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Pedro Antunes

'Volta, Rita, que eu perdoo a facada': Tierry e a história do hit 'Rita'

Tierry no DVD "Acertou na Mosca" - Divulgação
Tierry no DVD 'Acertou na Mosca' Imagem: Divulgação

Colunista do UOL

11/11/2020 04h00

Sem tempo?

  • Conheça o Tierry, também chamado de TieHit, pelo faro em criar sucessos para outros cantores - e para si, claro
  • É dele o hit do momento: 'Rita'
  • 'Rita' conta a história de um sujeito que está desesperado por ter a amada de volta
  • A letra é sofrida, mas hiperbólica, também. Exagerada que só - e por isso deu tão certo
  • Neymar Jr., por exemplo, é um dos fãs de "Rita", de Tierry

Desci para comprar pão no fim de tarde de quinta (5) e dei de frente com um grupo de jovens com uma caixa alto-falante gigante no meio da praça no centro de São Paulo. No som, o hit "Rita", de Tierry, também conhecido como Tiehit - sacou o trocadilho do nome do artista com a palavra "hit"?

"Oh, Rita, volta desgramada! /
Volta, Rita, que eu perdoo a facada /
Oh, Rita, não me deixa! /
Volta, Rita, que eu retiro a queixa!"

Os amigos donos da caixa de som riam e bebericavam conteúdo desconhecido em copos de plástico. Ali perto, um grupo de crianças e jovens dançavam também ao som da sofrência hiperbólica.

A música é essa aqui:

(Prepare-se para sair cantando essa música por dias, ok?)

"Rita" está em todos os lados. Nas redes sociais, Neymar posta frequentemente a música sofrida. No Spotify, a faixa também chegou ao 9º lugar entre as "50 Virais do Brasil" da plataforma. No YouTube, o clipe oficial da música tem mais de 25 milhões de execuções em três semanas.

O sax dramático de fundo; versos exageradamente bregas de uma escola Cazuzística de composição e interpretação ("exagerado, jogado aos seus pés", cantava Cazuza); uma personagem que caiu fora de um relacionamento que tem o mesmo nome de outra música de Chico Buarque (seria a mesma que "abandonou" Chico?); e um humor com um pé fora da realidade. Afinal, qual é o segredo de Rita?

Tierry, mas pode chamar de Tiehit

Mais cedo, naquela mesma quinta-feira, Tierry atendeu ao celular para conversar com a coluna sobre o hit "Rita" e a ascensão que o levou a ganhar o apelido de Tiehit", antes mesmo de "Rita" ser criada. Ao fundo da conversa, o piloto do avião dava os últimos recados antes do voo de Tierry de São Paulo para Belém, no Pará.

"Vamos falando, que por enquanto dá", diz Tierry, entre avisos sonoros de praxe de antes da decolagem.

Muito antes de tomar a frente do palco, Tierry foi gravado pelos maiores nomes da música popular brasileira da atualidade. Na época, no início da carreira, ele era chamado de Tierry Coringa, inclusive.

Aqui vai uma lista de algumas músicas criadas por ele e gravada por outros artistas:

  • "Dançando", gravada por Ivete Sangalo
  • "O Recado", gravada por Luan santana
  • "Vai Vendo", gravada por Lucas Lucco
  • "Eu, Ela e a Amiga Dela", gravada por Xand Avião
  • "Casado, Namorando, Solteiro", gravada por Wesley Safadão
  • "Baldin de Gelo", gravada por Claudia Leite

Tierry de Araújo Paixão Costa, nascido em Salvador, ainda considera a capital da Bahia como sua casa, mas admite que tem passado muito tempo em São Paulo por conta dos compromissos de trampo.

No documento, são 31 anos, mas "falo que tenho 30, porque não vivi esse 2020". Desde 2013, ou seja, desde os 24 anos, ele já atua no mercado da música como compositor. Foi para a frente do palco dois anos depois.

"Eu fazia música para tanta gente, fiz tanta coisa estourada. Achei que poderia dar certo comigo. Pensei: vou me jogar nisso aqui."

"Não sentiu medo de dar com a cara no chão?", perguntei.

