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Pedro Antunes

Janis Joplin e 'Pearl', o grito póstumo sobre a falta de afeto

Capa do disco "Pearl", de Janis Joplin - Reprodução
Capa do disco 'Pearl', de Janis Joplin Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

11/01/2021 11h24

Sem tempo?

  • Hoje o disco 'Pearl', de Janis Joplin, comemora 50 anos.
  • É o álbum mais bem-sucedido da artista, que não testemunhou o sucesso do trabalho.
  • Lançado três meses depois da morte de Janis, 'Pearl' é um retrato de uma artista à flor da pele.
  • 50 anos depois, o disco parece ainda mais precioso e preciso.
  • Vivemos, afinal, um 2021 à flor da pele, também.

Janis Joplin não viu seu maior sucesso alcançar o topo das paradas dos Estados Unidos. Três meses depois da morte trágica de uma das melhores vozes que já se ouviu, chegou "Pearl".

Hoje o disco comemora 50 anos. E é mais poderoso do que nunca.

É um tratado sobre o afeto, ou a falta dele (cantado como se as cordas vocais pudessem se rasgar tamanho dissabor), e o buraco enorme deixado por ele capaz de esvaziar a existência.

Não que "Pearl" não tivesse impacto naquele 11 de janeiro de 1971. Teve, obviamente, reconhecimento da crítica e do público - principalmente de quem havia assistido às performances viscerais de Janis Lyn Joplin.

Janis vinha da cidadedezinha de Port Arthur, no Texas, um lugar no qual não se encaixava, antes de chegar a San Francisco em 1963, aos 19 anos, no auge da cultura hippie, da psicodelia e da mentalidade de "paz e amor".

Viveu intensamente, os prós e os contras daquela geração que descobria o amor livre e o gosto por drogas injetáveis - inclusive, fez barulho em uma libertária e famosa passagem pelo Brasil, onde conheceu o mitológico músico Serguei.

Morreu de overdose em circunstâncias misteriosas aos 27 anos, em 1970. Na época, preparava "Pearl", sua obra-prima.

A capa do álbum, imagino, você conheça até mesmo caso não o tenha ouvido. A capa integra a iconografia do rock and roll psicodélico produzido no final dos anos 60 e 70.Janis aparece sentada, em uma poltrona ou sofá, as calças largas de um vermelho vibrante. Um drink nas mãos. Ela sorria.

Era a primeira vez em que Janis Joplin tinha, ao seu alcance, uma banda que era capaz de acompanhar aquele vozeirão que a deu inúmeros apelidos, como primeira dama do rock. Nesta derradeira vez, ela se juntou a Paul A. Rothchild, produtor com um refinado trabalho com o The Doors. Isso fez toda a diferença em canções esteticamente afiadas, um amalgama de blues furiosos e country perversos que criaram um genuíno e lânguido rock and roll.

Nove das dez faixas de "Pearl" são cantadas por Janis Joplin. A exceção é Buried Alive in the Blues", música lançada em uma versão instrumental já que a artista morreu antes de gravar os vocais da faixa.

Janis assinava a composição de "Move Over" e "Mercedes Benz", boas canções, mas que não são os destaques de "Pearl", aos quais irei detalhar mais adiante.

"Pearl" é um dos discos clássicos subestimados. Daqueles que mereciam mais atenção, de público e também de quem estuda música. Na lista de 500 melhores álbuns de todos os tempos da Rolling Stone norte-americana, ele aparece na 259ª posição. É pouco para ele.

Quando moleque, por exemplo, tinha pouco dinheiro para comprar CDs e, portanto, frequentava uma Lojas Americanas perto de casa, em busca de pechinchas naquelas bacias de discos que custavam menos de R$ 10. Ali que eu comprei minha primeira edição de "Pearl".

Era encantado pelo sorriso de Janis Joplin naquela foto de capa, sabia vagamente que se tratava de uma artista dona de um vozeirão, mas pouco tinha ideia do encontraria com o play.

Bom, isso até chegar em"Cry Baby" (de Jerry Ragovoy e Bert Berns), a segunda faixa do disco. Arrepiei na época, sozinho no quarto, com a performance de Janis. Arrepio agora, só de lembrar dessa faixa, e de pensar no que ela diz ali: um amor despedaçado, que vai embora.

"Chore, bebê". Eu chorei.

"Pearl" é um álbum sobre uma alma rachada pelo desafeto. Do assédio sofrido na adolescência, ao bullying por não se enquadrar nos padrões estéticos e sociais daquela cidedezinha extremamente conservadora do Texas.

Uma voz tímida, que precisava despejar álcool goela abaixo para se soltar nos palcos. Ali, então, virava um vulcão. Deixava os shows em lágrimas, geralmente, e precisava de algo para entorpecer o corpo e a mente depois de cada explosão.

Alguém que viveu o amor livre, mas também sofreu por ele. "Pearl" monta um quebra-cabeças complexo de quem era Janis Joplin a partir destas canções melancólicas, lamuriosas e extremamente poderosas.

O clássico "Me and Bobby McGee" é um dos carros-chefe do álbum, mas os gritos de "My Baby" ou "A Women Left Lonely" são preciosos.

Janis Joplin cantava sem medo de que as cordas vocais rompessem a cada lamento. Cantou o desafeto como poucas vezes se ouviu na música pop.

É revelador ouvir "Pearl" em 2021. Como se o disco tivesse crescido, maturado. É culpa do afeto, ou a falta dele, do mundo pós-2021.

"Pearl" é à flor da pele. Como tem sido cada dia desse 2021.