Nobel de Literatura nos oferece a chance de dançar com Satanás

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Num vídeo publicado no Instagram da Página Cinco, apostei: em 2025 a Academia Sueca seguiria com a alternância entre homens e mulheres. E, depois de reconhecer a sul-coreana Han Kang, voltaria de vez para o próprio umbigo premiando um europeu.
Só errei de onde seria o vencedor. Pouco mais de 800 quilômetros separam Bucareste de Budapeste, mas os países são colados. Coloquei as fichas no romeno Mircea Cartarescu, entretanto a medalha e a grana foram para o húngaro László Krasznahorkai, dono de uma literatura tão desafiadora quanto pronúncia do seu nome.
Com uma escrita que dialoga com autores como Franz Kafka e Samuel Beckett, László ficou com o prêmio por sua obra envolvente e visionária que, em meio ao terror apocalíptico, reafirma a força da arte. A justificativa é da própria Academia Sueca.
Provável que você esteja pensando: tá, mas quem é esse sujeito?
Eis uma das coisas mais legais que um prêmio como o Nobel pode nos oferecer: não afagar nossos egos e contemplar nossas torcidas e desejos, mas, já que praticamente desconhecem algo fora do norte global, mostrar autores que estejam distante do radar da maior parte dos leitores. Dos leitores brasileiros, ao menos.
Não que seja um completo desconhecido, também não é assim.
"Sátántangó" - para que tanto assento, meu deus? - foi publicado originalmente em 1985 na Hungria sob regime comunista e chegou aqui no Brasil há pouco tempo. Saiu em 2022 pela Companhia das Letras, tradução de Paulo Schiller.
Desde então, passou longe de explodir, virar best-seller e dominar tudo que é grupo de conversa do povo dos livros. Aos poucos, porém, foi conquistando leitores parrudos, um pessoal que leva a literatura a sério e não só topa, mas adora romances mais exigentes.
Como Mircea Cartarescu com "Nostalgia" e, depois, "Solenoide" (publicados pela Mundaréu com tradução de Fernando Klabin), mas numa dimensão mais restrita, os nomes de László Krasznahorkai e o seu "Sátántangó" passaram a pipocar aqui e ali. Pouco lido em escala, sim, mas muito bem lido e bastante cultuado por gente arrebatada pela sua literatura.
O escritor e crítico literário Lucas Lazzaretti, autor do ótimo "Saturno Translada" (7 Letras), é exemplo disso. Numa resenha publicada no canal Livrada!, Lucas passa por alguns pontos da biografia de Krasznahorkai e explica que "Sátántangó" propõe uma espécie de dança com Satanás numa prosa cheia de lacunas, feita de poucos parágrafos e frases longuíssimas. É um livro fantástico de um autor fantástico, diz Lucas, que não costuma banalizar elogios.
E do que se trata "Sátántangó"? Quase nunca bons romances trazem uma trama tão específica a ponto de ser condensada em algumas poucas linhas. E, quando o fazem, enganam, pois não estará nessa trama o que faz da obra uma literatura para se aplaudir.
Para não ficar apenas em abstrações completas, pesco a tentativa de descrição que Helen Beltrame-Linné fez na elogiosa crítica, na qual destaca a melancolia e o sarcasmo do autor, escrita para a Folha de S. Paulo:
"Com pinceladas grossas, podemos dizer que se trata de uma narrativa de múltiplos personagens tendo como pano de fundo um assentamento abandonado numa Hungria comunista distópica e a chegada do mítico Irimias, um homem tido como morto, cujo retorno ao vilarejo é cercado de expectativa e anseios. Seria ele um profeta, um agente secreto, o próprio satã?".
Bailemos esse tango com satã, então.




















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