Página Cinco

Página Cinco

Siga nas redes
Só para assinantesAssine UOL
Opinião

Por que os Estados Unidos devem mesmo temer Cem Anos de Solidão?

Com sujeitos truculentos em diferentes níveis do governo, há mais de década os Estados Unidos travam uma batalha bizarra contra a arte. Todo mês pintam notícias de livros banidos pelos mais diferentes motivos, ainda que a preferência seja por proibir aqueles que tratem de questões raciais ou de pluralidade sexual.

Alguns dias atrás, a PEN America, organização que atua em defesa de escritores e da literatura, divulgou um relatório com os livros mais censurados nos Estados Unidos no último ano letivo. No período, apuraram 6.870 casos de proibições em bibliotecas de escolas.

Desde 2021, a PEN já registrou mais de 23 mil casos de censura que atingirem cerca de 10 mil títulos. No último ano, "Laranja Mecânica", de Anthony Burgess, foi o mais perseguido. Romances como "O Conto da Aia", de Margaret Atwood, e "O Ódio que Você Semeia", de Angie Thomas, são habituès nessas relações. Agora, chama a atenção também a proibição de autores como Isabel Allende e Gabriel García Márquez.

Com um governo que parece mesmo acreditar naquelas papagaiadas do Destino Manifesto - delírio que coloca os Estados Unidos como uma espécie de povo abençoado responsável por liderar o mundo -, previsível que temam a obra máxima de Gabo. "Cem Anos de Solidão" é daqueles livros capazes de mudar a forma como enxergamos o mundo, ainda mais no caso de pessoas vendadas pela sua própria bandeira.

Divulgação/Amazon

Divulgação/Amazon

46% OFF
de R$ 69,90por R$ 37,64COMPRAR

Muita gente pensa em corpos transcendendo, em chuvas eternas e em nuvens de borboletas amarelas sempre que falamos do clássico, sei disso. Uma pena que tantos reduziam o realismo mágico a esse aspecto pitoresco, quase pueril. Livro e corrente artística são muito mais do que isso.

Palco de sagas familiares e de gente que faz grandes descobertas sobre o mundo onde vive, Macondo também testemunha a disputa pela terra onde bananeiras são plantadas. De um lado, produtores tradicionais; de outro, uma grande corporação estrangeira que chega para dominar o lugar.

Os horrores feitos pela United Fruit Company na América Latina aparecem em outros livros de nossa literatura. Em "Cem Anos de Solidão", a mão pesada estadunidense na sua sanha exploratória rende um dos momentos mais marcantes do romance, quando Gabo transforma em arte o episódio histórico do Massacre das Bananeiras.

Diante da matança de trabalhadores, o governo local corre para criar uma versão alternativa aos fatos para poupar a companhia estrangeira e sua aliança com as forças militares. "Com certeza foi um sonho", insistiam os oficiais enquanto escondiam a mortandade.

Continua após a publicidade

"Em Macondo não aconteceu nada, nem está acontecendo, nem acontecerá nada nunca. Este é um povo feliz", garantiam. E "assim consumaram o extermínio dos chefes sindicais", escreve Gabo, aqui traduzido por Eric Nepomuceno e editado pela Record.

O trecho é dos mais emblemáticos de "Cem Anos de Solidão". Vai na contramão do mito de polícia justa e virtuosa do mundo que há séculos os Estados Unidos tentam construir para si. Um mito que voltou a ser alimentado ainda com mais força nos últimos anos.

Se forem proibir tudo que é livro que contraria essa bobajada e mostra aos estadunidenses o que realmente são, vão sobrar poucos exemplares nas bibliotecas. Problema: há políticos fortemente engajados para que isso aconteça. São políticos apoiados por muita gente que legitima a estupidez.

Ao comprar pelos nossos links, ganhamos uma comissão, mas você não paga nada a mais por isso. O UOL não é dono nem participa da comercialização dos produtos oferecidos neste conteúdo. Dessa forma, não nos responsabilizamos pelos itens anunciados.

Assine a Newsletter da Página Cinco no Substack.

Você pode me acompanhar também pelas redes sociais: Bluesky, Instagram, YouTube e Spotify.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

Deixe seu comentário

O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.