns N' Roses em vez de dar uma chance para o som da Phoebe Bridgers, que recentemente destruiu uma guitarra no programa Saturday Night Live e foi criticada pela turma de roqueiros de meia-idade e bandana na cabeça.

Se apenas bandas de rock como essas citadas acima são as únicas capazes de lotar estádios, a culpa é que essa massa que vai aos shows de Guns N' Roses, Kiss, Foo Fighters, etc, mas tapou os ouvidos para sacar o que de novo vem acontecendo na música. Ouvem o mesmo solo de guitarra há três décadas sem sequer se preocupar em sacar o que mais foi feito desde então.

A verdade é que a música inteira mudou. Ainda existem grandes artistas, aqueles que atingem as massas, mas a força agora está nas tribos, nas pequenas e médias.

O Brasil, mesmo, está cheio de bandas incríveis, de Boogarins a Taco de Golfe, de Yamasasi a Menores Atos, de The Baggios a Sound Bullet, de Ousel a Brvnks. Tem som, realmente, para todos os gostos.

A sua banda favorita pode ter, sei lá, quatro discos já lançados, mas você não ouviu falar deles porque a sua bolha roqueira fecha os ouvidos para aquilo que é novo e foge da estética do hard rock basicão.

Veja bem, isso é parte do problema, mas é um começo: em vez de apontar o dedo para a turma que está chegando ou pelo formado como a música é consumida atualmente, Gene Simmons e qualquer um que ainda diga que o rock está morto deveria olhar para si próprio.

Fazer e ouvir o mesmo hard rock dos anos 80 certamente não fará muito favor em rejuvenescer o gênero, certo?