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Pedro Antunes

BBB 21 vanguardista: se você não está entendendo, tudo bem. Ninguém está.

BBB 21: Caio tenta convencer Lucas Penteado a não desistir do jogo - Reprodução/Globoplay
BBB 21: Caio tenta convencer Lucas Penteado a não desistir do jogo Imagem: Reprodução/Globoplay

Colunista do UOL

30/01/2021 10h15

Uma das obras de arte mais icônicas do dadaísmo, movimento artístico de vanguarda do início do século XX é chamada "Fonte". Trata-se de um mictório colocado em uma galeria de arte.

Alguns disseram achar genial o trabalho de Marcel Duchamp, outros desacreditavam o artista. A real é que, na época, ninguém entendia bulhufas do que se tratava aquilo. E essa era a graça daquele movimento cultural todo.Percebem a semelhança com o BBB 21?

Tão inexplicável quando um mictório em uma galeria de arte é essa edição do reality show da Globo.

Se você não está entendendo, tudo bem, confuso leitor. Ninguém está. Nem lá dentro, nem aqui fora.

'Fonte', de Marcel Duchamp - Reprodução - Reprodução
"Fonte" (1917), de Marcel Duchamp
Imagem: Reprodução

Há de se criar dissertações de toneladas de página para explicar o que passa aquela micro-sociedade de 20 participantes presos em uma casa no Rio de Janeiro.

É efeito de um 2020 pandêmico e de nervos à flor da pele? Dos sentimentos enclausurados pelo isolamento social, pela ansiedade e pela desesperança do ano passado?

Ou talvez seja, acima de tudo, o medo do cancelamento que pode ser promovido aqui fora, pela turma do Twitter, diante de algum deslize? É isso que está mexendo tanto com essas pessoas ali?

"Livres" para abraçar, beijar, festejar, esses 20 guerreiros do BBB 21 extravasam o que conseguem, da forma como conseguem, criando narrativas cada vez mais complexas e, algumas delas, completamente sem explicação ou lógica?

Gritos, choros, acusações, reflexões, ensinamentos, rodas de oração.

Imagino que você, aquele que dormiu e não acompanhou as tretas da noite de ontem (29) que se estenderam até agora há pouco, não vá entender nada se entrar no Twitter.

Os vídeos soltos postados na rede social são pedaços de um quebra-cabeça que, suponho, nem o mais eficiente editor da Globo saberá como dar coerência para exibir na emissora hoje a noite.

Como o mais puro dadaísmo, esse BBB 21 tira do contexto os temas do lado de cá, do lado de fora do confinamento, para jogá-los em rodas de conversas e discussões em uma mistureba de sentimentos e angústias.

Inclusive questões seríssimas já rolaram por lá, como racismo, xenofobia, transfobia, debatidas à exaustão em uma edição de reality que sequer completou uma semana.

Por isso, esse é o mais genial dos BBBs até aqui.

Vanguarda de primeira que fazem os discos de Yoko Ono parecerem cantigas de ninar.

Quem diz entender completamente o que está rolando em Curicica está mentindo tal qual aquele sujeito que mostrou "normalidade" ao mictório de Marcel Duchamp em uma galeria de arte no início do século passado.

Para sorte da nossa geração, diferentemente da turma de 1900, temos a coluna do Chico Barney, aqui no UOL, para tentar entender o que está acontecendo naquela casa de forma coerente.

Mas imagino que até ele está confuso, enquanto toma uma xícara de café preto forte e, com o cachorrinho ao lado, o simpático José Carlos Pagode, tenta entender o que raios rolou na noite de sexta para sábado.