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Pedro Antunes

Review sincerão: 'Medicine At Midnight' é o disco que Dave Grohl precisava

Capa do disco Medicine At Midnight, do Foo Fighters - Divulgação
Capa do disco Medicine At Midnight, do Foo Fighters Imagem: Divulgação

Colunista do UOL

05/02/2021 10h03

Sem tempo?

  • Foo Fighters lança o décimo álbum da carreira, 'Medicine At Midnight'
  • Trata-se o trabalho mais 'pop' e experimental do grupo, sem dúvida.
  • Mas também é um disco que funciona mais para ocupar Dave Grohl do que um álbum excelente
  • Afinal, não são só boas intenções que fazem um ótimo disco.

Dave Grohl, líder do Foo Fighters, é um workaholic. E isso, em algum momento, pode ser preocupante.

E eu entendo, consigo me relacionar com essa história. Veja bem: às vezes, acordo 4h para "ver se tem alguma coisa rolando pra poder escrever aqui na coluna", digo a mim mesmo. Sim, às 4h da manhã. Me faz mal danado, interrompe o sono, estraga uma manhã que poderia ser mais produtiva e o texto da coluna só vai sair lá pelas 18h do dia seguinte porque a cabeça não pensa bem quando não descansa. É um horror, acredite, tentar ser criativo quando o cérebro está exausto.

Calma, ansioso leitor de camisa de flanela, chegarei ao ponto.

Dave Grohl disse em uma entrevista recente à Zane Lowe, no canal de YouTube da Apple Music, que não mal se lembra quando foi a última vez que descansou.

Diz que "tirou um tempo", contudo. Em 2018, anunciou essa tal pausa, depois de um álbum esquecível - caso discorde, cite duas músicas ótimas de "Concrete and Gold" nos comentários, por favor. Menos de um ano depois, já estava preparando material do décimo disco de estudo dos Foos.

O resultado é "Medicine At Midnight", lançado hoje (5), mas terminado antes do início da pandemia e guardado até agora.

Foo Fighters - Divulgação - Divulgação
Foo Fighters
Imagem: Divulgação

Por conta disso, inclusive, o álbum vai soar mais "positivo" do que você poderia esperar de um disco lançado no nosso presente tão louco. Entenda, portanto: Grohl não escreveu sobre o nosso mundo, fez essas nove canções quando o normal não incluía pessoas de máscaras nas ruas e vacinados se transformando em jacarés por aí.

O álbum, produzido pelo Foo Fighters e por Greg Kurstin, é o mais pop do Foo Fighters em tempos.

Pop e diverso. O que é sempre bom. Há uma porção de experimentos sonoros interessantes aqui, muito mais suingue e groove. Veja o caso de "Cloudspotter", que usa até o cowbell (também conhecido como sino de vaca, sabe qual é?).

Dave Grohl se inspirou em sons que ele sempre amou e deixou tudo isso se expressar em "Medicine At Midnight". Você ouvirá lampejos de David Bowie em "Let's Dance", disco produzido por Nile Rodgers, guitarrista do Chic, lançado em 1983. O groove é emprestado, em seis faixas, pela participação de Omar Hakim, lendário percussionista que gravou naquele álbum de Bowie.

O Foo Fighters tenta, com todas as forças, sair da zona de conforto em "Medicine At Midnight". Às vezes, consegue de maneira deliciosa, como em "Chasing Birds", uma gostosa balada de freio de mão puxado.

Noutras vezes, o esforço pela "criatividade" passa do limite. A faixa título é o exemplo disso. Há bons momentos (o refrão é ótimo, como costuma ser uma marca registrada dos Foos, e o riff que conduz a música é dançante e gostoso de ouvir, embora sem muita criatividade), mas há um vocal sussurrado que simplesmente não dá conta de acompanhar o groove proposto pela própria canção.

Mas esses são os bons momentos de "Medicine At Midnight".

"Shame Shame", um dos singles do trabalho, por sua vez, soa como alguém sem timing para humor a tentar explicar um meme que viu no Instagram. Não dá certo. Gritos ecoados de "ooooh", que funcionariam perfeitamente em estádios e arenas pelo mundo, perdem o foco em uma música que prepara, prepara, prepara, mas não sai do lugar. Tipo cão que ladra não morde? "Shame Shame" é assim, inofensiva.

Existem canções ali que parecem um pastiche da banda de outros tempos. "Waiting On a War" é um rock de arena foofighteriano que já ouvimos outras 20 vezes em discos anteriores, mas com o agravante de apresentar versos ainda menos inspirados do que de costume.

"Making a Fire", faixa de abertura, é o oposto do que deveria ser uma música que abre o disco - algo impactante, que pegue você pelo braço e diga "vem cá que esse disco vai ser ótimo". Os vocais não funcionam até o refrão, que é quando a banda encontra sua zona de conforto. Antes disso, a desconjuntura soa só desconfortável.

O décimo álbum do Foo Fighters é inconstante demais. A citada "Chasing Birds" e "Love Dies Young", música que encerra o disco, são verdadeiramente interessantes. As outras sete faixas se perdem por experimentações que soam como tiros que saem pela culatra, tentativas que poderiam ser mais lapidadas ou explosões de pouca criatividade.

Ouvir "Medicine At Midnight" de cabo a rabo é uma experiência intensa, nunca tediosa. Para o bem ou para o mal. A banda mostra que não quer ficar parada em um mesmo lugar sonoro.

Quase 30 anos de estrada depois, uma atitude assim é corajosa, sem dúvida, mas não é só de boas intenções que se faz um disco.

A verdade é que o Foo Fighters não necessitasse de um álbum completo agora - reunir as quatro ou cinco melhores músicas do disco em um EP reduziria o dano, inclusive. Muito menos deste álbum, especificamente.

Provavelmente, contudo, Dave Grohl precisasse desse trabalho. E isso, de workaholic para workaholic, eu consigo entender.