"Não. Na verdade, não tinha nada a perder. Já tinha sucesso como compositor", ele respondeu.

2017, a pausa e o retorno 'na mosca'

A trajetória de Tierry foi interrompida em 2017, mais ou menos, quando se afastou dos palcos para cuidar de uma doença do filho. Deixou a produtora Audiomix (que hoje tem no casting gente de peso como Gusttavo Lima, Alok, Simone & Simária e Xand Avião) e os palcos.

Foi no finalzinho de 2019, início de 2020, que ele soltou o álbum "Acertou na Mosca", com 15 faixas (entre inéditas e regravações, todas assinadas por dele) e fez um sucesso danado naquele verão do arrocha estouradaço nas paradas.

Desse álbum vêm músicas como "Hackearam-me", "Hb20", "Cracudo" e "Acertou na Mosca" (com participação de Gusttavo Lima), em alta rotação até hoje.

Aliás, "Acertou na Mosca" é também o nome do DVD do artista gravado em agosto (seguindo as recomendações da OMS, reforça a produção do artista), do qual quatro músicas serão lançadas um formato de EP, nesta sexta-feira, 13. No EP, serão duas músicas já conhecidas, mas em novas versões: "Hackearam-me", com participação da Marília Mendonça com cheirinho de hit, e "Prego e Martelo". Além delas, chegam mais duas músicas inéditas.

(Quem sacou a referência do gif acima?)

Da publicidade para a sofrência e curtição

Tierry, enquanto cantava em barzinhos e compunha uma porção de músicas (dizem ser mais de 500 composições), também estudava comunicação, com especialização em publicidade e marketing.

Ali, entendeu noções de teoria da comunicação que usa como compositor e cantor, garante ele, e entende a necessidade de ser diferente daquilo já produzido na música pop. O estudo o ajudou a entender como compor para outros artistas.

"Quando comecei a fazer música para gente como Luan Santana, Simone & Simaria, eu fazia letras que pareciam com eles. Para começar a carreira solo, eu precisava fazer letras que não fossem parecidas com outras pessoas, sabe? Para que essas comparações não existissem. Então, decidi falar coisas que não falava quando compunha para os outros."

"Queria ser igual ao Zezé Di Camargo"

Na infância em Salvador, Tierry ouvia de Zezé di Camargo & Luciano a Tião Carreiro & Pardinho, mas também se ligava em cantautores da música brasileira, ia de Chico Buarque a Carlinhos Brown.

"Eram intérpretes e compositores", lembra Tierry sobre a inspiração. "Queria ser igual ao Zezé Di Camargo".

E 'A Rita' de Chico Buarque?

Curioso Tierry citar Chico Buarque como uma das inspirações. Em 1966, ou seja, há 54 anos, Chico era um estudante carioca de arquitetura em São Paulo e um compositor promissor da música brasileira por conta do sucesso da música "A Banda", com a qual dividiu o primeiro lugar no II Festival de Música Popular Brasileira daquele ano.

Foi também naquele 1966, que Chico lançou o primeiro álbum dele, de nome "Chico Buarque de Hollanda" - sim, aquele da capa que virou meme, sobre o qual falei mais em um outro texto da coluna.

Neste disco, Chico tem uma música chamada "A Rita", uma história também de um coração dilacerado. A Rita de Chico Buarque também partiu, assim como a Rita de Tierry, embora o canto do jovem Chico fosse menos sofrido do que o de Tierry.

De qualquer forma, o resultado foi igualmente trágico: a Rita foi embora, ficou a saudade:

"A Rita matou nosso amor /
De vingança /
Nem herança deixou /
Não levou um tostão /
Porque não tinha não /
Mas causou perdas e danos /
Levou os meus planos /
Meu pobres enganos /
Os meus vinte anos /
O meu coração /
E além de tudo /
Me deixou mudo /
Um violão"

Seria a Rita de Tierry a mesma que "destruiu o coraçãozinho" de Chico Buarque?

"Cara, não, na verdade, eu nunca tinha ouvido essa música do Chico [Buarque], apesar de ser muito fã dele"
Tierry, em um áudio de 7 segundos sobre as duas histórias de desamor envolvendo moças com o mesmo nome de Rita

Então, quem é Rita?

Essa é a pergunta necessária, né? Quem, afinal, é essa figura, digamos, já mitológica de Rita?

"[Rita] é a personificação da mulher arretada, que deixou um cara. E ele, em vez de deixá-la também, ele fica mais apaixonado ainda"

A Rita cantada por Tierry faz mais estrago na ausência do que quando traiu o personagem da canção, como canta ele: "Minha cama dobrou de tamanho sem você no meu colchão / Seu perfume 'tá impregnado nesse quarto escuro / Que saudade desse cheiro de cigarro e desse álcool puro / Rita eu desculpo tudo".

Desolado, o personagem está disposto a tudo. Diz que perdoa a facada, promete retirar a queixa contra a Rita. Só precisa dela de volta.

Tierry garante que são exageros e liberdades que tomou para compor a canção. Como dito lá em cima, é claramente um compositor formado pela Escola Cazuza de Composição, com pós-graduação em sofrência.

A "facada", da música, significa uma traição, garante o autor. A "queixa" também é uma brincadeira. Nada no universo fictício da canção foi parar na delegacia, diz Tierry.

Mesmo assim, ele se diverte com as reações on-line de advogados que se apressaram a debater se o fulano da canção poderia de fato retirar uma queixa depois de uma acusação de uma agressão com faca.

"A 'Rita' virou uma questão jurídica. As pessoas começaram a questionar se ele poderia retirar a queixa contra a Rita. De repente, virou febre entre os advogados, que começaram a falar sobre isso"

Realismo fantástico

Tierry se diverte quando fala sobre os "exageros" das composições que fizeram sucesso. Além da personagem Rita, há outros causos hiperbólicos cantados pelo artista nas músicas.

Em "Hackearam-me", por exemplo, ele leva as cordas vocais à exaustão em uma canção sofridíssima com mais um delirante solo de saxofone. Canta como se conversasse com um ex-amor e justificasse que caso entre em contato em uma madrugada solitária e embriagada, a culpa seria de um hacker, não dele.

Alguém chamou o Mr. Robot aí?

Numa outra música, "Cracudo", ele se desfaz em mais um desamor. Vai ainda mais longe, fala de um fundo do poço bem fundo, mesmo. "Sabe o fundo do poço? Tô lá", ele canta ali.

"É um amor louco, assim. É sem medida."

Tierry se considera um "contador de histórias", mas ao criá-las, usa hipérboles e exageros para dar dramaticidade e torná-lo único. Além de ser uma linguagem extremamente popular. As músicas assinadas por ele soam como aquelas histórias são contadas por WhatsApp, com todas as metáforas desmedidas possíveis.

O que pega, no caso dessas canções, são justamente as situações esdrúxulas e quase irreais.

"[As minhas músicas trazem] coisas do cotidiano, coisas que poderiam acontecer na vida de alguém, que eu já vi acontecer. Sou um contador de histórias real. Óbvio, coloco um exagero para ter graça, humor. Sempre escrevi música pro povo. O que o artista precisa se virar para entender o que o povo quer."

Ele coleciona fãs por conta disso. Como escrito lá em cima, o adulto Ney (também conhecido como o jogador de futebol Neymar Jr., do Paris Saint-Germain) já postou a música algumas vezes nas redes sociais.

Sextouuuuu @neymarjr

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Até Maria Bethânia, em 2017, cantou um trecho de "Vingança do Amor", música gravada pelo rei da sofrência Pablo, na qual Tierry aparece como um dos compositores. Selecionei o vídeo abaixo, de Bethânia, cantado/declarando os versos de Tierry:

Desse jeito, sem freio, mesmo, Tierry se transforma em um rei de uma sofrência desabalada, desmedida, desmesurada. Não há limite para o que o coração partido pode fazer ali.

"Tive essa virada de chave, de falar coisas de uma forma que ninguém tinha coragem de falar", ele avalia. "São histórias meio absurdas e, ao mesmo tempo, muito reais." O realismo absurdo que gruda na cabeça e custa a sair.